Os Ordinariatos Pessoais para Anglicanos na Igreja Católica
A Igreja Católica, no sentido do trabalho pela Unidade dos Cristãos, tem desenvolvido esforços e criados estruturas e meios de promoção desse intento. Uma dessas formas de aproximação, absolutamente integradora, prende-se com o acolhimento e inserção de antigos membros da Igreja Anglicana convertidos ao Catolicismo. De facto, desde o séc. XIX (cardeal D. Henry Newman e o Movimento de Oxford), têm vindo a surgir e até a crescer as conversões de anglicanos à Igreja Católica, principalmente no Reino Unido, o que vai de encontro também à aproximação que as duas Igrejas têm encetado e, podemos dizer, com bons resultados em termos de diálogo. Assim, por forma a acolher e integrar esses convertidos, a Igreja Católica criou uma estrutura canónica, os Ordinariatos Pessoais. Mas o acolhimento e inserção que os Ordinariatos pressupõem pretende que os neo-convertidos possam manter a sua identidade e uma certa autonomia em relação aos bispos diocesanos católicos, num processo não apenas de transição, mas acima de tudo de integração unitária e sem fracturas. Pretende-se assim «manter vivas no interior da Igreja Católica as tradições [aprovadas pela Santa Sé] espirituais, litúrgicas e pastorais da Comunhão Anglicana, como dom precioso para alimentar a fé dos seus membros e riqueza a partilhar», como referiu o Papa Bento XVI em 2009 (publicada a 4 de Novembro), na Constituição Apostólica Anglicanorum Coetibus, que criou canonicamente os Ordinariatos. Os Ordinariatos Pessoais para Anglicanos em plena comunhão com a Igreja Católica são criados pela Congregação para a Doutrina da Fé dentro dos confins territoriais de uma determinada Conferência Episcopal, depois desta ter sido consultada. Os Ordinariatos fazem parte, canonicamente, da Igreja Católica Latina, a maior e mais numerosa das 23 Igrejas autónomas (sui juris) da Igreja Católica.
A referida Constituição Apostólica Anglicanorum Coetibus foi a forma da Igreja Católica responder aos anseios, inquietações e preocupações existentes no seio da Igreja, particularmente dos pedidos provenientes das paróquias de Uso Anglicano, de várias Igrejas anglicanas que estão fora da Comunhão Anglicana, como a Comunhão Anglicana Tradicional, para além de grupos anglo-católicos que fazem parte da própria Comunhão Anglicana, como é o caso do movimento “Forward in Faith”. Entenda-se, já agora, que o Uso Anglicano é um dos ritos litúrgicos latinos, melhor dito, um dos ritos litúrgicos ocidentais da Igreja Católica, sendo “usado” por várias paróquias católicas que no passado pertenciam à Igreja Anglicana. Estas, ao assumirem a comunhão plena com a Igreja Católica, a partir de 1980, foram autorizadas pelo Papa S. João Paulo II a manterem, todavia, a anterior tradição litúrgica e organizativa anglicanas, ou Uso Anglicano. Este rito, uma das variantes do Rito Romano, tem semelhanças com a Missa Tridentina, mas a sua base é o antigo rito inglês de Sarum e o “Livro de Oração Comum” (anglicano).
A criação dos Ordinariatos pode radicar, de forma irreversível, dir-se-ia, no pedido que a Comunhão Anglicana Tradicional (CAT) efectuou junto da Santa Sé em 2007. Este pedido ia no sentido da união plena na forma corporativa, visando a criação de uma identidade jurídica, e não apenas individual, com a Igreja Católica. Esta facção anglicana separou-se da Igreja Anglicana em 1991 devido a posições distintas, divergentes, assumidas em relação a esta Comunhão, como a ordenação sacerdotal de mulheres, as revisões litúrgicas, a liberalização em termos de moral, a questão da homossexualidade e a importância da Tradição, estando mais próxima da Igreja Católica do que da Cantuária. O cardeal D. William Levada, em 2008, garantiu assim que a Congregação para a Doutrina da Fé iria trabalhar em relação a essa petição. Outro factor, ou antecedente, a ter em conta em relação aos Ordinariatos, prende-se com o facto de existirem desde 1980 paróquias católicas de Uso Anglicano nos Estados Unidos da América, as quais celebram a liturgia segundo a tradição anglicana e que eram servidas por clérigos casados, antigos padres anglicanos ordenados na Igreja Católica aquando da sua conversão. Mas, como acima se viu, estas paróquias estão sujeitas aos bispos diocesanos, ao contrário dos Ordinariatos.
Os Ordinariatos Pessoais têm uma «personalidade jurídica pública» e são «juridicamente assimilados a uma diocese», sendo constituídos por «fiéis leigos, clérigos e membros de Institutos de Vida Consagrada ou de Sociedades de Vida Apostólica, originariamente pertencentes à Comunhão Anglicana e agora em plena comunhão com a Igreja Católica, ou que recebem os Sacramentos da Iniciação na jurisdição do próprio Ordinariato», segundo a referida Constituição. A Liturgia segue em tudo os livros litúrgicos próprios da tradição anglicana aprovados pela Santa Sé, de forma a manter vivas no interior da Igreja Católica as tradições espirituais, litúrgicas e pastorais da Comunhão Anglicana, como dom precioso para alimentar a fé dos seus membros e riqueza a partilhar. Todavia, além da tradição anglicana, refira-se que os Ordinariatos podem e devem celebrar «as celebrações litúrgicas segundo o Rito Romano».
O cuidado pastoral de um Ordinariato Pessoal é entregue a um Ordinário nomeado pelo Romano Pontífice, bispo ou presbítero. O Ordinário, que «é membro da respectiva Conferência Episcopal, deve manter estreitos vínculos de comunhão com o Bispo da Diocese na qual o Ordinariato está presente para coordenar a sua acção pastoral com o plano pastoral da Diocese». Também efectuam a visita ad limina apostolorum de cinco em cinco anos a Roma, apresentando um relatório sobre o Ordinariato ao Papa, através da Congregação para a Doutrina da Fé, em relação também com a Congregação para os Bispos e a Congregação para a Evangelização dos Povos. Podem também existir comunidades religiosas provenientes do Anglicanismo em plena comunhão com a Igreja Católica, submetidos à jurisdição do Ordinário. Embora os Ordinariatos pessoais possam preservar os elementos da sua herança anglicana, não são uma Igreja autónoma sui juris, pois pertencem canonicamente à Igreja Latina, logo são diferentes das Igrejas Orientais Católicas, que são Igrejas autónomas sui juris. Muitos grupos anglicanos (não apenas da CAT) pediram à Congregação para a Doutrina da Fé para serem transformados em Ordinariatos Pessoais: EUA, Canadá, Austrália, Reino Unido (o primeiro foi o de Walsingham, 2011; depois o da Cadeira de S. Pedro), entre outros.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa