Primeiro o Povo, depois a Coroa
Esta semana houve Festa de Nossa Senhora de Fátima, mas como estamos em Aveiro vimos falar-vos de um outro acontecimento: o Dia da Cidade de Aveiro, que está umbilicalmente ligado ao Dia da Padroeira de Aveiro, a Princesa Santa Joana, sendo esta motivo de devoção por parte de milhões de portugueses espalhados pelo mundo.
A Princesa Santa, como é comummente referida pelas gentes de Aveiro, morreu a 12 de Maio de 1490, e logo no dia da sua morte, durante o cortejo fúnebre, registou-se o primeiro milagre documentado: as flores que havia plantado no jardim do Convento de Jesus, morreram à passagem do seu corpo. Apesar de inúmeros relatos magníficos como este, foram precisos mais de dois séculos para que o Papa – neste caso, Inocêncio XII – autorizasse a sua beatificação.
A Princesa Joana era filha do Rei D. Afonso V, o “Africano”, com D. Isabel; e irmã do Príncipe Perfeito, D. João. Durante a ausência do pai e do irmão, que foram em campanha para o Norte de África, chegou a ser regente de Portugal. Nasceu em Lisboa a 6 de Fevereiro de 1452.
A sua vida caridosa, contra a vontade da família real que via com maus olhos a sua ingressão na religiosidade, fê-la recusar um qualquer casamento de conveniência que pudesse potencializar fortes alianças com reinos da Europa. Tal atitude – colocar os pobres acima dos interesses políticos da Coroa – fez com que a população de Aveiro chorasse a sua morte, como se tivesse perdido uma mãe. Desde quase sempre, os proventos do seu rico património foram utilizados pelo Convento de Jesus para matar a fome a quem não tinha posses.
A Princesa Santa ficou órfã aos três anos de idade e cresceu num ambiente familiar muito conturbado, sendo esta uma das principais razões que a terão levado a optar pela vida religiosa. Isto, claro, a par da “falta de sorte” de quem organizava os casamentos de conveniência para a princesa, que invariavelmente os recusava. Entre a lista de pretendentes, os quais curiosamente faleciam antes da data agendada para a boda, estiveram o delfim de França, o Imperador Maximiliano e Ricardo III de Inglaterra. Segundo muitos historiadores religiosos, estas mortes trataram-se de milagres de Deus, pois a Princesa Joana nunca quis casar.
Em 1481 nascia um filho bastardo de D. João, que com o consentimento da Santa Sé foi entregue à guarda de D. Joana, no Convento de Jesus. E, poucos anos mais tarde, por forma a garantir a subsistência da irmã e do filho, o Rei “dava do senhorio de Aveiro” com “todas as rendas e direitos reais” que revertiam para uso próprio ou do convento.
A Padroeira de Aveiro faleceu bastante nova, vítima da Peste, na mesma data em que se celebra o Dia da Cidade de Aveiro. Uma morte bastante sofrida, de acordo com relatos da época disponíveis no Museu do Convento de Jesus. Como já referimos, o culto à Princesa Santa foi confirmado pelo Papa Inocêncio XII, e em 1965 foi intitulada, oficialmente, “Padroeira da Cidade e Diocese de Aveiro”, cujo processo foi conduzido pelo então Bispo de Aveiro, D. Manuel de Almeida Trindade, amigo pessoal do então Papa Paulo VI.
Duas décadas mais tarde foi erigida uma estátua em sua memória, na praça em frente ao Convento de Jesus, mas devido a obras nos arruamentos dessa zona foi recolocada no átrio da Igreja Matriz de Santa Joana. Um ano mais tarde, da autoria de uma artista aveirense, uma nova estátua foi inaugurada em frente ao Convento de Jesus, em cerimónia presidida por diversas autoridades religiosas e pelos Duques de Bragança. Esta estátua, que se pode apreciar bem no centro da cidade, foi comissionada para assinalar o 51.º aniversário da restauração da diocese de Aveiro e o arranque das festividades do quinto centenário da morte da princesa.
À semelhança de 2020, este ano os festejos estão bastante condicionados, mas não se irão deixar de realizar. Em condições normais, a Festa de Santa Joana é a maior festividade religiosa da cidade de Aveiro, prolongando-se por diversos dias. Inclui todo o tipo de eventos religiosos, para além de exposições, concertos e outras manifestações populares, atraindo à cidade milhares de devotos e curiosos.
A estátua da Princesa Santa Joana, localizada em frente à Sé Catedral, junto ao Convento de Jesus, da autoria de Hélder Bandarra, artista aveirense, é feita de bronze; tem quatro metros de altura e pesa quatro toneladas. O conjunto está assente num pedestal de pedra calcária, com o frontispício, de forma semi-circular, onde está representado o brasão de Santa Joana e a inscrição em maiúsculas: “Princesa Santa Joana / Padroeira de Aveiro / 1452 – 1490”. Na parte posterior do pedestal, pode ler-se uma segunda inscrição: “Homenagem de Aveiro / 12-05-2002”.
João Santos Gomes