Quando Pedro Esbarrou em Cristo…

De que estás a fugir?

Nos arredores de Roma, na Via Appia (rua Appia), uma das ruas mais antigas da cidade, existe uma igreja chamada “Quo Vadis” (onde vais). A capela foi mandada construir no século XVII, pelo cardeal D. Barberini, em memória de uma história que remonta aos tempos de Jesus. Reza a lenda que S. Pedro, ao fugir da perseguição das autoridades Romanas, indo pela Via Appia, ficou surpreendido ao esbarrar no seu mestre. Assim, perguntou a Jesus: «Domine, quo vadis?» (Senhor, onde vais?) E o Senhor respondeu: «Venio iterum crufigi» (Venho para ser crucificado de novo).

Quarta-feira da próxima semana é a Quarta-feira de Cinzas, que marca o início da Quaresma. A Quaresma é um dos “pontos fortes” do ano litúrgico, onde nos defrontamos com o sofrimento do Senhor. Mas, desta vez, talvez seja Ele que me interrogue: “Quo vadis?” Amigo, que procuras? Do que foges? E o que persegues?

Sabemos do que S. Pedro fugia – da perseguição dos Romanos e da Crucificação. E ele também estava a fugir das suas responsabilidades, ele estava a fugir do seu trabalho!

A Quaresma lembra-nos a Cruz e a Crucificação de Cristo. Mas, muitas vezes, imaginamos esta Cruz como algo diferente, tal como jejuarmos e abstermo-nos de comer carne. Algumas pessoas pensam que significa auto-flagelação. Para muitos, definitivamente, não é algo que se faça todos os dias, algo diferente do nosso costumeiro quotidiano. Muitos cristãos pensam que na Quaresma precisam de deixar as suas ocupações diárias. Em algumas ocasiões devemos jejuar e fazer abstinência, pois Jesus disse que cada um que desejasse segui-Lo, deveria «carregar a sua Cruz quotidiana (Lucas 9:23)». Todas as quatro palavras desta frase são importantes, incluindo as palavras “SUA”e “QUOTIDIANA”.

CADA UM COM A SUA PRÓPRIA CRUZ. O facto de Jesus desejar que cada um “carregue a sua Cruz” significa que há uma Cruz específica, destinada por Deus, para cada um de nós. Cada Cruz é personalizada, porque as Cruzes não são produzidas em massa em linhas de montagem automáticas. Não há duas iguais, da mesma forma que não há duas pessoas exactamente iguais. Cada pessoa é única, e cada pessoa tem uma missão que mais ninguém pode executar por ela. Não faz sentido comparar a minha Cruz com a vossa, especialmente quando a vossa Cruz parece ser mais leve, mais atraente, mais suportável.

E porque Deus é infinitamente sábio, tenho a certeza que a Cruz que foi feita para mim é a mais apropriada, sendo aquela que me poderá dar o melhor.

CRUZ QUOTIDIANA. O facto de Jesus ter especificado que temos uma Cruz quotidiana mostra que a Mortificação Cristã não nos afasta do nosso dia a dia. A nossa Cruz quotidiana pode ser representada pelas nossas obrigações diárias – talvez o tipo de trabalho que temos que fazer, ou as pessoas com que temos que trabalhar, ou o próprio local onde trabalhamos, ou as horas a que trabalhamos. Não surpreende, portanto, que há apenas umas semanas o Papa Francisco tenha declarado que a maternidade seja um tipo de martírio. De facto, qualquer tipo de trabalho é uma espécie de martírio, visto que qualquer tipo de trabalho traz uma Cruz com ele…. Normalmente é deste tipo de Cruz que tentamos fugir – a monótona, desinteressante e maçadora Cruz de cada dia. Tentamos fugir dela porque nos parece ser tudo menos excitante, e ninguém nos dá uma palmadinha nas costas por fazermos esse trabalho…

D. Josemaria observou: «O Mundo apenas admira os sacrifícios espectaculares porque nem se apercebe do valor dos sacrifícios escondidos e em silêncio (O Caminho, 185)». Como posso saber o se passa, se fujo da minha Cruz quotidiana? Quanto tempo perco no Facebook? (Apanhado!)

Aprendemos a apreciar o sacrifício escondido e silencioso quando pensamos na Virgem Santíssima e S. José. Não houve nada de especial sobre a vida em Nazaré. Ainda assim a Igreja reverencia-a como a Rainha dos Santos, e o nome de S. José vem sempre a seguir ao Seu depois da Missa. Que coisa grandiosa fizerem eles? As pequenas tarefas de cada pequeno momento que passa, bem executadas, com sacrifício e alegria.

Deixem-me recomendar-vos dois pequenos sacrifícios, duas pequenas mortificações, que todos podemos fazer muitas vezes tanto durante a Quaresma, como fora dela.

O primeiro é o que S. Josemaria chamava de “Minuto Heróico”. Se pensam que são “duros”, vejam se conseguem aceitar este desafio. Eis como S. Josemaria o descrevia: O Minuto Heróico é o tempo fixado para nos levantarmos, sem qualquer tipo de hesitação. Depois, uma reflexão sobrenatural, e já está! Tendes aqui uma mortificação que fortalece a vossa força de vontade e não causa problemas para o corpo (O Caminho 206). Na realidade, os dias estão recheados com centenas de “Minutos Heróicos” que nos desafiam a começar a fazer algo de que necessitamos, sem adiarmos para depois. Queres ser um herói? Levanta-te a horas todos os dias.

O segundo tem a ver com Caridade. S. Josemaria escreveu: «Não digam: Aquela pessoa faz-me nervos… pensem antes em: “aquela pessoa santifica-me” (O Caminho 174)». Não devo reclamar de ninguém, antes deveria pensar sempre: esta pessoa está a dar-me uma possibilidade de me santificar. Deus está a usá-lo, ou a usá-la, para me ensinar a ser paciente, ou generoso, ou optimista, ou a perdoar… Deus seja louvado!

Simão, o Sireneu, foi forçado a carregar a Cruz de Cristo. De início resistiu, mas rapidamente apercebeu-se que era um privilegiado. Todos os dias somos “forçados” a carregar com a Cruz de um outro alguém. Possamos não deixar de ver Jesus por trás desse facto. Possamos nós acolher bem, abraçar a oportunidade, e dizermos ao Senhor: “Obrigado por me dares esta oportunidade. Obrigado por esta honra!”

Pe. José Mario Mandía

jmomandia@gmail.com

(Tradução: António R. Martins)

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