Presidente Marcelo Rebelo de Sousa no Dia de Portugal

«Temos um enorme território espiritual».

O atraso registado no voo presidencial de Marcelo, que nos Açores celebrou o 10 de Junho e que a diferença horária de quatro horas permitiu que fizesse o mesmo (e no mesmo dia) em terras da Nova Inglaterra, deixou-me a passear pela praça da City Hall de Boston, repleta nesse dia de famílias com camisetes e casacos da selecção nacional. «Nunca esta praça viu tanta gente junta. Estarão aqui umas oito mil pessoas», ouvi alguém comentar. Muita dessa gente dispersaria, cansada da espera, ou optaria por assistir ao espectáculo do cançonetista Jorge Ferreira e seu conjunto, embora o grosso se mantivesse de pedra e cal entretido pelas marchas da Filarmónica de St. Anthony e os coloridos pendões empunhados pelos veteranos de guerra luso-americanos, orgulhosos das suas duas bandeiras.

Marcelo seria recebido, concluído o discurso circunstancial de Costa, com uma forte ovação, como se se tratasse de uma estrela de cinema. Iniciou a sua breve alocução agradecendo ao representante do presidente da Câmara de Boston pela iniciativa de celebrar o 10 de Junho na cidade – doravante com periodicidade anual – e convocou logo de seguida o embaixador dos Estados Unidos em Lisboa, também ali presente, lembrando-o que Portugal foi o primeiro país a reconhecer a independência dos Estados Unidos da América, «há muito, muito tempo».

Acusem-no à vontade de populismo, mas com as declarações que se seguiram Marcelo arrasou. Começou por admitir que os Estados Unidos são um grande país, mas logo afirmou alto e em bom som que «Portugal é muito maior ainda», aproveitando, pelo caminho, para recordar os mais distraídos que «nós portugueses estamos na América há muito tempo, mesmo antes dessa nação ser independente», terminando com um afirmativo: «nós temos o melhor país do mundo». Veio depois o momento poético: «onde estiver um português é a hora de Portugal». Marcelo pediu entretanto emprestado um «vocês são Portugal» a António Costa e juntou-lhe um «cada um de vocês é um Portugal vivo», congratulando-se por ver «tantas crianças e tantos jovens» que são o futuro do País. Agradeceu depois em nome de todos os portugueses da metrópole e ilhas aquilo que os emigrantes fazem todos os dias pela Pátria, «com o vosso exemplo, o vosso trabalho, a vossa dedicação, a vossa ligação à terra, às raízes, o vosso amor a esta pátria mas um amor que não esquece a nossa Pátria, o nosso querido Portugal». Seguiu-se um pedido de desculpas pelo atraso – «mas os aviões são assim» – e mais uma vez Marcelo levou Costa à boleia, «se fossemos eu e o Primeiro-Ministro a pilotar já cá estávamos há muito tempo», emendando logo a seguir, não fosse haver mal entendidos capazes de ferir susceptibilidades com «a competência da magnífica companhia portuguesa que nos trouxe até cá», sem mencionar, contudo, o nome da SATA.

Num dia em que os portugueses se reúnem em todo o Mundo – «porque nós estamos em todo o Mundo» – para comemorar o seu Dia Nacional, Marcelo agradeceu, «sei que não perdem um instante para acompanhar o que se passa com Portugal», e solidarizou-se: «compreendo o que vos vai no coração e no coração dos vossos familiares porque eu tenho a maior parte da minha família fora. Todos os meus netos vivem fora do território físico de Portugal». A distância, porém, parece não constituir problema para Marcelo, já que o seu Portugal é senhor de «um enorme território espiritual», ou seja, «o território da nossa língua, da nossa história, da nossa cultura, que é do nosso exemplo, do nosso trabalho por todo o mundo, e esse vai muito para além do território físico». A ousadia marcelista prosseguiu com a proclamação: «Aqui também é Portugal, aqui em Boston, aqui em Massachusetts, aqui junto de todas as comunidades portugueses dos Estados Unidos». Ciente que algumas pessoas «ficaram tristes por eu não poder estar com elas agora», Marcelo prometeu regressar ao Estados Unidos em Novembro para «visitar as comunidades com quem não pude estar desta vez». Irá à costa Oeste e a Fall River. «Mas não era preciso que o Presidente viesse para Portugal estar cá. Estão cá vocês, está cá a nossa bandeira, o nosso hino, está cá a nossa juventude, está cá tudo aquilo que faz de Portugal um grande país», concluiu. O apelo para que todos apoiassem a Selecção das Quinas no Mundial da Rússia provocou uma enorme ovação e durante um minuto gritou-se “Portugal! Portugal! Portugal!”, de entremeio com um muito norte-americano “way to go!”. Não satisfeito, Marcelo prosseguiu com o seu discurso fora da caixa: «Porque nós não fomos só os melhores quando atravessámos os Oceanos, quando chegámos a outros continentes, quando cruzámos comunidades por todo o mundo. Nós hoje somos os melhores. Os melhores nas artes, na ciência, nas empresas, no trabalho, temos, aliás, o melhor futebolista do mundo, já agora». Nova ovação, se bem que toldada por um “no way!” combalido. Prossegue Marcelo: «Não imaginam o orgulho que nós temos (e uma vez mais fala em nome de todos os elementos da farta comitiva: Primeiro-Ministro, Presidente do Governo Regional dos Açores, deputados, membros do Governo, altas patentes das Forças Armadas,) o orgulho que tenho de ser o Presidente da República, o vosso Presidente». A repetição da afirmação foi motivo de mais aplausos. Informou que estará com Donald Trump no fim do mês e dir-lhe-á que ele bem pode agradecer aos portugueses «porque tem aqui uma comunidade que trabalha pelo futuro dos Estados Unidos da América, uma comunidade honesta, trabalhadora, competente, uma comunidade que honra Portugal», tudo isto acompanhado por um desgarrado “go Trump” vindo dos confins da multidão. Findo o discurso e antes de se juntar à comitiva, Marcelo recebeu um ramo de flores de um homem que estivera o tempo todo com um cachecol “orgulho de ser português” e que o abraçou e beijou a face. Um gesto bonito, merecedor de uma “selfie” presidencial.

Marcelo e Costa visitariam no dia seguinte o navio-escola Sagres, presentemente ancorado no Fan Pier da cidade de Boston, para uma cerimónia de imposição de medalhas de mérito a compatriotas nossos locais, seguida de uma recepção no tombadilho. Mas desta feita, nada de discursos. Viria a saber mais tarde que o Presidente usara toda a frontalidade (até agora tão pouco comum entre chefes de Estado portugueses) numa recepção oficial no State House da cidade, não hesitando em falar da primazia da chegada dos portugueses a esta região da América. Mencionou inclusive 1511, data da suposta chegada de Miguel Corte-Real a estas paragens, para nunca mais desse navegador se ouvir falar. Parabéns Senhor Presidente. Por não ter receio de chamar os bois pelos nomes. Assim, sim.

Joaquim Magalhães de Castro

em Boston (EUA)

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