PRIMEIRAS MISSÕES CATÓLICAS NO NORTE DA ÍNDIA – 20

PRIMEIRAS MISSÕES CATÓLICAS NO NORTE DA ÍNDIA – 20

A campanha de Cabul

O exército de Acbar, que aos olhos do padre Monserrate parecia demasiado pequeno durante a sua arrancada, rapidamente se avolumou, estendendo-se ao longo de milha e meia, cobrindo os campos e a floresta, “parecendo esconder a terra”. Surpreendidos no caminho, os animais mostravam-se incapazes de romper as fileiras e escapar. Até os pássaros, “cansados de tentar fugir do perigo e apavorados com os gritos dos soldados”, caiam exaustos no chão. Monserrate espantava-se sobretudo com a abundância e o preço baixo dos cereais, cujas reservas foram asseguradas graças à astúcia do imperador que antes despachara agentes seus às cidades e vilas vizinhas para aí recolher provisões. Aos mercadores que directamente as traziam ao acampamento, isentava-os de futuros impostos e taxas.

Fora das fronteiras do império, Acbar, parcimonioso, despachava arautos para assegurar aos habitantes locais que se não se rebelassem nada tinham a temer. E se trouxessem suprimentos ao campo, não só evitavam os impostos como tinham total liberdade de comércio. Se, pelo contrário, desobedecessem, então, severa seria a punição. Apressaram-se, apavorados face a tão poderoso exército, reis e reizinhos das regiões a firmar acordos, a oferecer presentes e a aceitar promessas. Explicada estavam a fartura e barateza de víveres, mesmo em território hostil.

Também providenciada seria a indispensável água, abundante nos sopés das montanhas, onde a caça era melhor. Juntando o útil ao agradável, Acbar de bom grado para lá dirigiu a tropa. Suplantaria o monarca a dificuldade dos caminhos, impedidos por rochedos e ravinas cavadas pelas águas do degelo, com o envio de sapadores e mão-de-obra para nivelar o trilho o mais possível. Liderava-os um oficial que havia sido governador do forte de Agra, agora sob suspeita de traição. Está bem de ver que Acbar gostava de ter os inimigos por perto, usando-os de acordo com as suas conveniências.

Havia uma dificuldade maior a superar: as pontes. Se construídas sobre o leito de um largo rio, a qualquer altura podiam ceder pela força da correnteza, arrastando consigo todos os que a atravessavam. Como alternativa, tinham por hábito na Índia inventar pontes temporárias feitas de barcos unidos com cordame. Sobre esses barcos eram colocados estrados de galhos de árvores, arbustos e feno. Achando-o mais seguro, Acbar optou por este tipo de travessia, tendo o cuidado, porém, de alternar o tipo de homens e transporte. Caso houvesse um imprevisto, não se perdia tudo do mesmo. Além disso, a cavalaria, a infantaria, camelos, cavalos e rebanhos deveriam passar separadamente e em fila única, “de modo que, se uma ponte se partisse, o rio não cobrasse grande quantidade de homens ou suprimentos”. Para controlar a operação foi erguida uma palafita onde os oficiais do rei supervisionavam a delicada e prolongada operação. Os elefantes, claro está, não tinham permissão para cruzar essas pontes, pois afundá-las-iam com o seu peso.

Antes de entrar em território hostil, Acbar enviava trezentos batedores, a fim de evitar o risco de emboscada. Estacionavam estes, nos quatro pontos cardeais e em permanência, a dezoito milhas do acampamento, “aguardando ataques-surpresa ou o avanço aberto do inimigo”. Nos estreitos desfiladeiros, posicionavam-se dianteiros, poupando assim todo o exército à ansiedade e ao perigo. “Em consequência dessas precauções”, comenta Monserrate, “o exército, quando em marcha, espalhava-se tão livremente pelo exterior, em busca de sombra e água, e dormia com tanta segurança à noite, como se estivesse no seu próprio país”.

Acbar aplicava rigorosamente a disciplina militar, não permitindo qualquer claudicação. Certa altura, estando o exército acampado na margem do rio Indo, foi destacado um oficial, por ordem directa de Acbar, seguir rio acima, até a um determinado lugar, para verificar se aí o rio poderia ser atravessado pela cavalaria. O militar subiu 25 milhas rio acima, mas não encontrou qualquer vau. Convencido pelos habitantes de que não existia nenhuma passagem segura em toda aquela região, regressou ao campo com essa informação. Era necessário construir uma ponte! Perguntou-lhe Acbar se fora ao lugar indicado. Como a resposta foi negativa, ordenou que o batedor fosse agarrado e conduzido “ao lugar que ele havia dito para ir” e aí colocado dentro de uma dessas embarcações ovais de pele de couro de boi insuflada (ainda hoje se podem ver nos locais mais remotos) e lançado ao rio. A notícia espalhou-se pelo acampamento, e em breve estava toda a soldadesca reunida na margem para ver passar o desafortunado navegante dentro daquela casca de noz, à mercê da corrente, implorando perdão com gritos lancinantes. Ao passar pelo pavilhão real, Acbar ordenou que fosse resgatado, tendo sido de imediato o dito “inscrito como propriedade real, exposto à venda em todos os mercados e finalmente leiloado como escravo”. Teve sorte. Comprou-o um dos seus amigos, “por oitenta moedas de ouro, que foram pagas ao tesouro real”, e viria depois o perdão imperial. Com esse exemplo pretendeu Acbar mostrar o quanto valorizava a disciplina militar e a obediência. Na verdade, seria impossível conduzir um exército tão grande por terras estranhas se sobre ele não fosse exercido um apertado controlo.

Joaquim Magalhães de Castro

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