«– Sou de Jesus»
Tenho andado muito atarefada nos últimos tempos. Primeiro, foi o início das aulas da minha neta. Depois, a preparação da Primeira Comunhão em que se torna necessário levar à Catequese e preparar o seu dia de festa em que recebe pela primeira vez a Comunhão Eucarística. Tudo isto, entre os afazeres normais do dia-a-dia. Entretanto tive um contratempo que me incomodou e que passo a referir.
Vinha a atravessar a estrada quando alguém acenou efusivamente como se me conhecesse muito bem. Parou o carro questionando se não o reconhecia. Olhei admirada já que não me lembrava de todo de o conhecer. «– Sou o filho da Maria!». Santo Deus, quantas Marias há por esse mundo fora, pensei interiormente um pouco desassossegada. Ia acompanhado. Apresentou-se como médico. Desconfiei, uma vez que me estendeu a mão quando estamos a lidar com uma pandemia. Fiquei algo ansiosa e retirei da carteira o álcool-gel. Penso que se foram apercebendo que não me encontrava muito confortável.
Avaliei a situação. Não havia ninguém por perto. Como é que tinha caído numa situação destas? O senhor em causa pediu-me um cartão com a morada. Disse-lhe que não tinha trazido. Mas descontraidamente, pedi-lhe o número do seu telemóvel para lhe dar um toque. Não me facultou, mas pediu o meu número. Estava com o telemóvel na mão. Angustiada, senti-me sem argumentos e acabei por dar, referindo que já estava atrasada para um compromisso, tendo começado a andar. «– Espere», referiu o senhor em causa. Graças a Deus já tinha conseguido dar uns passos. Agora, se necessário fosse, tinha alguma distância, o que me permitiria tentar fugir. Mostrou-me seguidamente dois relógios, referindo que os ia oferecer, mas que mos podia ceder muito barato. «– Não, muito obrigada, não estou interessada, tenho muitas despesas agora; tenho a Primeira Comunhão da minha neta». Retorquiu, pressionando-me, que poderia oferecer a outra pessoa. Agradeci, reiterando que não estava interessada, afastando-me, aproveitando algum movimento que entretanto surgiu, graças a Deus.
Afastei-me a passos largo, com receio de que me seguissem. Sabia que havia um polícia num espaço que se situava perto. Quando aí cheguei havia dois polícias à porta do estabelecimento, que ao tomarem conhecimento do ocorrido tranquilizaram-me, referindo que o perigo já tinha passado e que felizmente não tinha facultado a morada. Ainda em estado de choque continuei o meu percurso. Telefonei a um dos meus filhos que me recomendou que não falasse com desconhecidos novamente. «– Eu sei filho,– respondi –mas parecia que me conhecia e eu não tinha os óculos graduados colocados». O local onde tinha sido abordada era perigoso e podiam ter-me metido no carro. Tinha tido sorte. Depois veio ao meu encontro, preocupado, para se assegurar que me encontrava em segurança e mais calma.
Às vezes surgem situações que nos entristecem um pouco. Esta particularmente mexeu comigo, uma vez que já possuo um largo histórico de assaltos. Porém, custa-me a admitir que vou sempre acreditar nos outros e deparar-me com situações complicadas. É um dado adquirido e incontornável. Uma amiga, desconhecendo a situação que tinha vivenciado, enviou-me uma frase do Papa Francisco que refere: “A tristeza é uma das piores doenças do Ser Humano. Ela corrói o coração, opaca a alma e consome as nossas energias. Nunca percas a fé e a esperança. Quanto mais longe, achas que Deus está de ti, mais perto estará, carregando-te nos Seus braços. Ânimo! Que hoje possas sentir o Amor que Deus tem por ti e que ele cure qualquer ferida que esteja a causar-te tristeza no teu interior”. Na realidade, tinha perdido momentaneamente o entusiasmo, a motivação, mesmo o sentido da vida, face ao constrangimento vivenciado. As palavras do Santo Padre trouxeram-me ao momento presente.
Recordei a enorme alegria que constituía preparar a Primeira Comunhão da minha neta e reunir a família possível neste tempo de pandemia. Só seriam cinco convidados por criança. Os pais, a avó, o tio e o padrinho. Mas não faltaria a alegria. Temos de nos adequar aos novos tempos e agradecer a graça de a minha neta poder fazer a Primeira Comunhão. A cerimónia foi linda e ela estava muito feliz. De vez em quando acenava-nos e fazia um coração com as suas mãos. No final tirou fotografias com as catequistas e as colegas todas de branco. Que maravilha, quanta inocência. Recebeu o certificado e uma prenda. Também distribuiu pagelas que me tinham causado uma enorme satisfação conceber para oferecer à família e amigos. Utilizei as imagens de duas pagelas com mais de cem anos da Comunhão da minha avó Isabel. No interior coloquei uma fotografia esbatida da minha neta referindo a data, o local e a seguinte frase que ela aprovou: “Meu Jesus, creio em Vós, espero em Vós, amo-vos de todo o coração”.
O almoço foi no restaurante que frequentava desde que praticamente nasceu. Como estava feliz ao sentar-se e ao pedir “o costume”. Também por todos a cumprimentarem, tirarem fotografias, felicitarem-na. Sentia-se em casa e acarinhada por todos, fazendo esquecer que só éramos, cinco convidados. E todos lhe ofereceram uma recordação. Um Terço, medalhas alusivas à Primeira Comunhão, gravadas com o seu nome e a data, pagelas, uma pulseira… Como ficou contente por mais tarde poder recordar este dia feliz. Dizia alegremente, virando-se para nós: «– Sou de Jesus». Fiquei muito comovida. Que frase linda, que espelha o momento que acabou de viver. Na verdade a vida é composta por alegrias e tristezas que nos impelem a lutar diariamente para levar a vida em frente. Até no meio de uma pandemia é possível experienciar momentos felizes afastando a tristeza e o desalento de outros.
Santa Maria Rainha da Esperança, intercedei por todos nós para que a mesma nunca nos falte.
Maria Helena Paes
Escritora