Participando na Senhoria de Deus

A Terra é para todos

Quando Deus criou Adão e Eva concedeu-lhes três dons naturais. Primeiro, Ele criou-os à Sua imagem e semelhança, dando-lhes uma alma imortal, equipada com o poder do Saber e do Amor. Segundo, Ele concedeu-lhes uma parte no poder – fê-los senhores e mestres da criação material (Génesis 1:26). Finalmente, Ele concedeu-lhes uma quota no seu trabalho de criação, fazendo-os Homem e Mulher (Génesis 1:27-28). Hoje falaremos sobre o segundo dom natural.

«Façamos o ser humano à nossa imagem, à nossa semelhança, para que domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pela terra (Génesis 1:26)».

Ao Homem foi concedido o domínio e o senhorio. O Mundo pertence-lhe. «Os bens da criação são destinados a todo o género humano» (“Catecismo da Igreja Católica”, ponto 2402). A razão do poder senhorial é que Deus desejou que o Homem tomasse conta e cuidasse da Terra (Génesis 2:15). Trabalhar a Terra necessita de domínio e posse.

Possuir algo é por isso um direito concedido por Deus a cada pessoa singular. A Igreja chama a esse direito o “destino universal dos bens”. A Terra é para todos e cada um. Apesar disso, devido a que as coisas são pela sua própria natureza limitadas, o direito de possuir algo é limitado; o direito de posse não é absoluto. As autoridades políticas têm a grave responsabilidade «de regular, em função do bem comum, o exercício legítimo do direito de propriedade» (“Catecismo da Igreja Católica”, 2406).

O “Catecismo” (2409) enumera as transgressões a esta regra: «Mesmo que não esteja em contradição ao primado da lei civil, qualquer forma injusta de obtenção e retenção de propriedade de terceiros é contra o disposto no sétimo mandamento; incluindo a retenção deliberada de bens emprestados ou de objectos perdidos; fraude cometida nos negócios, pagamento de salários injustos, aumento de preços aproveitando-se da ignorância ou da necessidade de terceiros».

E continua: «Também são considerados actos moralmente ilícitos a especulação na qual alguém manipule artificialmente o preço dos bens, por forma a ganhar vantagem em detrimento de outras pessoas, a corrupção pela qual alguém influencie o parecer de alguém que deva tomar decisões de acordo com a Lei; a apropriação e uso privado de bens de uso comum de uma empresa, o trabalho mal executado, a evasão fiscal, a falsificação de meios de pagamento e facturas, despesas excessivas e desperdício. Causar danos a propriedades privadas ou públicas, deliberadamente, é um acto contrário à Lei Moral e deve ser reparado».

Em alguns casos mais extremos, tirar algo de alguém até pode não ser um roubo. O “Catecismo da Igreja Católica” (2408) estipula: «Não existe roubo se se pode presumir o consentimento no acto, ou se a recusa for contrária à razão e ao destino geral dos bens em questão. É o caso de uma óbvia e urgente necessidade em que a única solução para fornecer de imediato bens essenciais (comida, abrigo, roupas…) será colocar esses bens à disposição de alguém utilizando pertences de terceiros».

Ser dono de algo é um direito concedido por Deus a cada pessoa singular. Ainda mais relevante se se tratar do pagamento de algum trabalho efectuado. O “Catecismo” diz, em termos muito claros: «Um salário justo é o fruto legítimo do trabalho. Recusar ou reter esse pagamento pode ser uma injustiça grave. Para se determinar um pagamento correcto devem ser tidas em conta, tanto as necessidades, como as prestações de cada pessoa. A remuneração do trabalho deve garantir ao trabalhador a oportunidade de prover uma vida digna para ele e a sua família, a nível material, cultural, e espiritual, tendo em conta a posição e a produtividade de cada um, as condições do negócio, e o bem comum. O acordo entre as partes não é suficiente para justificar moralmente o valor a ser recebido no salário» (2434).

Por outro lado, a pessoa que trabalhe para receber um pagamento deve, em retribuição justa, trabalhar bem. Tem o direito de receber um pagamento justo, mas também tem a obrigação de ser competente e honesto no seu trabalho. O “Catecismo” avisa-nos que um trabalho mal executado é o mesmo que roubar, e é moralmente incorrecto.

O Antigo Testamento decretava «Não roubarás (Êxodo 20:15)», mas o Novo Testamento tornou esse princípio mais desafiador: «Abençoados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus (Mateus 5:3)». Temos o direito de possuir coisas, mas não devemos ser possessivos. Nós, que vivemos numa cultura materialista, devemos estar conscientes desta grande tentação de nos tornarmos escravos das novidades.

Muitas pessoas aplaudiram o Papa Francisco por advogar a pobreza, mas o Santo Padre já clarificou, por diversas vezes, que não se referia à pobreza social – a pobreza dos destituídos – mas à pobreza teológica, libertando o nosso coração das coisas materiais. É esta liberdade interior que nos torna capazes de amar a Deus acima de todas as coisas.

Senhoria e mestria requerem a prática das virtudes. O “Catecismo” (2407) mostra-nos a necessidade de «praticar a virtude da temperança, para moderarmos o nosso apego aos bens deste mundo, praticar a virtude da justiça, para respeitarmos os direitos dos nossos vizinhos e dar-lhes o que lhes é devido, e praticar a solidariedade de acordo com a regra de ouro de nos mantermos na generosidade do Senhor, que “era rico, ainda assim, e para seu proveito tornou-se pobre, e com essa pobreza poderá vir a ser rico”».

Ter alguma coisa, conseguir riqueza, é bom e si mesmo, porque ajuda uma pessoa a contribuir para o bem comum e trabalhar para o bem estar dos outros. Para além disso, através do uso correcto das coisas materiais no nosso trabalho, podemos tornar-nos santos, tal como São José e a Virgem Maria.

Pe. José Mario Mandía

(Tradução: António R. Martins)

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