Quando um “não” se torna eterno

(Provavelmente) não vão gostar disto

Em Março de 2014 o Papa Francisco encontrou-se com familiares das vítimas da Máfia italiana. No final do seu discurso, colocou de parte as suas notas escritas e disse a quantos se tinham reunido ali, com ele: «Sinto que não posso terminar sem dizer uma palavra aos que não se encontram aqui, aos protagonistas ausentes: dirijo-me aos homens e mulheres da Máfia.

Por favor mudem de modo de vida, convertam-se, deixem de fazer o que fazem, deixem de magoar as pessoas. E nós rezaremos por vós. Peço-vos isto de joelhos, convertam-se; é para o vosso próprio bem. A forma como vivem neste momento não vos trará prazer, não vos dará contentamento, não vos trará felicidade».
E continuou: «O poder, o dinheiro que detêm neste momento, conseguido através das vossas inumeráveis acções ilícitas, pelos vossos muitos crimes da Máfia, é dinheiro sujo de sangue, é poder que está manchado com sangue e vós não o podereis levar convosco para a próxima vida. Arrependam-se, ainda há tempo para isso e assim não acabarão no inferno. Isso é o que vos espera se continuarem por esse caminho. Vós tendes um pai, ou uma mãe. Pensem neles. Chorem um pouco e arrependam-se».Não foi a primeira vez que o Papa Francisco falou sobre o inferno. Ele tornou claro que adere firmemente aos ensinamentos de Jesus sobre a condenação eterna.

O inferno não é um conto de fadas. O “Catecismo da Igreja Católica” ensina-nos: «Muitas vezes Jesus falou sobre a “Gehenna” de “fogo insaciável” reservado aos que até ao fim das suas vidas se recusem a acreditar e a converterem-se, onde corpo e alma se perderão (de acordo com Mateus 5:22, 29; 10:28; 13:42, 50; e Marcos 9:43-48)».

Muitas vezes vemos imagens do inferno com esse fogo, de que Jesus nos falou. No entanto, para mim há uma imagem que o descreve melhor. Jesus Cristo disse que no inferno o Homem «lamentará e rangerá os seus dentes» (Mateus 13:24). E porque é que lamentará e rangerá os dentes? Deixem-nos tentar explorar esta ideia.

Em alguns dos artigos anteriores falámos sobre a liberdade. A liberdade é um poder incrível. Ela torna-nos capazes de aceitar os planos de Deus, e dizer-Lhe “Sim”.

Ao mesmo tempo é um poder terrível – que nos autoriza a dizer-Lhe “Não”, ou dizer-Lhe “Não preciso de Ti”.

O que acontece quando digo “Sim” a Deus? Significa que me abro à Fonte de tudo o que é verdadeiro, bom e bonito. Acolho o Criador de todas as coisas que eu alguma vez poderei desfrutar na terra.

E o que acontece quando eu disser “Não”. Significa que rejeito a Fonte de tudo o que é verdadeiro, bom e bonito, virando as costas Àquele que fez todas as coisas que alguma vez eu poderei desfrutar na terra. Em lugar disso escolho-me a mim próprio. E o que é que ganharei com essa escolha? Nada. S. Paulo pergunta-nos: «O que é que vocês possuem, que não vos tenha sido concedido?» (I Coríntios 4:7), escolhendo-nos representa escolher o nada. Se a morte chegar e eu não tiver mudado a minha maneira de pensar, então a minha recusa será selada para sempre, com o meu coração fechado a tudo o que é verdadeiro, bom e bonito.

O inferno não é uma criação de Deus. É uma criação resultante da liberdade humana. Conforme o que S. João Paulo II disse em Julho de 1999, «não é um castigo imposto de fora, por Deus, apenas um desenvolvimento das condições já criadas pelas “pessoas nesta vida”». «Assim sendo – acrescentou ele – a condenação eterna não é atribuída a uma iniciativa de Deus, porque no Seu amor compassivo Ele apenas pode desejar a Salvação dos seres que Ele criou. De facto, é a criatura que se fecha ao Seu amor. A condenação consiste precisamente na separação definitiva de Deus, escolhida livremente pelo ser humano e confirmada com a morte, que sela eternamente a sua escolha. O Julgamento de Deus ratifica essa condição».

O “Catecismo da Igreja Católica” ensina-nos: «Não podemos ser reunidos com Deus, a menos que, livremente, escolhamos amá-Lo. Mas não podemos amar a Deus se pecamos gravemente com ele, contra o nosso vizinho ou contra nós próprios: “Aquele que não ama continua morto. Qualquer pessoa que não ame o seu irmão é um assassino, e vós sabeis que nenhum assassino tem a vida eterna dentro de si” (I João 3:14-15). (…) Morrer em pecado mortal, sem arrependimento e sem se aceitar o amor compassivo de Deus, significa continuar-se separado d’Ele para sempre por nossa livre vontade. Este estado de auto-exclusão da comunhão com Deus e das suas bênçãos é chamado de “Inferno”».

Sendo assim o que há no inferno? NADA! Nada a não sermos nós. No momento que me fecho a Deus e ao meu vizinho, fico só comigo próprio e nada mais. Imaginem não terem sinal de Wi-Fi. Imaginem não terem telefone, ou não terem televisão, ou qualquer coisa que vos ponha em contacto com outras pessoas. O inferno significa não poder ter nada que nos faça feliz. “Lamentos e ranger de dentes” significa a frustração e o aborrecimento eternos.

Falar do inferno não é um técnica de intimidação da Igreja Católica. O “Catecismo da Igreja Católica” dá-nos duas razões para falarmos sobre o inferno: é um lembrete para fazermos uso responsável da nossa liberdade, e uma chamada à conversão e ao arrependimento.

No dia 19 de Fevereiro de 2014, o Papa Francisco desafiou os que o escutavam na Praça de S. Pedro: «Digam todos para vós próprios: “Quando foi a última vez que me confessei?” E, se foi há muito tempo, não percam outro dia! O padre será bom. E Jesus (estará) convosco. E Jesus é melhor que os padres – Jesus receber-vos-á. Ele receber-vos-á com tanto Amor. Tenham coragem e vão confessar-se».

O Santo Padre acrescentou: «Alguém poderá dizer, “confesso-me apenas a Deus”, “perdoai-me” e diz os seus pecados. Mas os nossos pecados também são contra os nossos vizinhos, contra a Igreja. É por essa razão que é necessário pedir perdão à Igreja e aos nossos vizinhos, na pessoa do padre no confessionário. O Perdão não é algo que possamos conceder a nós próprios. Alguém que pede perdão, pede esse perdão a outra pessoa. E na confissão, pedimos perdão a Jesus».

Deixem-me terminar com a oração do Rosário de Fátima: “Ó meu Jesus, perdoai-nos e livrai-nos do fogo do inferno. Levai as almas todas para o Céu, especialmente as que mais precisarem”.

Pe. José Mario Mandía

jmomandia@gmail.com

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