“Panamá Papers”, a ponta do iceberg…

Se bem que a corrupção é hoje entendida como meio de obter vantagens por meios considerados ilícitos, à luz dos princípios morais, éticos e sociais das sociedades ditas democráticas, nem sempre a escala de valores, que está associada a essas mesmas sociedades, lhe atribui a mesma importância, a penaliza da mesma forma ou lhe impede sistemas fraudulentos e permissivos, que lhe permitem um universo de oportunidades para crescer.

Em Portugal, tal como numa parte dos países da União Europeia, a corrupção pública, aquela que envolve os actores políticos, empresários ou figuras da sociedade mediática, é popularmente (e ainda bem) considerada como mais grave, do que aquela que possa ser imputada a um qualquer cidadão anónimo. No entanto, e porque os princípios socialmente aceites e o conceito geral de justiça, que deve nortear todos os actos dos cidadãos, é de aplicação colectiva e independente do seu estatuto, toda a corrupção é condenável. Então porque é que a sociedade está mais atenta aos crimes de corrupção praticados por figuras públicas? Porque, para além de envolverem uma muito maior dimensão desta prática, com graves penalizações para todos os cidadãos contribuintes, elas são praticadas por quem deveria ser um exemplo para o resto da sociedade, colocando em causa os seus próprios alicerces democráticos, baseados na justiça e honorabilidade dos nossos representantes e daqueles que se apresentam como modelos da nossa sociedade, acabando por constituir um mau exemplo para o resto da sociedade.

Vem isto a propósito de um recente escândalo de corrupção, que à boca fechada se adivinhava, provocado por uma fuga de informação de uma empresa de advogados do Panamá, a Mossack Fonseca (um nome português que é apenas uma triste coincidência) e que veio divulgar a existência de milhares de empresas offshore (“fantasmas”) em paraísos fiscais, onde centenas de personalidades públicas e mafiosas de todo o mundo têm administrado o seu património secreto, impulsionados por mais de 500 bancos como, por exemplo, o HSBC e o UBS.

11,5 milhões de documentos e 2,6 terrabytes de informação, da Mossack Fonseca, animam agora a investigação, que foi divulgada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, agregando mais de cem Meios de Comunicação de todo o mundo, entre os quais portugueses e que, à medida do seu aprofundamento, vão divulgando os nomes dos envolvidos.

Para já, sabe-se que, entre 140 responsáveis políticos, estão 72 antigos ou actuais Chefes de Estado, entre os quais: o Presidente da Argentina; o Rei da Arábia Saudita; o Presidente da Ucrânia; o Primeiro-Ministro da Islândia e do Paquistão; os filhos do Presidente do Azerbeijão; os maiores amigos de Vladimir Putin; o ex-Presidente da UEFA, Michel Platini; a irmã do Rei Juan Carlos e a tia do Rei Felipe VI de Espanha, Pilar Bourbon; familiares do Presidente chinês, Xi Jinping, entre muitas outras personalidades, como Lionel Messi, o cineasta Pedro Almodóvar, a estrela de cinema Jackie Chan, ou ainda Ian Cameron, pai já falecido do Primeiro-Ministro britânico (o tal “líder” da pretensa reforma dos paraísos fiscais).

Multimilionários, burlões, organizações terroristas e traficantes de droga, fazem parte desta extensa lista de comprometidos. Também há vários portugueses que a seu tempo serão divulgados, embora um deles, Idalécio de Castro Rodrigues de Oliveira, empresário de Vouzela, seja já conhecido pelo seu envolvimento na operação “Lava Jato” do Brasil.

Embora e infelizmente (vá-se lá saber porquê???) os paraísos fiscais continuem a existir legalmente e a serem utilizados nas fronteiras da legalidade, sem serem incomodados pelas instituições policiais e fiscais, este “super-Wikileaks” chamado “Panamá Papers”, cujo resultado global só se conhecerá nos princípios de Maio próximo, é a ponta de um enorme iceberg da corrupção mundial, que vai colocar a nu muitos figurões deste planeta.

Grande parte deste “bolo dourado”, que frutifica e se multiplica em grandes fortunas, em prejuízo das nossas sociedades, é crime grave! Fraudes fiscais, lavagem de dinheiro, tráfico de diamantes, de droga, de armas, subornos, financiamentos e rendimentos de acções militares suspeitas, escravatura humana e tantas outras actividades condenáveis, sustentadas por uma enorme rede de bancos têm, nos paraísos fiscais, a sua fonte de financiamento e lucro.

Com tal “escola de maus costumes”, proporcionada por anteriores gerações, não admira que uma nova geração de decisores se sinta atraída pelo enriquecimento rápido, sem se aperceber que, mais tarde ou mais cedo, está na origem da sua própria sepultura…

Por isso, viva a liberdade de Imprensa e, nomeadamente, a de investigação. Não conseguiremos acabar com toda esta corrupção, mas já não vamos ser tão enganados.

LUIS BARREIRA

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