QUARESMA – 4

QUARESMA – 4

A Jornada da Quaresma: Auto-negação

O caminho da Quaresma é uma peregrinação à alegria da Páscoa. É um caminho sóbrio de conversão, ajudado pela oração, pelo jejum e pela esmola. Reflictamos sobre o jejum, que implica abnegação e desapego – uma vida ascética.

Falar hoje da necessidade de uma vida ascética é geralmente considerado antiquado e medieval. Pela minha experiência e pela de outros, estou firmemente convencido de que uma vida egoísta e consumista contribui para uma vida cristã medíocre, incluindo a vida consagrada. A Quaresma recorda-nos, novamente, a necessidade de uma vida ascética, se quisermos verdadeiramente seguir Jesus como nosso Caminho, o que implica também a sua Via Sacra.

Falar da dimensão ascética da nossa vida é falar da nossa vida espiritual/moral, que antes era chamada de vida ascética e mística. O asceta conduz à vida mística, à íntima união amorosa com Deus, à santidade a que todos os cristãos são chamados. Isso leva, com certeza, à felicidade, aqui e no futuro.

Palavras sábias do filósofo Sócrates: “Como podeis chamar livre a um homem, quando os seus prazeres o dominam?”. Para não se deixarem levar pelas suas paixões e vícios, os humanos precisam de ascese. Os cristãos, em particular, são convidados a seguir o caminho de Jesus, que nos disse: “Se alguém quiser ser meu seguidor, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me” (cf. Lc., 9, 23; Mt., 16, 24; Mc., 8, 34).

(1) “NEGUE-SE” – A abnegação é um elemento necessário do nosso comportamento enquanto seguidores de Jesus. São Paulo diz-nos: “Os atletas exercem autocontrolo em todas as coisas…; Eu disciplino o meu corpo e o escravizo, para que, depois de anunciá-lo aos outros, eu mesmo não seja desqualificado” (cf. 1 Cor., 9, 25-27). Palavras de Jesus: «Todo aquele que pratica o pecado é escravo do pecado» (Jo., 8, 34).

A pessoa humana deve negar-se a si mesma. O que isto significa? “Pedro, uma vez, negou o seu Senhor, isto é, ele disse de Jesus: ‘Eu não conheço este homem’. Negar a nós mesmos é dizer: ‘Eu não me conheço’. É ignorar a própria existência de si mesmo. (…) Normalmente, tratamo-nos como se o nosso eu fosse, de longe, a coisa mais importante do mundo. Se quisermos seguir Jesus, devemos esquecer que o eu existe” (W. Barclay, in Lc., 9, 23-27. “Meios úteis: desapego e um estilo de vida simples”).

(2) SEJA DESAPEGADO E VIVA SIMPLESMENTE – Para Eckhart, ser desapegado significa “viver entre as coisas, mas não nas coisas”. Daí a importância de uma vida ascética (cf. Laudato Si’, 9). As ajudas para uma vida ascética são as penitências tradicionais do cristão, nomeadamente, a oração que leva ao jejum e o jejum que leva à esmola.

Jejuar, hoje? Sim. Se feito correctamente! É útil desapegarmos das coisas desnecessárias que pesam na nossa alma e compartilhar algo com os pobres. Mas tal como a mortificação, o desapego e a renúncia, o jejum é um meio e não um fim: um meio para a aquisição de virtudes e erradicação dos vícios. Na verdade, “o jejum (…) é exercido adequadamente com o objectivo de adquirir pureza de coração e corpo, para que os aguilhões da carne possam ser entorpecidos e uma mente pacífica reconciliada com o seu Criador”; por outro lado, o jejum “quando feito inoportunamente, arruína a alma” (Cassiano, “Conferências”). Numa palavra, o jejum, a mortificação, o ascetismo são bons meios se nos ajudam a amar – e a amar mais.

Necessidade de um estilo de vida simples. Vamos “viver vidas que sejam autocontroladas, retas e piedosas” (cf. Tito 2, 12). Para combater uma atitude egoísta e consumista, o Patriarca Bartolomeu recomenda o ascetismo, isto é, “uma forma de amar, de me afastar gradualmente daquilo que quero para aquilo que o mundo de Deus precisa; é a libertação da ganância e do consumo” (cf. Papa Francisco, Laudato Si’, 9).

A pessoa ética, o cristão, precisa viver um estilo de vida simples, que pratique e promova valores e virtudes genuínos. Entre os grandes valores encontrados nas religiões estão “Renúncia, desapego, humildade, simplicidade e silêncio” (São João Paulo II, “Ecclesia in Asia”, 23). Simplicidade: a essência da simplicidade é, como nos diz a teóloga Leslie Hardin, “um foco no reino de Deus”: primeiro está o reino (cf. Mt., 6, 33). A simplicidade ajuda-nos a alcançar a harmonia em nós mesmos: “O corpo sob o espírito e o espírito sob Deus” (Santo Agostinho).

(3) “TOMA A TUA CRUZ DIARIAMENTE” – A cruz de Cristo é uma fonte inesgotável de meditação contínua. Não admira que, para os santos – os verdadeiramente felizes –, quando chega a cruz é o Senhor quem vem! Assim, os santos não só carregaram a sua cruz pessoal com paciência e alegria, mas também ajudaram outros a carregar a sua cruz. Não demos cruzes aos outros, mas ajudemo-los a carregar a sua pesada cruz.

Os santos adoram contemplar Jesus na Cruz: Cristo na cruz, em São Damião, pediu a Francisco de Assis que restaurasse a sua Igreja. São Tomás de Aquino, para quem a cruz é o exemplo de todas as virtudes, ouviu de Jesus crucificado estas palavras: “Vós escrevestes bem de mim. O que vós quereis de mim?”. Depois dessa visão, São Tomás parou de escrever e avaliou tudo o que havia escrito como sendo “palha”. Portanto, Kempis aconselha-nos: “Pratique mortificações diárias para que se possa aproximar em espírito do seu salvador crucificado” (“Imitação de Cristo”).

(4) SEGUIR A CRISTO – Por que negarmo-nos a nós mesmos? Para quê um estilo de vida desapegado e simples? Para quê carregar a cruz com paciência? Por que tudo isto nos ajuda imensamente a seguir Cristo com verdade e alegria – a sermos felizes!

“Somos herdeiros do Senhor Crucificado” (Santo Agostinho). Seguir Jesus implica renunciar a nós mesmos. Exige que tomemos a nossa cruz pessoal: as provações e o trabalho diário, a doença, o fracasso, a morte na família… Implica, acima de tudo, amar a Deus, a nós mesmos, a todos os próximos e à criação de Deus. A Cruz faz parte da vida, mas não de toda a vida: a palavra-chave da vida não é a cruz, mas o amor, que nos ajuda a carregar a nossa cruz.

Finalmente, rezamos sempre pela conversão contínua através da penitência. A oração ajuda-nos a encontrar e seguir Jesus, que nos continua a dizer: «Eu estarei permanentemente convosco, até ao fim dos tempos» (Mt., 28, 20).

Pe. Fausto Gomez, OP

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