PRIMEIRAS MISSÕES CATÓLICAS NO NORTE DA ÍNDIA – 34

PRIMEIRAS MISSÕES CATÓLICAS NO NORTE DA ÍNDIA – 34

A pacífica entrada de Acbar em Cabul

Naturalmente fortificada por um penhasco escarpado sobranceiro ao rio e implantada numa vasta planície cercada por colinas que se estendia até Cabul, Jalalabad fora evacuada pouco antes da chegada das forças de Acbar. Na debandada, ao que consta, Mirza Hakim perdera o mais novo dos seus dois filhos. Caíra este da sua montada e fora acidentalmente pisoteado até à morte pelos cavaleiros que o seguiam na rectaguarda. Garante-nos o padre Monserrate que jamais foi encontrado o corpo do príncipe – “nem sequer foi procurado”.

Situa-se Cabul a uma cota bastante elevada. Esse o motivo do imenso frio que aí se fazia sentir no Inverno, obrigando a corte a descer anualmente a Jalalabad. Já no Verão, em contrapartida, de tão agradável o clima, não chegava a incomodar a temperatura. Nem mesmo no pico da canícula.

Notabilizara-se Cabul como capital daqueles reinos e quartel-general de inúmeros mercadores originários da Índia, da Pérsia e da Tartária, soldando-se a teia urbana a uma cadeia montanhosa que Monserrate curiosamente designa de “Himalaias caucasiano”. Na época em que em toda a região abundavam descendentes de Tamerlão, “o Coxo” – vivendo estes “entre as florestas num estado de guerra e distúrbios permanentes” –, era Cabul conhecida como Kabura. Fora dali que os temidos tártaros se lançaram à implacável conquista do interior da Índia, dando origem, séculos depois, à poderosíssima dinastia Mogol.

Aquando da estada do imperador em Jalalabad, chegara a notícia da fuga do exército de Mirza Hakim até a uma “montanha muito alta e escarpada onde poderia oferecer resistência com sucesso caso o seu irmão o perseguisse”. Ao saber disso, pedira Acbar aos arautos que tranquilizassem o povo de Cabul. Nada tinham a temer! Ele não estava em luta com comerciantes, trabalhadores e pessoas comuns, tão só com o exército do irmão agora foragido. Com a cidade pacificada, fez uma entrada triunfante, “depois de percorrer primeiro a região circundante”, e no palácio real tomou assento no trono ancestral outrora ocupado pelo pai e o avô, embora a vitória lhe tivesse ficado bastante cara. Acontece que uma soma de quinze mil peças de ouro enviadas como pagamento do contingente avançado fora apreendida numa emboscada do inimigo. O próprio pagador fora capturado e maltratado, embora depois tivesse sido resgatado por uma enorme quantia. Acbar repreendeu-o severamente pelo “seu descuido e cobardia”. Embora tivesse homens suficientes para resistir ao ataque surpresa, optara por fugir em pânico e fora capturado “sem receber, muito menos infligir, um único ferimento”. Numa outra emboscada, os batedores de Mirza Hakim puseram em fuga Sheik Jamal, cunhado do rei, apesar de o acompanharem uma centena de soldados. Com vergonha e medo do seu senhor, Sheik Jamal adoptaria doravante a vida dos “derviches”: descalçou-se, vestiu-se de trapos e retirou o turbante da cabeça. No entanto, Acbar deu instruções para que fosse chamado de volta e quando ele chegou disse-lhe: “as chances de guerra são várias e incertas”. Ou seja, em vez de o repreender, apenas lhe aconselhou cuidado na viagem de regresso.

O monarca mogol permaneceu em Cabul durante uma semana, expressando assim publicamente o seu poder, como outrora haviam feito os seus ancestrais. A irmã veio ter com ele e implorou que tivesse misericórdia de Mirza Hakim. Ousou até pedir-lhe que lhe devolvesse o reino, pois tinha a certeza que ele estava arrependido do que havia feito. Como resposta, Acbar – “confiando na virtude, tacto e fidelidade da irmã” – decidiu entregar-lhe as rédeas do reino e a seu tempo pedir-lhe-ia que as devolvesse. E logo anunciou que partiria da cidade como era seu desejo. E como amava irmã e nela confiava “não deixaria forças ou guarnições no reino”. Com Mirza Hakim não queria mais lidar, nem dele ouvir falar. Pouco lhe importava que ele morasse em Cabul ou noutro lugar do reino. Não podia era voltar mais às suas intrigas e intentonas, pois tinha idade e experiência para ter juízo. Se se portasse bem, voltaria Acbar a ser “um verdadeiro irmão para ele”, porém, se persistisse com os seus planos loucos, então não voltaria a ser generoso nem a perdoar-lhe, como então fazia. Foi lembrando, entretanto, que se quisesse montava um cerco ao penhasco onde se acoitava Mirza Hakim e pela fome o obrigaria à completa rendição. Mas não era essa agora a sua intenção. Dito isto e redigido o edito pelo qual o reino ficava entregue aos cuidados da irmã, Acbar preparou-se para partir. O exército recebeu ordens para iniciar a jornada numa determinada data, e ele próprio, acompanhado de um pequeno estado-maior, precedeu-o com marchas forçadas até ao acampamento em Jalalabad. Aí o esperava António de Monserrate para efusivamente lhe dar os parabéns pela bem conseguida – sem derramamento de sangue – pacificação de Cabul. As felicitações do sacerdote vieram mesmo a calhar, pois Acbar, “sendo muito ganancioso de glória”, esperava que através dele a sua fama chegasse à Europa.

Joaquim Magalhães de Castro

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