PAPA FRANCISCO DEDICOU 2021 A SÃO JOSÉ

PAPA FRANCISCO DEDICOU 2021 A SÃO JOSÉ

O santo carpinteiro de Nazaré

2021, ano de São José. Que desafio, seguir os passos de uma das figuras mais determinantes da narrativa bíblica sobre Jesus, como que oculto quase até ao esquecimento pela óbvia centralidade do Mestre e da Sua Missão!

Começo a meditar paulatinamente sobre o tema deste texto – e a escrever estas linhas – no Domingo que a Igreja dedica à Sagrada Família. E penso, por associação, no significado especial que o Papa Francisco quis atribuir ao novo ano de 2021, erigindo como seu patrono ou seu guia tutelar a figura inspiradora de São José, o pai terreno, adoptivo, de Jesus.

Qual a “actualidade” pois de São José, em pleno Século XXI? Como retirá-lo, por momentos, do altar das nossas igrejas e imaginá-lo neste tempo, o nosso? Como seria conviver com ele como vizinho, como amigo, como tocar o cerne da sua humanidade, como removê-lo das roupagens com que dois mil anos de veneração justamente o envolveram, para vermos de novo um ser humano “como nós”?

UMA FIGURA MISTERIOSA

O Pai adoptivo de Jesus é uma figura misteriosa na narrativa bíblica. E a sua importância, como modelo, resulta muito menos do que ele disse e muito mais do que ele fez. Donde vermo-lo actuar decisivamente em momentos fundamentais da vida do Deus menino e de sua Mãe; e permanecer em tudo o resto silencioso, não se distinguindo pela afirmação de grandes princípios ou na produção de um “grande discurso”, moralista ou outro que ficasse como legado para a História. Não era essa a sua missão.

Poderá todavia afirmar-se que a paternidade que São José exerce é apenas “de acção”, ou muitíssimo mais de acção do que de reflexão, de contemplação? Assim seria, se esquecêssemos por um momento que São José teve mais perto de si do que ninguém (se exceptuarmos naturalmente Nossa Senhora) o próprio Deus feito homem!

Reparemos no extraordinário privilégio! Viu-O nascer e crescer no dia a dia da sua casa e com Ele partilhou a intimidade dos pequenos nadas, com que se constrói o quotidiano. E Jesus criança foi-se tornando menino, e depois adulto, vendo como procedia esse Seu pai da terra, cheio de sabedoria, de bondade, de rectidão.

Quando se pensa que o Santo Esposo de Maria foi o modelo mesmo da humanidade do próprio Filho de Deus, aí sim, aí é que começamos a aprender a magnitude do seu papel histórico.

Fechemos os olhos por breves instantes e imaginemos Jesus no colo do seu pai terreno, brincando com ele, conversando, imitando-o nos gestos do seu mister de carpinteiro, vendo-o interagir com os outros seres humanos à sua volta – tal como qualquer um de nós o faz ou fez como filho e depois como pai…

De forma mais ampla, como é que São José “era na sua família” interagindo com os dois seres excepcionais mais próximos de si?

INTRAMUROS…EXTRAMUROS

Há temas da vida da Igreja que têm pleno significado quase só intramuros, quer dizer, o seu valor apreende-se quase totalmente no interior da comunidade dos fiéis. Há outros temas, porém, que imediatamente saltam para a sociedade no seu conjunto.

Falar de São José e da Sagrada Família é abordar uma realidade que não é apenas eclesiástica, religiosa no sentido estrito, mas também profana, secular, quer dizer, cultural, política, económica, sociológica. E é neste registo que, compreensivelmente, a questão pode interessar a maior número.

E se a partir do seu contexto próprio queremos extrair exemplos deste pequeníssimo núcleo humano tão sui generis, pois depara-se-nos desde logo a opção que se deparou a José que, já noivo da jovem Maria, quis quebrar a promessa de casamento, depois de a saber grávida, mas ainda antes de ser informado dos desígnios de Deus sobre a sua escolhida.

À decisão humana, natural, de um repúdio discreto da noiva, substitui-se a confiante aceitação do plano divino, anunciado em sonho pelo anjo. A escuta atenta dos desígnios de Deus em nós, tal como a da Virgem que aceita o que lhe foi anunciado e tal como a do noivo que se submete a uma lógica que nem sequer terá compreendido no seu alcance último, são fortes mensagens, não só para aquele tempo, mas para todos os tempos.

Ouvir Deus. Escutar a voz de Deus. Fazemo-lo com tanta frequência como as próprias necessidades da vida “tout court”, e da vida de família, hoje sujeita a tantas pressões (e agressões!) o exigiriam?

Poderá ver-se, depois, em José, o cidadão zeloso, ao ir recensear-se, com Nossa Senhora, a Belém da Judeia, já no fim da gravidez de Maria, respeitando pois as ordens do poder político daquele momento, o que conduziria, aliás, às condições mais que precárias em que Jesus nasceu.

A MAIS NOBRE MISSÃO

Mas se a Mãe do Salvador o trouxe ao mundo na mais extrema pobreza, pode dizer-se que a sua extraordinária aventura foi uma aventura a dois, logo depois da concepção, com o apoio permanente que Maria recebeu do seu noivo e depois esposo. Cuja paternidade simbólica do Filho de Deus se exercitou de forma evidente no próprio momento do nascimento. Não se lê nos diferentes relatos bíblicos dos quatro evangelistas que uma terceira pessoa tenha vindo ajudar a parturiente e depois a jovem mãe. Mas José, o esposo, lá estava. No seu posto.

A protecção do menino e de Sua Mãe tornar-se-ia o maior imperativo nos primeiros tempos da vida de Jesus, com a fuga para o Egipto a culminar o processo de perseguição ordenada por Herodes.

A solicitude de pai e de esposo são pois características de José, transmitindo para sempre a imagem do amor indissolúvel que o unia aos dois preciosíssimos seres que estavam à sua guarda. Haverá mais nobre missão de pai, em todos os tempos?

Referia eu, mais acima, existirem temas da vida da Igreja que têm pleno significado só no seu interior, mas que outros temas imediatamente saltam para a sociedade. Para quê? Para a questionar.

Aqui, trata-se da magna questão da organização da sociedade, tendo como núcleo a família. E esta não como mera célula que garante a multiplicação dos seres humanos, evitando assim a extinção da espécie mas como comunidade de amor, garante da plena realização da pessoa humana.

No fundo, o que a vivência da Sagrada Família sublinha é a própria generosidade extrema em acção, com o consequente esquecimento de si. Não é difícil imaginar quão “revolucionário” seria generalizar a prática e os efeitos deste duplo princípio, em sociedades como as do nosso tempo, em que o amor se transformou para muitos num simples contrato… ou nem isso, com os seus direitos e eventualmente alguns deveres, cuja violação se dirime perante o juiz… ou nem isso – já para não falar das incertezas quanto ao destino dos filhos, quer dizer, as condições do seu desenvolvimento futuro, integral, como pessoas.

SÃO JOSÉ OPERÁRIO

A figura de São José como padroeiro da sua profissão e, por extensão, de todos os operários, chama a atenção naturalmente para a dignidade do trabalho humilde, exercido como etapa de cada um no caminhar para Deus.

Não será esta a dimensão menor do santo carpinteiro de Nazaré.

Carlos Frota

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