Os defensores da Fé e os primeiros teólogos da Igreja
Passamos agora para o período após a morte de São João, denominado “Era Sub-apostólica”. Aqui encontramos uma nova geração de escritores, cuja formação e abordagem diferem da dos Padres Apostólicos. Estes escritores do segundo século são chamados de Apologistas Gregos.
O termo “apologista” vem do Grego “apologia” (ἀπολογία “falar em defesa”). Na sua Primeira Carta, São Pedro exortou os cristãos: «Estejam sempre preparados para responder a qualquer pessoa que vos questionar quanto à esperança que há em vós. Contudo, fazei isso com humildade e respeito» (1 Pedro 3, 15-16).
Os escritos dos Padres Apostólicos dirigiam-se aos fiéis cristãos para os guiar e edificar. Já os Apologistas Gregos dirigiram-se aos não-cristãos e empregaram a filosofia grega para defender a Fé das acusações e mostrar que o Cristianismo é a única religião verdadeira.
Porque houve a necessidade de defender a Fé? Durante o Século II houve perseguições e um crescente sentimento anticristão, pois o Cristianismo era visto como rival do Estado. Além disso, a Fé foi atacada por pagãos, gnósticos, judeus e convertidos ao Cristianismo, que insistiam em observar a Lei mosaica (os chamados “judaizantes”). Os cristãos foram acusados de várias imoralidades, como incesto, infanticídio, orgia e canibalismo (por causa da Eucaristia).
Os Apologistas Gregos decidiram então proceder de três formas:
1– Abordar as acusações contra a Igreja, mostrando como os cristãos tentavam viver vidas castas e honradas e tentavam viver como bons cidadãos.
2– Expuseram os erros do paganismo e ao mesmo tempo explicaram os dogmas relativos ao único Deus, à divindade de Cristo e à ressurreição do corpo.
3– Argumentando que as filosofias meramente humanas não poderiam alcançar toda a verdade. Por outro lado, o Cristianismo possuía o Logos, a Razão Divina: Jesus Cristo. Consequentemente, concluíram que “o Cristianismo está incomensuravelmente acima da filosofia grega – é, de facto, filosofia divina” (Johannes Quasten, I, pág. 187).
A demonstração da verdade e credibilidade da Fé foi o início do que hoje chamamos de Teologia Fundamental. Podemos até afirmar que os Apologistas Gregos foram os primeiros teólogos. Há quem os acuse de terem “helenizado” a Fé (“helenizar” significa moldar algo de acordo com a cultura grega – “Héllēn” significa “Grego”). Uma descrição mais precisa do que aconteceu foi o facto da cultura grega – o Helenismo – ter sido cristianizada.
No dia 12 de Setembro de 2006, o Papa Bento XVI proferiu uma palestra na Universidade alemã de Regensburg (Ratisbona), em que explicou o encontro entre a cultura grega e o Cristianismo:
“Durante a época helenista, a fé bíblica – não obstante o desacordo em toda a sua dureza com os soberanos helenistas que queriam obter pela força a sua adequação ao estilo grego de vida e ao seu culto idolátrico –, estava interiormente caminhando ao encontro da parte melhor do pensamento grego até chegar a um contacto recíproco que se verificou depois especialmente na literatura sapiencial tardia. Sabemos hoje que a tradução grega do Antigo Testamento realizada em Alexandria – a ‘Setenta’ – é mais do que uma simples (no sentido de avaliar de modo pouco positivo) tradução do texto hebraico: de facto, trata-se de um testemunho textual único no seu género e um passo específico e importante da história da Revelação, no qual se realizou de tal forma o referido encontro que acabou por ter um significado decisivo para o nascimento do cristianismo e sua difusão. Trata-se, no fundo, do encontro entre fé e razão, entre iluminismo autêntico e religião. Ora, o imperador Manuel II, verdadeiramente partindo da natureza íntima da fé cristã e, ao mesmo tempo, da natureza do pensamento grego já fundido com a fé, podia dizer: Não agir ‘com o logos’ é contrário à natureza de Deus”.
Na ocasião, o Santo Padre explicou também: “A recíproca aproximação interior, a que aludimos, entre a fé bíblica e a indagação a nível filosófico do pensamento grego é um elemento de importância decisiva sob o ponto de vista não só da história das religiões, mas também da história universal – um dado a que estamos obrigados ainda hoje. Considerando tal encontro, não surpreende que o cristianismo, apesar da sua origem e de qualquer desenvolvimento importante no Oriente, tenha no fim de contas encontrado a sua fisionomia historicamente decisiva na Europa. E o mesmo se pode exprimir inversamente: o referido encontro, ao qual depois veio juntar-se o património de Roma, criou a Europa e permanece o fundamento daquilo que, com razão, se pode chamar Europa”.
O Pontífice disse ainda que qualquer tentativa de “deselenizar” o Cristianismo terminará em Racionalismo (descartar a Fé, defender a Razão) ou no Fideísmo (sola fide). Devemos afirmar a necessidade tanto da Fé quanto da Razão. Como disse São João Paulo II nas palavras iniciais da sua Encíclica Fides et Ratio: “A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”.
Pe. José Mario Mandía