Gregório Magno: “servo dos servos de Deus”
Retomámos três dos quatro grandes Pais da Igreja ocidental: Santo Ambrósio de Milão, São Jerónimo e Santo Agostinho. Hoje, falaremos do quarto: São Gregório Magno. O Papa Gregório I foi o 63.º sucessor de Pedro e Papa de 590 a 604.
Gregório nasceu numa família rica de Roma, por volta de 540. A família era conhecida pela sua fidelidade à Fé. Antes de Gregório, a família já havia produzido dois Papas: Félix III (483-492) e Agapeto (535-536). Os pais, Gordiano e Silvestre, bem como duas tias (irmãs do pai), Aemiliana e Tharsilla, são venerados como santos.
A carreira administrativa do pai inspirou Gregório a seguir o mesmo caminho. As suas qualidades de líder ajudaram-no a subir na hierarquia. Em 572, tornou-se prefeito de Roma.
No entanto, não satisfeito com o seu sucesso mundano, decidiu “retirar-se na sua casa e iniciar a vida de monge, transformando a casa de família no mosteiro de Santo André ‘al Celio’. Deste período de vida monástica, vida de diálogo permanente com o Senhor na escuta da sua palavra, permanecer-lhe-á uma profunda saudade que se vê sempre de novo e cada vez mais nas suas homilias: entre as obsessões das preocupações pastorais, recordá-lo-á várias vezes nos escritos como um tempo feliz de recolhimento em Deus, de dedicação à oração, de serena imersão no estudo. Assim pôde adquirir aquele conhecimento profundo da Sagrada Escritura e dos Padres da Igreja do qual se serviu depois nas suas obras” (Bento XVI, Audiência Geral de 28 de Maio de 2008).
No entanto, este período da sua vida não durou muito tempo. O Papa Pelágio II (Papa de 579-590), que tinha visto as capacidades administrativas eficazes de Gregório, nomeou-o diácono em 579 e enviou-o a Constantinopla como seu núncio para ajudar a resolver a controvérsia monofisita e para pedir o apoio do Imperador bizantino Tibério II, no combate aos invasores lombardos que estavam a sitiar Roma.
Em 585 ou 586, o Papa chamou-o de novo a Roma e pediu-lhe que fosse seu secretário. Nessa altura, Roma sofria de chuvas contínuas, inundações, fome e peste. A peste ceifou a vida do Papa Pelágio II (579-590), e o clero, o povo e o Senado de Roma escolheram unanimemente Gregório como sucessor da Sé de Pedro. Gregório resistiu e tentou fugir, mas acabou por ceder.
“Desde o início revelou uma visão singularmente lúcida da realidade com a qual se devia medir, uma extraordinária capacidade de trabalho ao enfrentar os assuntos quer eclesiásticos quer civis, um constante equilíbrio nas decisões, até corajosas, que o cargo lhe impunha” (Audiência Geral de 28 de Maio de 2008).
Na procura de uma solução pacífica para o problema dos Lombardos e das outras tribos germânicas, não os vê como bárbaros, mas como almas que precisam de ouvir a Boa Nova. Trabalhou em duas frentes: por um lado, o empenhamento político-diplomático e, por outro, a evangelização. Promoveu assim “respeito recíproco e na serena convivência entre italianos, imperiais e longobardos. Preocupou-se com a conversão dos jovens povos e da nova organização civil da Europa: os Visigodos da Espanha, os Francos, os Saxões, os imigrados na Bretanha e os Longobardos, foram os destinatários privilegiados da sua missão evangelizadora” (Audiência Geral de 28 de Maio de 2008). Para Inglaterra, enviou Santo Agostinho de Cantuária com um grupo de monges para aí difundir a Fé.
Enquanto se dedicava à paz e à difusão do Evangelho, não descurava as necessidades materiais do povo: apesar da sua saúde frágil, “comprou e distribuiu trigo, socorreu quem estava em necessidade, ajudou sacerdotes, monges e monjas que viviam na indigência, pagou resgates de cidadãos que caíram prisioneiros dos Longobardos, comprou armistícios e tréguas” (Audiência Geral de 28 de Maio de 2008). Gregório via-se a si próprio como o “servus servorum Dei” – servo dos servos de Deus.
As suas capacidades administrativas foram úteis quando reorganizou a Igreja de modo a que os bens desta fossem utilizados de forma correcta e eficaz.
As obras de São Gregório Magno incluem oitocentas cartas, nas quais podemos ver a sua perspicácia política, o seu zelo apostólico, a sua magnanimidade e a sua humildade.
Na “Regula pastoralis” (Regra Pastoral), Gregório explica os deveres e obrigações não só do Bispo, mas de todo o clero na formação espiritual do seu rebanho. Salienta a importância do ensino através do bom exemplo. Por fim, quando tudo está dito e feito, Gregório escreve: “Quando alguém se alegra por ter alcançado muitas virtudes, é bom reflectir sobre as suas próprias insuficiências e humilhar-se: em vez de considerar o bem realizado, é necessário considerar o que foi negligenciado”.
Escreveu também uma obra exegética, “Moralia in Iob” (“Comentário Moral ao Livro de Job”), onde explica não só o sentido literal e alegórico do livro, mas também o seu sentido moral (cf. Catecismo da Igreja Católica n.os 115-118). Ele estava convencido de que a Palavra de Deus deve entrar na vida do cristão. O Papa Bento XVI afirmou que os Moralia podem ser considerados “uma espécie de Suma da moral cristãs” na Idade Média (Audiência Geral de 4 de Junho de 2008). Isto também é evidente nas suas “Homilias sobre Ezequiel”, onde diz que “o pregador deve banhar a sua pena no sangue do seu coração; assim, poderá chegar também ao ouvido do próximo”. Ele acreditava que “aproximar-se da Escritura simplesmente para satisfazer o próprio desejo de conhecimento significa ceder à tentação do orgulho e, assim, expor-se ao risco de cair na heresia” (Audiência Geral de 4 de Junho de 2008). O mesmo se pode dizer das “Homilias sobre o Evangelho do Papa”.
Finalmente, nos “Diálogos”, Gregório dirige-se ao seu amigo Pedro, diácono, “convicto de que os costumes já tivessem sido corrompidos a tal ponto que já não permitissem o nascimento de santos como nas épocas passadas”. Aqui, “Gregório demonstra o contrário: a santidade é sempre possível, mesmo nos tempos difíceis. E prova-o, narrando a vida de pessoas contemporâneas ou mortas havia pouco, que bem podiam ser qualificadas santas, embora não canonizadas” (Audiência Geral de 4 de Junho de 2008). No Livro II, dá o exemplo de Bento de Núrsia. Graças a Gregório, temos o único texto antigo que fala pormenorizadamente de São Bento.
Pe. José Mario Mandía