A clausura

Silêncio, contemplação, oração

Clausura. Nas casas religiosas, no caso dos mosteiros, este termo designa tanto o limite para lá do qual se entra no espaço reservado aos religiosos que lá habitam, como também o conceito de espaço reservado e intransponível por parte de outrem que não pertença à comunidade. Ou seja, é o espaço fechado, como o termo indica, de acesso interdito e ao mesmo tempo de onde os religiosos não deverão sair. A clausura materializa os limites deste espaço privilegiado.

Praxis

Em todas as tradições religiosas em que as pessoas se retiram da vida social, do mundo, do século, para se votarem inteiramente ao culto divino, à contemplação, a uma vida consagrada, em recolhimento e interioridade, segundo uma regra, esta forma de vida é marcada sempre pela clausura. Esta faz parte da vida dos mosteiros, onde vivem monges ou monjas, ou das cartuxas (Cartuxos) e das camáldulas (monges Camaldulenses), mas também pode significar a área reservada de conventos de frades ou mosteiros e casas onde vivem cónegos regulares (como os Premonstratenses), mesmo que estes vivam no mundo mas recolhendo-se a áreas reservadas nos seus cenóbios. Mesmo as casas de religiosas seculares (as designadas freiras) têm áreas de clausura. O termo remete, pois, historicamente, para o acto de encerramento perante o mundo como o do espaço fechado e interdito. Da mesma etimologia provém o “claustro”, do Latim “claustrum”, espaço fechado, colunado, dentro de um mosteiro ou convento, onde existe normalmente um jardim e fontes ou lavabos.

Na Igreja do Oriente (Mediterrâneo oriental, entenda-se), a clausura aparece com o Concílio de Calcedónia de 451, o qual a justifica em nome de imperativos de natureza religiosa, mas também para assegurar a ordem, paz e segurança para os que vivam de forma cenobítica (vida comum, em oposição aos eremitas, ou solitários). No Oriente, como no Ocidente, a clausura era importante principalmente nos mosteiros masculinos, por forma a combater a errância de muitos monges (giróvagos). Esta itinerância tinha origem no voto de ascese que os monges então professavam, que consistia na ruptura com o meio social e o seu conforto, embora fosse igualmente muitas vezes fruto de uma instabilidade difícil de combater por parte dos religiosos, que assim calcorreavam caminhos e andavam de mosteiro em mosteiro, sem a estabilidade monástica devida. Daí o imperativo de fechar – enclausurar – o espaço habitado pelos religiosos, homens ou mulheres, que provinha da necessidade, pois, de um recolhimento propício à oração e contemplação, de proteger contra as tentações do “mundo” de fora, assegurando também a castidade dos cenobitas e protegendo-os na sua integridade física, além dos seus bens comuns.

 

Regulando a clausura

Com o decurso dos séculos, em todo o mundo cristão, a exigência de rigor na vida claustral acentua-se, definindo uma espiritualidade monástica, centrada na ascese contemplativa, na oração e recolhimento, na solidão combinada com vida comum. Os historiadores apontam uma maior severidade talvez nos mosteiros orientais.

As primeiras formas de regular a clausura datam do séc. VI, no intuito de vedar o acesso de mulheres às comunidades masculinas, proibindo também a presença de monjas nas mesmas, impedindo-se o contrário também. Foi-se tentando aperfeiçoar as prescrições relativas à clausura, mas com observâncias diferenciadas ao longo da Idade Média, por exemplo. No séc. XIII, a Santa Sé não consegue disciplinar eficazmente a clausura, pois assiste-se mesmo à participação de monjas em procissões públicas, a visitar a família, ou monges na rua. Esta “decadência” acompanha a degradação da disciplina e das observâncias regrais na Baixa Idade Média, no que toca à clausura. Esta entra em declínio e é esquecida muitas vezes. Mas aparecem ao mesmo tempo reformas e grupos de reclusos/reclusas, muitos emparedados, até vivendo nas cidades mas fechados. Outras ordens optam por elaborar legislação no sentido de reforço do rigor da estrita clausura, aumentando a sua austeridade. A renovação espiritual da “Devotio Moderna”, a partir do séc. XV, reforça a clausura, renovando a espiritualidade monástica, numa dimensão mais cristocêntrica, contemplativa e observante das regras e textos fundamentais. Chega-se a recomendar até uma clausura mais severa nas comunidades femininas, pois achava-se que era aí necessária mais severidade e rigor. O Concílio de Trento (1545-1563) reforça um pouco esta nota, que reforça no acento do encarceramento voluntário do/a religioso/a. Quem violar a clausura passa a ser declarado excomungado. O rigor extremo será a tendência até ao séc. XVIII.

 

Na actualidade

A clausura continua a existir, em dois tipos: clausura papal e clausura episcopal. A primeira concerne aos religiosos de votos solenes (espaço de habitação, claustros, jardins); a segunda aos religiosos de votos simples (comunidades sob jurisdição dos bispos da diocese onde se encontram). A clausura é hoje mais rigorosa nas comunidades femininas do que nas masculinas. A Cartuxa, em ambos os seus ramos, é a mais austera e silenciosa; a entrada de leigos ou mesmo de não cartuxos num mosteiro daquela ordem é, senão impossível, quase… Trapistas e cistercienses, beneditinos (ambos os ramos destas) e todos os ramos monásticos femininos das ordens mendicantes (Carmelitas, Clarissas…) são hoje exemplos das mais austeras clausuras.

A clausura é contemplativa, na essência e forma de vida. Oração e vida fraterna, mas com trabalho, são também denominadores comuns. Oração, ofício litúrgico, união com Deus: a vida dos monges e monjas é a oração, solitária ou em comum. O trabalho também é intelectual ou manual, pois uma comunidade monástica tem que o fazer para viver. Também se busca a Deus no trabalho, sem perturbação da contemplação. Pode ser uma reclusão, mas não deixa de se viver em comunidade, em maior ou menor intensidade consoante a ordem. Em silêncio e estabilidade, em fraternidade, buscando unicamente a Deus, a Quem se dedicam em exclusivo os enclausurados. Não na forma de asilo, ou refúgio, mas na procura de Deus.

Em Macau, a clausura existe, entre as Monjas Trapistinas (Cistercienses da Estrita Observância) lá em cima, na Penha. Em silêncio, em Macau…

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

 

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