A sexta-feira e o fim-de-semana passados foram vividos de forma intensa nas águas das Ilhas Virgens Americanas devido à passagem da tempestade tropical Bertha. Aqui, como em Macau, também estamos a atravessar a temporada de fenómenos meteorológicos tropicais severos. Na Ásia chamam-lhes tufões, aqui ciclones.
O Bertha não chegou a ser classificado como ciclone (hurricane), pois não passou de tempestade tropical. O sistema de classificação é algo diferente do utilizado na Ásia e não incluí números nos sinais. Aqui ficámos apenas sob aviso de tempestade tropical e tudo fechou, desde portos de mar, lojas e escolas. No entanto, não nos pareceu que as pessoas se sentissem tão afectadas pela tempestade como acontece em Macau quando temos tufão número 8. Assim que deixou de se sentir vento forte tudo abriu e a normalidade voltou como se nada tivesse acontecido.
Na baía onde estamos, Long Bay, fizemos o que se deve fazer nestas situações: reforçámos o ancoradouro, preparámos cordas suplementares e âncoras de reserva e retirámos tudo o que havia para retirar do exterior do veleiro, deixando apenas o que seguramente não seria arrancado pelo vento. A relatar há apenas a danificação do sinal de homem ao mar que tínhamos preso no estai traseiro que suporta o mastro. Nada de preocupante visto ser velho e estar a precisar de ser substituído. De resto, nada de grave se passou.
A tempestade chegou na sexta-feira à noite e por aqui andou todo o sábado – este foi o dia mais intenso, marcado por ventos de 35.9 nós, de acordo com a nossa estação meteorológica de bordo. Outros ventos registaram mais de 40 nós. A média, entre as 2 da manhã e as 10 da noite de sábado, andou pelos 25 nós no mastro do veleiro. Muita chuva que veio em boa altura para ajudar a lavar o Dee, que ficou limpo de água salgada, algo que já não acontecia desde que deixámos a República Dominicana em Maio. A fibra de vidro do casco parece agora mais branca!
Apesar de todos à nossa volta – na maioria pessoas que vivem nas Ilhas Virgens Americanas há muitos anos – garantirem que não se iria passar nada de especial, estávamos apreensivos, visto ser a nossa primeira tempestade tropical a bordo. Foram horas de espera angustiantes, mas assim que o vento começou e vimos que o veleiro se estava a aguentar bem, rapidamente nos habituámos. No entanto, como precaução e como indicam as regras nestas situações, esteve sempre um tripulante no exterior a monitorizar a situação e a prestar atenção ao que se ia passando ao redor para reagir prontamente caso algo de errado acontecesse. As horas mais complicadas foram as do início da tarde de sábado, mas tudo passou sem incidentes. No final do dia já estávamos ancorados num local diferente da baía – mais junto do terminal de barcos de cruzeiro – afastados da zona da cidade onde tínhamos escolhido largar âncora para enfrentar a tempestade.
Além do vento forte o que mais nos afectou foi a ondulação que tivemos durante todo este período, que entrava pela baía num ângulo diferente do vento, tornando o adornar do veleiro desconfortável e descontrolado em alguns momentos, especialmente quando as rajadas eram mais fortes e coincidiam com ondas mais altas. Como em tudo, algumas horas depois já estávamos habituados. Quem não se habituou foi o Noel que a cada balançar mais acentuado saía do interior da cabine para ver o que se passava no exterior, fosse dia, fosse noite!
A verdade é que a realidade das tempestades tropicais é algo com que vamos ter de viver até ao final do ano, à semelhança do que acontece em Macau. Inicialmente tínhamos previsto seguir rumo à Venezuela, com o objectivo de estarmos por esta altura em zona livre de tempestades tropicais, mas os problemas que temos tido obrigaram a uma gestão diferente dos fundos disponíveis, não nos tendo permitido zarpar. Como vamos ter de esperar pela documentação do Noel pelo menos mais um mês apenas iremos sair das Ilhas Virgens Americanas entre finais de Agosto, meados de Setembro, período com pouca incidência de tempestades tropicais, segundo os dados estatísticos disponíveis. Depois seguiremos viagem de forma segura, de ilha em ilha, rumo à América Central e ao Panamá.
No rescaldo da tempestade ficámos a saber que na baía de Simpson, em St. Thomas, onde estivemos há bem pouco tempo, um veleiro encalhou na praia. Aparentemente ninguém se magoou, mas não deixa de ser triste ver (no vídeo disponível nas redes sociais) um belíssimo veleiro de dois mastros acabar na praia, sem que os seus tripulantes nada pudessem fazer para o evitar. Não temos detalhes dos motivos de terem deixado o veleiro chegar àquela situação, mas não deixamos de nos sentir solidários para com os seus proprietários. Agora, mais do que nunca, sentimos que o Dee é a nossa casa e a ideia de a perdermos deixa-nos com um nó no estômago.
João Santos Gomes