De defensor a desertor
Tertuliano (Latim: Quintus Septimius Florens Tertullianus, 155 – 220 d.C.) foi um convertido do Paganismo que se tornou o primeiro autor cristão a escrever em Latim. Era natural de Cartago (Norte de África), onde foi educado em Retórica, Filosofia, História e Direito. A sua conversão foi inspirada na vida dos mártires cristãos.
Tertuliano foi um apologista ou defensor prolífico e eloquente da Fé. O Papa Bento XVI destacou que as suas obras tinham dois objectivos principais: “[1] contestar as gravíssimas acusações que os pagãos faziam contra a nova religião, e, [2] a mais propositiva e missionária, de comunicar a mensagem do Evangelho em diálogo com a cultura do tempo” (Audiência Geral de 30 de Maio de 2007). Enfrentava, portanto, dois desafios externos à época.
Quanto ao primeiro objectivo, o Santo Padre disse: “A sua obra mais conhecida, o Apologético, denuncia o comportamento injusto das autoridades políticas em relação à Igreja; explica e defende os ensinamentos e os costumes dos cristãos; indica as diferenças entre a nova religião e as principais correntes filosóficas do tempo; manifesta o triunfo do Espírito, que faz oposição à violência dos perseguidores com o sangue, o sofrimento e a paciência dos mártires: ‘Por mais requintada que seja escreve o Africano de nada serve a vossa crueldade: aliás, para a nossa comunidade, ela é um convite. A cada vosso golpe de foice nós tornamo-nos mais numerosos: o sangue dos cristãos é uma sementeira eficaz! (semen est sanguis christianorum! Apologeticum nº 50, 13)’”.
Quanto ao segundo objectivo, Bento XVI explicou, na mesma Audiência Geral, que Tertuliano “adoptou o método especulativo para ilustrar os fundamentos racionais do dogma cristão. Aprofunda-os de modo sistemático, começando pela descrição do ‘Deus dos cristãos’: ‘Aquele que nós adoramos afirma o Apologista é um Deus único’. E prossegue, empregando as antíteses e os paradoxos característicos da sua linguagem: ‘Ele é invisível, mesmo se o vemos; inalcançável, mesmo se está presente através da graça; inconcebível, mesmo se os sentidos humanos o podem conceber; por isso é verdadeiro e grande! (Apologeticum nº 17, 1-2)’”.
Tertuliano dá uma grande contribuição ao pensamento teológico. É o primeiro escritor em Latim que usou o termo “Trindade” (Latim: “Trinitas”) e também introduziu a doutrina das “três Pessoas” em “uma Substância”. Como sabemos, os conceitos de Substância e Pessoa também são essenciais para explicar o mistério da União Hipostática: “Vemos claramente o duplo estado [= natureza divina + natureza humana], que não é confundido [= confuso ou misturado], mas unidos [= unidos] em Uma Pessoa – Jesus, Deus e Homem (Adversus Praxeam nº 27)”. Tertuliano também ensinou que o Espírito Santo era uma das Pessoas Divinas.
Tertuliano falou da Igreja como Mãe, mesmo depois de ter aderido aos Montanistas. Nos seus escritos encontramos também referências aos Sacramentos da Eucaristia, do Matrimónio e da Reconciliação; Maria Santíssima; a primazia de Pedro; a Ressurreição do Senhor como base da nossa; e oração, entre outros.
Foi Tertuliano quem ensinou que a alma humana “é naturalmente cristã (Apologeticum nº 17, 6)”: há continuidade e compatibilidade entre os valores humanos autênticos e a virtude cristã. Afirmou ainda que ao defender ou explicar a fé “o cristão não pode odiar, nem mesmo os seus inimigos (Apologeticum nº 37)”.
Tal como Hipólito, Tertuliano também demonstrou um certo rigor que “o afastou gradualmente da comunhão com a Igreja para pertencer à seita montanista… Com o passar dos anos tornou-se cada vez mais exigente em relação aos cristãos. Exigia deles um comportamento heroico em todas as circunstâncias, sobretudo, sob perseguição. Rígido nas suas posições, não se absteve de críticas contundentes e acabou inevitavelmente por se ver isolado” (Audiência Geral de 30 de Maio de 2007).
O Papa Bento XVI, ao reflectir sobre a vida de Tertuliano, continuou: “esta grande personalidade moral e intelectual, este homem que deu uma grande contribuição para o pensamento cristão. Vê-se que no final lhe falta a simplicidade, a humildade de se inserir na Igreja, de aceitar as suas debilidades, de ser tolerante com os outros e consigo mesmo”.
“Quando se vê só o próprio pensamento na sua grandeza, no final é precisamente esta grandeza que se perde. A característica essencial de um grande teólogo é a humildade de estar com a Igreja, de aceitar as suas e as próprias debilidades, porque só Deus é realmente todo santo. Ao contrário, nós temos sempre necessidade de perdão”, acrescentou o Santo Padre.
No entanto, as contribuições de Tertuliano para a literatura cristã não podem ser subestimadas. Através das suas obras, tornou-se professor de São Cipriano (que estudaremos a seguir) e antecessor de Santo Agostinho. Estes dois últimos são contados entre os Padres da Igreja.
Pe. José Mario Mandía