Órgãos municipais atribuem mais poder aos secretários

Caixa de Pandora

Com a eventual extinção do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais será finalmente consolidado o poder dos secretários do Governo. Sónia Chan e Raimundo do Rosário poderão já em Dezembro começar a marcar pontos com a gestão do dossiê “Canídromo”. Depois virá Alexis Tam com a construção do Complexo de Cuidados de Saúde das Ilhas, Lionel Leong com a renegociação dos contratos de jogo, e Wong Sio Chak com a nova politica para as fronteiras da RAEM. Abriu-se a Caixa de Pandora!

Depois da vinda de Xi Jinping a Macau, a ida de Fernando Chui Sai On à Assembleia Legislativa não podia ser mais do mesmo. E o líder da RAEM logo isso fez notar no início do discurso: «Iremos acolher plenamente as importantes palavras proferidas pelo Senhor Presidente Xi Jinping, na Cerimónia de Comemoração do 15.º Aniversário do Regresso de Macau à Pátria e Cerimónia de Posse do IV Governo da RAEM». O CLARIM acrescenta que também irão ser tidas em conta as palavras do Presidente aos novos secretários, com as quais atribuiu a estes uma importância nunca antes alcançada pelo anterior elenco governativo.

Na perspectiva de que cinco secretários dão um Chefe (ver edição d’O CLARIM de 5 de Dezembro de 2014), o mesmo parágrafo das Linhas de Acção Governativa para o Ano Financeiro de 2015 que deixa antever a criação de «órgãos municipais sem poder político» é revelador da força atribuída por Pequim aos homens de Chui Sai On: «Este ano, efectuaremos um estudo geral sobre a reorganização, a transferência e a fusão de atribuições e competências da estrutura administrativa e aperfeiçoaremos o mecanismo de cooperação interdepartamental, no sentido de aumentar a eficiência administrativa».

Depois de Florinda Chan, caberá a Sónia Chan o encargo de avançar com a reforma da Administração Pública, na qual se insere a criação dos novos órgãos municipais. Nas LAG não é referida qualquer data para o estudo que conduzirá à eventual extinção do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), mas o Chefe do Executivo avançou no próprio dia com a intenção de arrancar com os trabalhos em 2017.

A preocupação de Chui Sai On em cumprir o estipulado na Lei Básica de Macau vem ao de cima no primeiro ano de um Governo sem Florinda Chan, a sua anterior número 2, a quem a história sempre atribuirá responsabilidades políticas directas na criação e gestão do IACM. Embora já não faça parte do Governo, a decisão agora tomada não deixa de ser uma derrota política para a anterior secretária para a Administração e Justiça, em benefício do reforço da posição de Sónia Chan na estrutura do Poder local.

Neste prisma, também Raimundo do Rosário poderá colher frutos, uma vez que o seu antecessor na pasta para os Transportes e Obras Públicas, Lau Si Io, foi presidente e um dos mentores do IACM, e mesmo depois de rumar ao Palácio da Praia Grande nunca deixou de exercer influência junto dos quadros por ele nomeados para a estrutura herdeira da Câmara Municipal de Macau Provisória e da Câmara Municipal das Ilhas Provisória.

Já antecipando o que aí poderá vir, o deputado Lam Heong Sang atirou para cima da mesa a possibilidade do Governo transferir o Canídromo para outro local, pois há muito que aquele terreno é desejado por diversos sectores, principalmente ligados à construção civil. Na resposta, o Chefe do Executivo lembrou que o contrato de concessão termina a 31 de Dezembro deste ano, revelando que chegou a ser aventada a hipótese de transferir o Canídromo para o Hipódromo, a qual terá sido colocada de lado devido ao perigo de contágio entre os animais. Ficou por dizer que o Hipódromo também há muito é cobiçado por construtores civis e operadoras de jogo. Angela Leong (STDM) limitou-se a ouvir… Tratando-se de uma área com competências repartidas (veterinária e concessão de terrenos) a decisão terá de ser tomada por Sónia Chan – tutela o IACM – e por Raimundo do Rosário.

O actual secretário para os Transportes e Obras Públicas tem, no entanto, outras tarefas bem mais prementes a curto prazo, como a “Promoção do tratamento dos terrenos não aproveitados”. Segundo o texto das LAG, «de entre os 48 terrenos anteriormente divulgados, 22 terrenos entraram já em fase final do processo de declaração de caducidade de concessões, prevendo-se, dentro em breve, a respectiva publicação no Boletim Oficial da RAEM». Um avanço significativo tendo em conta que durante anos muitos terrenos não foram utilizados por quem os recebeu do Governo – baldios que são um perigo para a saúde e que podiam ser aproveitados para a construção de habitação pública e equipamentos sociais.

Quanto à não utilização dos terrenos privados, as LAG não esboçam uma única ideia, pelo que o caso da casamata em Coloane e outros semelhantes irão continuar sem uma solução que seja do agrado dos envolvidos (proprietários, construtores e outros agentes). Apesar da ausência de qualquer referência, Raimundo do Rosário e o director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, Li Canfeng, serão certamente chamados a pronunciarem-se sobre o impasse de alguns projectos.

Raimundo do Rosário pode jogar uma cartada igualmente importante se conseguir criar uma terceira categoria na habitação pública, destinada à classe média de Macau, uma ideia copiada de Singapura que urge implementar no território. As LAG prevêem a «revisão completa da política de habitação pública» e o «acelerar do aperfeiçoamento da respectiva legislação», acrescentando que «após a realização de uma vasta consulta pública, se pretende, numa primeira fase, rever parcialmente a “Lei da habitação económica”».

Na forja está a «reserva de terrenos em cinco locais para construção de habitações públicas, prevendo-se a concretização de mais de quatro mil fracções habitacionais» e ainda a construção de «28 mil fracções de habitação pública» nos novos aterros da Zona A.

 

NOVA ERA

Não é feita qualquer referência ao nome da empresa que “sucedeu” à extinta Reolian. É apenas a realidade dos factos. Xi Jinping disse para se fazer cumprir a lei, e Chui Sai On cumpriu a ordem. Depois do artigo 23.º falta cumprir mais algumas disposições da Lei Básica. Agora são os órgãos municipais – sem poder político – amanhã será o direito à greve e à associação sindical.

Com a criação dos órgãos municipais abriu-se a Caixa de Pandora, na medida em que os secretários, principalmente da Administração e Justiça e dos Transportes e Obras Públicas, terão a capacidade de decidir sobre matérias há muito bloqueadas por quem pensou, geriu e influenciou politicamente o IACM desde a sua criação. A indecisão quanto à finalidade a dar ao Canídromo é disso um exemplo.

No que respeita aos outros secretários também os ventos das reformas propagadas por Xi Jinping poderão soar a favor, dado que Alexis Tam tem – entre outras – a hercúlea tarefa de construir o Complexo de Cuidados de Saúde das Ihas, Lionel Leong tem a obrigação de impor mais condições às operadoras de jogo aquando da renegociação dos contratos de concessão, e Wong Sio Chak tem de colocar em prática a futura política de fronteiras da RAEM, com todos os inconvenientes que daí irão advir para o território.

José Miguel Encarnação

jme888@gmail.com

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