Testemunhas de Jeová – VIII
As Testemunhas de Jeová foram a primeira denominação cristã a sofrer perseguições na Europa pelos nazis. Muitos consideram que as Testemunhas de Jeová terão sido mesmo o grupo cristão mais perseguido pelo Nazismo. Se os tempos não estavam de feição para o movimento nos Estados Unidos, na Europa, com destaque para a Alemanha, não podiam estar piores. Como aconteceu no Japão, onde muitas Testemunhas foram presas e torturadas. Nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Grã-Bretanha os principais problemas advinham da prisão de Testemunhas de Jeová por se declararem objectores de consciência.
As Testemunhas de Jeová (TJ), que inicialmente tentaram chegar a um acordo com o Governo alemão para se manter a liberdade de levar a cabo o seu trabalho missionário, tornaram-se, entretanto, intransigentes na defesa das suas posições, o que colidiu com os nazis.
As TJ, por exemplo, recusaram-se a saudar de acordo com o protocolo nazi, além de refutarem a saudação à suástica, pois consideravam como uma forma de idolatria. Como se pode adivinhar, estas intransigências tornaram-se contraproducentes para o movimento na Alemanha. Na segunda metade da Segunda Guerra Mundial, a partir de 1942, principalmente, mais de cinquenta por cento das Testemunhas de Jeová alemãs seriam enviadas para campos de concentração. No geral, uma em cada quatro TJ do País morreu durante o período nazi.
Com efeito, foram proibidas na Alemanha em 1936, mas também no Canadá em Julho de 1940 e na Austrália em Janeiro de 1941. Estávamos em plena Segunda Guerra Mundial (1939-1945), recorde-se. Mas as TJ não desarmaram perante as dificuldades. Na liderança de Rutherford, foi constituída uma frente jurídica para defesa do direito de pregação pelo movimento, além da possibilidade (legítima) de se absterem de participarem em cerimónias nacionais ou reverenciarem insígnias e símbolos de qualquer nação. Assim, entre 1938 e 1955, essas equipas jurídicas das TJ venceram 36 dos 45 processos judiciais interpostos relacionados com a religião. Estas complexas batalhas legais resultariam também em significativos desenvolvimentos no que concerne à liberdade de expressão e religião nos países onde os pleitos tiveram lugar.
EXPANSÃO E PROBLEMAS
As Testemunhas de Jeová resistiram, de facto, ao alistamento militar nas forças aliadas na Segunda Guerra Mundial. Na América, recusaram-se até a aceitar qualquer alternativa, alegando que o trabalho civil obrigatório também era uma forma de recrutamento, o que suscitou exasperação por parte das autoridades americanas. O que na verdade sucedeu foi que as TJ sofreram muito por esta posição, como já vimos. Além da violência que sofreram e das perdas de postos de trabalho por despedimento, muitos foram para a prisão: as TJ representavam 75 por cento dos presos como objectores de consciência nos Estados Unidos durante a Guerra.
Mas nem tudo foi assim tão “inocente”, pois vários sectores intelectuais da sociedade americana da época denunciaram a cumplicidade, até a autoria, do movimento na sua própria vitimização nos Estados Unidos. Muitos acusaram as TJ de terem muitas vezes incitado as autoridades com cartoons e publicações que ridicularizavam e denegriam o Estado, aumentando a tensão em relação à sua igreja. Além disso, organizaram-se também inúmeras assembleias de fiéis com forte pendor de provocação, com as Testemunhas de Jeová ao mesmo tempo a inundarem cidades com pregadores pululando por todo o lado. Tudo isto ao mesmo tempo que faziam braços de ferro em torno da questão da objecção de consciência quanto ao porte e uso de armas, estando-se então em plena guerra e mobilização geral… A opção da vitimização, além com discursos de martírio por parte das TJ, tinha também outro propósito, proselitista. Ou seja, perante os horrores da guerra, as TJ ofereciam uma concepção pacifista e humanitária da sociedade, assumiam-se como estando do lado da verdade enquanto lutavam, isso sim, para servir Deus e não a destruição do mundo. Claro que não foram poucos os “enjeitados” da sociedade, os mais pobres e os que não concordavam com a guerra a juntarem-se ao movimento.
Mas nem tudo eram rosas. Rutherford e a sua conduta pessoal atraíram críticas de alguns membros do movimento desde a década de 1930, de forma continuada. Por exemplo, recordemos Walter F. Salter, que fora presidente da extensão das TJ no Canadá, até ao dia em que escreveu uma carta pública a Rutherford, em 1937, a qual lhe valeu a expulsão, da mão do próprio Rutherford. Salter alegou, na missiva tornada pública, que Rutherford usava de forma exclusiva residências “luxuosas” e “caras” da Sociedade em Brooklyn, Staten Island, San Diego, estas nos Estados Unidos, e de outra na Alemanha, além de dois Cadillacs. O mesmo denunciante várias vezes acusou Rutherford de ter recebido em várias ocasiões caixas de whisky, cognac, cerveja e outros licores, todas enviadas por Salter, refira-se… As denúncias não paravam, numa época em que se lutava por conseguir unidade no meio de tantos confrontos jurídicos e na afirmação de integridade da Sociedade.
Em Julho de 1939 surgiu outra vaga de denúncias, desta feita da parte de Olin R. Moyle, consultor jurídico da Sociedade, que escreveu uma carta aberta de renúncia do cargo ao presidente. No documento, apresentava queixas em relação ao comportamento de alguns membros do movimento (ou Sociedade, ou TJ), incluindo o próprio Rutherford. Este, segundo Moyle, era “excessivo e impróprio”. Moyle acusava Rutherford também de ambiguidade e incoerência na forma como tratava os “irmãos”, o que fazia, segundo o denunciante, de forma diferenciada, logo injusta. Moyle também acusou Rutherford de “tratamento indelicado, explosões de raiva, discriminação e linguagem vulgar” e condenou a sua permissão para a “glorificação do álcool” na sede em Brooklyn. Moyle, segundo vários membros das TJ, era um “abstémio” e “puritano”. Esses mesmos, anónimos, que assim qualificavam Moyle, referiam também, ao mesmo tempo, que os hábitos de bebida de Rutherford eram “notórios”, citando-se até funcionários anónimos da sede em Brooklyn que revelaram que várias vezes Rutherford tivera grandes dificuldades para aceder ao púlpito para as suas palestras públicas e pregações, devido ao estado de embriaguez!
O “Juiz” Rutherford haveria de morrer a 8 de Janeiro de 1942, depois de alguns meses doente. Partia o mais polémico e famoso dos presidentes das TJ. Terá escrito 21 livros, diz-se, além que nos anuários da Sociedade se referia que em 1942 teria levado a cabo a distribuição de quase quatrocentos milhões de livros em vários formatos. Apesar de diminuições significativas durante a década de 1920, o número geral de membros das TJ depois aumentaria mais de seis vezes até ao final dos 25 anos de Rutherford como presidente, no ano de 1942. Sucedeu-lhe Natan Homer Knorr (1905-1977), cujo consulado, até à sua morte, em 1977, ficaria famoso pela proibição de transfusões de sangue e a previsão do fim do mundo para o ano de 1975.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa