Depois do que se passou durante o último fim de semana em Paris, com milhões de cidadãos a desfilarem em defesa da liberdade, era impossível não voltar ao assunto.
Embora os diversos canais de televisão que filmavam o acontecimento dessem um ênfase especial aos representantes dos vários Governos presentes na manifestação, entre os quais alguns que se digladiam permanentemente contra a liberdade de existência do outro e aqueles que calam a liberdade nos seus próprios países, o mais importante foi a coragem e a determinação demonstrada por aquela multidão imensa, em lutar contra quem queira destruir os ideais que pretendem preservar.
Cidadãos de todos os credos, origens e idades, irmanados por uma identidade comum, baseada na defesa da liberdade crítica, como elemento fundamental das suas democracias, deram não só uma resposta inequívoca àqueles que barbaramente a pretendem aniquilar, mas deixaram igualmente um aviso negativo a todos os outros que, em nome do medo, da vingança ou da influência que tais atentados possam provocar nas suas disputas eleitorais, a pretendam limitar nos seus valores essenciais.
Os atentados da semana passada em Paris, contra o Charlie Hebdo e contra um supermercado de produtos judaicos não foram os mais mortíferos perpetrados por esta corja de bandidos, armados por agentes de Governos que se mantêm na sombra dos holofotes públicos e que choram “lágrimas de crocodilo” sempre que tal acontece, mas conseguiram extravasar a tolerância de uma população que está para além dos cidadãos franceses que agora se manifestaram, atingindo muitos milhões de outros que, todos os dias e em diversas partes do planeta, são colocados perante estes horrores.
Esta monumental manifestação, em que Paris expressou a vontade da esmagadora maioria da população europeia e mundial, foi igualmente contra o laxismo das diversas polícias das nossas sociedades, que não correspondem às necessidades de defesa dos seus cidadãos contra este tipo de atentados e que nos iludem sobre o alto nível das suas capacidades operacionais. Bem sei que este tipo de atentados ou aqueles que são produzidos por criminosos vulgares são uma tarefa quase impossível de prever ou mesmo erradicar mas, neste caso concreto de Paris, estava reconhecida a perigosidade destes terroristas e o seu trajecto militante, pelo que nada justificava a tolerância das polícias francesas para com tais energúmenos.
Os pressupostos desta manifestação e a energia humana nela contida não perdoarão aos seus dirigentes que ela se repita nas mesmas circunstâncias. Não precisamos de um polícia para cada cidadão uma vez que, aqueles que condenam tais acções criminosas, são uma imensa maioria daqueles que as praticam.
Precisamos sim que haja uma atitude firme da parte dos homens e mulheres que nos governam, para combater abertamente a disseminação destas ideias e os autores destas práticas aberrantes, onde quer que se encontrem e sem medo de eventuais represálias; actuar sobre os fornecedores de armas e os Governos que os apoiam ou que “fecham os olhos” ao seu tráfico; alterar o “caldo social” precário em que, nas nossas sociedades, tais movimentos terroristas mobilizam os seus seguidores; manter maior vigilância aos centros de instigação deste culto pseudo religioso das nossas fronteiras, instituições públicas e das mais sujeitas à intolerância destes esbirros. Mas o que está em causa não é um maior controlo sobre nós, as vítimas, mas sim sobre os nossos carrascos!
Naturalmente que a maior medida de precaução para a defesa do futuro das nossas sociedades é, essencialmente, que elas tenham verdadeira consciência do que poderá estar em causa com a sua desagregação. A educação cívica sobre os valores inestimáveis da nossa vida em sociedade e da plenitude do seu desenvolvimento humano, valorizando os princípios em que devem fundamentar-se as nossas relações e o respeito pelas diferenças que não colidam com essa nossa identidade humanista, é uma urgência social.
Uma longa marcha, de permanente duração, que parece estar esquecida dos bancos das escolas e à qual muitos pais, assoberbados pelo ritmo das nossas sociedades, não têm dado a devida atenção!
Luis Barreira