Há medida que lhes têm sido impostas tantas injustiças os portugueses foram ficando cada vez mais despertos para a justiça que se pratica em Portugal e, naturalmente, cada vez mais críticos com certas situações que, neste domínio, lhes têm revoltado o estômago.
É a morosidade dos processos, arrastando-os até à prescrição, acabando por despenalizar os culpados; são as sentenças que deixam os criminosos em liberdade; é a multiplicação de possíveis recursos, utilizados por quem tem meios económicos para o fazer e que resultam frequentemente em prescrições ou em diminuição das penas das primeiras condenações; são os processos inconclusivos por erros dos procedimentos técnico-legais na sua fase preparatória; é a relação promíscua entre o mundo dos negócios e o poder político, com especial ênfase no papel dos advogados, enquanto simultaneamente deputados e defensores dos seus clientes privados; são as frequentes violações do segredo de justiça, pressionando o desenrolar dos processos e o justo sentido dos julgamentos; são o caso dos processos que nos deixam interrogações sobre o seu desfecho, como os casos Maddie, Casa Pia, Vale e Azevedo, submarinos, BCP, BPN, e outros que nos fazem duvidar do que agora se vai passar com o BES.
As críticas ao nosso sistema judicial e aos seus principais executores tornaram-se tão vulgares na nossa sociedade que até o Governo critica os juízes do Tribunal Constitucional, os funcionários judiciais contestam a “abrupta” ministra da Justiça – decidiu colocar em prática o “seu” novo mapa judicial, “empanado” nos computadores e nas instalações em obras – e o povo, esse, critica todos.
Mas eis que a sentença agora proferida pelos juízes que julgaram o caso do influente sucateiro, o chamado processo “Face Oculta”, deixou toda a gente surpreendida pela positiva.
O Tribunal decidiu aplicar pesadas penas de prisão efectiva aos onze principais implicados, de onde se destacam: 17 anos e meio a Manuel Godinho (o sucateiro), acusado de dirigir uma rede de associação criminosa; cinco anos a Armando Vara (antigo ministro e ex-vice-presidente do BCP), por tráfico de influências; cinco anos a José Penedos (ex-presidente da REN-Rede Eléctrica Nacional), por corrupção e crime de participação económica em negócio; quatro anos ao advogado de Manuel Godinho, Paulo Penedos, por tráfico de influências; cinco anos e seis meses ao filho João Godinho e ao sobrinho Hugo Godinho, etc.
É bem verdade que os agora condenados poderão recorrer da sentença, processo que pode demorar mais um ou dois anos, após seis anos desde o início das investigações, mas o facto de o tribunal ter condenado, com prisão efectiva, figuras gradas do poder político, por crimes de corrupção, associados ao tráfico de influências, pode ser um “sinal” de que algo está a mudar no comportamento dos juízes, sempre que se trata de moralizar as relações entre os agentes do Estado e o mundo dos negócios.
Uma curiosidade desta sentença é o facto de o tribunal ter obrigado estes “rapazes” a devolver ao Estado as “prendazitas” que tinham recebido do sucateiro, como relógios, objectos decorativos, garrafas de whisky velho, canetas, máquinas de café, baldes para o gelo, etc. Pena é que na lista das devoluções forçadas se tenham esquecido da “caixa de robalos” que Armando Vara confessou ter recebido. Como ele já não deve voltar a beneficiar de um “empregozito” no Estado e já deve ter comido os robalos há muito tempo, bem podiam mandá-lo à pesca.
Gostaríamos de acreditar que esta sentença pudesse servir de exemplo a outros casos actualmente em investigação e julgamento e demovesse outros “exemplares políticos” de tal tipo de comportamentos. Mas para isso é preciso desafiar o “sistema”, impondo-lhe regras bem claras, entre as quais aquelas que não suscitem várias interpretações das mesmas leis e juízes com a coragem de se empenhar na defesa da moral pública. Razão porque penso que ainda é cedo para acreditar que os juízes começam a ter juízo.
Luis Barreira