Os Kristang da Península Malaia

Selo português em Singapura

Outro diplomata com ligações a Macau foi Melécio Joaquim Vieira Ribeiro, que era, aliás, filho da terra. Nascido em 1839, Melécio exercia as funções consulares de Portugal em Saigão quando, em Abril de 1878, «o cônsul do Sião e dos Estreitos de Singapura e Malaca e suas dependências, António Feliciano Marques Pereira, declarou que, tendo de ir gozar licença durante seis meses, Melécio Ribeiro continuava encarregado do consulado geral dos Estreitos e Joaquim Vicente de Almeida, do consulado de Sião».

Este rodar de cadeiras nos cargos diplomáticas está bem patente na correspondência recebida das colónias e compilada no Fundo do Conselho Ultramarino onde está reunida documentação de várias instituições da administração central que superintenderam na gestão do império colonial português. Assim, dá-nos conta da «necessidade de um agente consular em Singapura», em 1834; da «transferência do consulado português no Sião para Singapura», em 1870; da «nomeação do cônsul de Portugal no Sião», em 1873; e da «viagem do governador de Macau a Sião, Saigão, Banguecoque e Singapura», em 1878.

Manuel Teixeira escreve que «os apelidos Sousas e Pereira predominam por tal forma que se diz que, atirando-se uma pedra ao ar nesta cidade, irá cair sobre um Sousa ou um Pereira». Para além das já citadas D’Almeida Street e Almeida Road, há ainda a De Sousa Street, em memória de um outro abastado comerciante, Manuel de Sousa, detentor da empresa Aitken, De Sousa & Co; a Desker Road, em nome do malaqueiro André Filipe Desker, e a Ennes Street, em memória do bispo de Macau, D. Bernardo de Sousa Enes.

Também houve quem a Singapura fosse apenas para ser sepultado. Foi o caso de Januário Agostinho da Silva, reputado comerciante da praça de Macau que integrava o Governo aquando as lutas entre absolutistas e liberais, tomando claro partido pelos primeiros. Em 1835 partiu de Macau para Bombaim no brigue Caçador, de que era proprietário e capitão. Faleceu no regresso, estando hoje sepultado no Fort Canning.

Cláudio António da Silva é outro dos notáveis. Nascido em Macau em 1860, Silva ocupou o cargo de director do jornal Singapore Free Press, superintendeu a imprensa nacional do Governo local ao longo de quase uma década e ainda dirigiu a gráfica C.A. Ribeiro & Co. Ltd. O seu quarto filho, Cláudio Henrique da Silva, era considerado um dos melhores advogados da cidade, tendo sido várias vezes membro do conselho legislativo, comissário municipal, chegando a ocupar cargos de relevância noutras instituições.

Manuel Teixeira dá mais pormenores: «Os outros filhos de Cláudio António da Silva também se distinguiram: Leonardo Sato formou-se em medicina, exercendo a sua profissão como médico do governo; João Lourenço foi superintendente dos matadouros municipais; Áurea Melinda foi um das fundadoras do Movimento da Juventude Eurasiana; Francisco da Silva trabalhou na base naval, etc.». E conclui: «Os Silvas em Singapura elevaram-se altas posições, honrando aquele que lhes deu o nome».

Em 1825, seis anos após a fundação de Singapura, o missionário português Francisco da Silva Pinto e Maia, amigo do médico José de Almeida, fundava a Missão Portuguesa, com a edificação de uma igreja e, mais tarde, duas escolas; uma para rapazes e outra para raparigas.

A 21 de Dezembro de 1884, escreve, no seu relatório, o prelado de Macau, D. António Joaquim de Medeiros: «Na ilha de Singapura temos uma igreja com mil e duzentos cristãos e dois sacerdotes. Em Malaca, o padroado conta com uma igreja, duas capelas, dois mil cristãos e três missionários… Todas as famílias cristãs das duas missões falam português e não querem ser catequizados noutra língua. Dizem-se descendentes de portugueses e nisso fazem consistir a sua maior glória… Os nossos cristãos não se sujeitarão aos padres franceses». Vivia momentos difíceis, o Padroado Português do Oriente, vítima da concorrência da Propaganda Fidae e das Missões Estrangeiras de Paris. Mais do que nunca, o único laço que unia os eurasianos (que eram súbditos britânicos, de facto) a Portugal eram os missionários e a Igreja Católica.

A ligação apostólica de Macau a Singapura pode ser comprovada pela muita documentação existente, que, por exemplo, em 1834, nos fala do «estabelecimento de côngruas aos párocos de Singapura» e do «estabelecimento de igrejas em Singapura em Pirão por apostólicos franceses»; que, em 1877, refere a «anexação das missões de Singapura e Malaca à diocese de Macau»; que, entre 1886 e 1888, menciona a «impossibilidade de se comprar um terreno junto à missão de Singapura» e anuncia «côngruas a missionários de Malaca» e a «tomada de posse das missões portuguesas de Singapura e Malaca»; que, entre 1889 e 1891, chama atenção para o «relatório do bispo de Macau» e da sua «visita às igrejas de Malaca e Singapura ao abrigo da Concordata de 1886» e ainda do «inventário da igreja de São Pedro de Malaca e S. José de Singapura»; que, em 1893, lembra o «pedido de autorização para a construção de uma capela e uma escola em Serangoore Road, Singapura».

Da Missão Portuguesa, que mereceu da parte do governador de Macau, Rodrigo Rodrigues, o epíteto de “legação de Portugal em Singapura”, já nada resta hoje. Mas no apogeu da sua existência chegou a ser proprietária de importantes parcelas do território da cidade-Estado, como o comprova, de resto, o bispo D. João Paulino de Azevedo e Castro no livro “Os Bens das Missões Portuguesas na China”. Entre os imóveis da Missão destacavam-se o Hotel de L’Europe, o Raffles Place, vários edifícios em Hill Street, em North Boat Quay, na Ennes Street, na Beach Road, na North Bridge Road, e ainda o Medeiros Building e o Nunes Building, respectivamente na Cecil Street e Malacca Street. Isto, é claro, para além da igreja e casa paroquial de São José, na Victoria Street, e ainda a escola e o convento de Santo António, em Middle Road.

A flor oficial de Singapura é a orquídea, mais exactamente a espécie Vanda Miss Joaquim. Tão inusitado nome deixou-me intrigado pensando que pudesse ter origem portuguesa, dada a predominância de Joaquins no século XIX. Não podia estar mais errado. Encontraria a resposta no jardim-cemitério contíguo à igreja da comunidade arménia. Aí, uma simples lápide funerária recorda “Agnes, filha mais velha de Parsick Joaquim”, comerciante parse de renome, “falecida em Julho de 1899”. Afinal, foi para honrar a memória de Agnes Joaquim que a cidade atribuiu tão curioso nome à sua flor de referência.

Joaquim Magalhães de Castro

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