Prostituição separa as famílias
Ciente dos problemas de Las Vegas e Macau, o padre Shenan Boquet considera que os grandes líderes são capazes de dividir às águas do Jogo e da prostituição, sabendo ao mesmo tempo integrar os trabalhadores migrantes na sociedade de acolhimento. A’O CLARIM, surpreso pela esfera consumista de Macau, defendeu o valor maior da Família e da Vida Humana.
O CLARIM – Quais as maiores ameaças para as famílias de Macau?
PE. SHENAN BOQUET – É claramente a promiscuidade, a infidelidade nos casamentos, especialmente na população migrante. Sabemos que o aborto é procurado. Obviamente que é ilegal em Macau, mas está disponível aqui ao lado, na China continental. Há muitos problemas que afectam a vida familiar e a indústria do Jogo é um exemplo flagrante.
CL – É Macau um sistema capitalista puro?
P.S.B. – Na minha primeira visita a Macau notei que é muita parecida com a baixa de Nova Iorque, onde o consumismo é enorme. Dá-se um passeio e encontra-se tanta coisa, jóias, relógios e roupas. É tudo muito materialista. Afecta a vida familiar e a forma como vivemos em sociedade.
CL – Está em discussão na Assembleia Legislativa a proposta de lei anti-violência doméstica. A principal preocupação dos deputados tem sido encontrar a diferença entre agressões leves e pesadas de modo a tipificar os crimes como semi-públicos e públicos…
P.S.B. – Vemos a violência doméstica acontecer em muitas partes do mundo, por isso temos um entendimento global sobre o assunto. Penso que será sensato se o Governo de Macau e os líderes locais reconhecerem que a violência doméstica não é aceitável. No entanto, a questão é saber o que poderão fazer para preveni-la e que programas vão estar disponíveis para ajudar os casais a ultrapassar as dificuldades. Onde poderão ter bom aconselhamento, onde vão conseguir encontrar apoio e encorajamento. Esta comunidade específica [de Macau] não é diferente de Las Vegas, nem do Louisiana, nos Estados Unidos.
CL – Porquê?
P.S.B. – Digamos que o marido gasta o salário todo [com apostas], a família sofre com isso e a mulher sente que a estabilidade familiar está ameaçada, e que ao defendê-la irá seguramente causar conflitos entre o casal. O que há para ajudar este casal, e talvez para ajudar o homem ou a mulher que poderão estar a lutar contra um vício muito particular? E as questões da infidelidade? O que poderá então o Governo fazer para ajudar a família a ficar junta e para ajudar o marido e a mulher? Quanto a mim, este será o maior problema.
CL – E a parte criminal?
P.S.B. – Obviamente, se houver uma decisão para que os crimes parem de modo a que qualquer um de nós se sinta seguro, ao infligir a lei a polícia tem o dever de dizer que os agressores estão a pô-los em perigo, bem como às outras pessoas que estão em casa. É bom que a lei proteja o valor da família e aponte no sentido de que a violência é inaceitável. Contudo, punir os agressores e separar os casais também não vai ajudar a família. O que pode ser feito para responsabilizar os agressores pelo que fazem, mas também para o acompanhamento de protecção às vítimas? O que pode ser feito para ajudá-los a serem melhores maridos, melhores pais, de maneira a contribuírem para a sociedade, em vez de se tornarem fardos? A lei é absolutamente importante. De que forma vai ser implementada e como ajudará essas famílias? É fácil dizer: “ele vai parar à cadeia e acabou”. Todavia, há pessoas postas de lado que ainda necessitam de pagar as contas.
CL – O que deverá acontecer?
P.S.B. – Posso apresentar um sem número de exemplos dos Estados Unidos onde as mulheres vão para o aconselhamento e até levam os filhos para que fiquem protegidos até haver forma de rectificar o problema. Talvez uma separação legítima tenha de acontecer porque o marido não quererá ajuda. Por isso, é necessário protegê-las da violência. O contrário também se aplica, pois já vi casos de mulheres a abusar dos maridos.
TRABALHADORES MIGRANTES
CL – Há um grande número de trabalhadores migrantes porque sem eles a economia local desmorona-se. Trata-se de uma população instável, porque muitos chegam, enquanto outros partem. Como podemos integrar os que ficam?
P.S.B. – O chegar até eles é um assunto muito importante, caso um filipino, um indonésio ou um africano tenha a sua família no país natal enquanto trabalham em Macau. Obviamente que a separação a longo prazo não ajuda a vida familiar. Estão cá porque precisam de sustentar as famílias. Encorajo os líderes locais a dar-lhes apoio, pois têm muitos recursos à disposição.
CL – Será algo difícil acontecer porque alguns deputados já declararam publicamente que estão contra a atribuição de certo tipo de trabalhos para a mão-de-obra não-residente. Entre os críticos estão Song Pek Kei e Zheng Anting, até mesmo com comentários chocantes…
P.S.B. – O pior que um líder governamental ou um deputado pode fazer é tecer considerações discriminatórias contra alguém. O melhor a fazer é apoiar ambos: os locais que são naturais da comunidade e quem vem para trabalhar na comunidade. De que forma podem cooperar juntos e reconhecer que ambos são valiosos?
CL – Muitos desses trabalhadores não-residentes aceitam os trabalhos que os locais rejeitam. Os primeiros estão em desvantagem logo à partida…
P.S.B. – O mesmo acontece em muitas partes do mundo e o maior desafio para os líderes locais e para o Governo de Macau é não tolerar qualquer tipo de discriminação e de desrespeito. Os locais deviam estar agradecidos que alguém faça o trabalho que põem de lado, ao passo que essa mesma pessoa até está disposta a trabalhar afincadamente.
PROSTITUIÇÃO E EUTANÁSIA
CL – A prostituição é um caso sério em Macau…
P.S.B. – A Igreja Católica está sempre contra a prostituição, por ser contrária à dignidade da pessoa; e por deitar abaixo a dignidade da pessoa que Deus criou como uma dádiva. Somos seres sexuais, mas é preciso haver uma separação. Vemos a prostituição em todo o mundo nas grandes populações. É algo que degrada as pessoas, separa as famílias e ajuda às infidelidades nas relações.
CL – Mas como convencer os poderosos que estão por detrás das redes de prostituição a abandonar tais negócios e a procurar outras formas de lucro?
P.S.B. – Sabemos que a prostituição não está apenas num lado do mundo. A prostituição é corrupção porque as pessoas são usadas como objectos para fazer dinheiro. Vemos isto em muitas partes do mundo. Penso que se deve “apanhar” não apenas quem trabalha na indústria [do sexo]. Deve ser o Governo e os líderes espirituais a trabalhar em conjunto, ao dizerem que é inaceitável e que não toleram comportamentos do género, porque – primeiro – é imoral e – segundo – a sociedade deveria estar ciente que aquelas jovens são filhas de alguém.
CL – Assim como a prostituição, também as drogas estão de mãos dadas com a indústria do Jogo em Macau, o mesmo será dizer que é tudo consumismo. Mas são os casinos que fazem o território andar para a frente. É difícil enfrentar os problemas que aborda…
P.S.B. – É bem verdade! Talvez seja difícil afastar o problema da indústria do consumismo de que Macau depende fortemente, mas penso que é nestas situações que emergem os verdadeiros líderes. Porque devem estar de mãos dadas? Sei que é uma discussão difícil, especialmente aqui em Macau, porque é a fonte da economia e a sua fundação. Las Vegas também pode ter esta difícil discussão.
CL – O que sugere?
P.S.B. – É preciso ser-se capaz de ter uma conversa adequada e lógica para que sejam abordados estes tópicos, mas daí a relacionar-se a prostituição à indústria do Jogo e dizer-se que precisam uma da outra!? Deve dizer-se que é preciso separá-las, e numa conversa honesta salientar-se que a prostituição não deve ser tolerada e que não se aceita tal coisa na cultura de Macau. E acreditamos que a estas jovens não lhes devia ser permitido vender os seus corpos de modo a que quem as controla lucre com isso.
CL – Na sua opinião, deve a prostituição ser criminalizada ou apenas os clientes?
P.S.B. – Diria que ambos. Se há uma mensagem dirigida à prostituta de que será penalizada se for apanhada a cometer o crime, então também os clientes deverão saber que serão penalizados, através de uma acusação criminal. De igual forma, deve-se ir atrás do proxeneta. Aquele que está à frente da rede de prostituição deve ser ainda mais responsabilizado.
CL – As prostitutas são o elo mais fraco…
P.S.B. – São o elo mais fraco, mas ao mesmo tempo, ao dizer-lhes que isto é inaceitável e que se continuarem vão parar à prisão, é preciso dissuadi-las o melhor possível de venderem os seus corpos. A pessoa que se deve realmente perseguir é o líder da rede.
CL – A eutanásia é permitida em alguns países europeus, como é o caso da Bélgica e da Suíça. Considera aceitável acabar com a vida humana desta forma em situações muito específicas, como nos ferimentos graves sem qualquer tipo de recuperação após um acidente rodoviário ou nas doenças terminais cancerígenas?
P.S.B. – Não é aceitável de forma alguma. A vida é preciosa desde o início até ao seu fim natural. Toda a vida deve ser protegida e ter a oportunidade de viver de acordo com Nosso Senhor, que nos deu a vida como dádiva. Nos casos mais graves o paciente deve receber comida e líquidos, sem que algo mais seja obrigatório. Não há excepção, mesmo se uma pessoa sofra de dor. A ideia é ajudar as pessoas a apreciarem a dignidade das suas vidas mesmo que passem por esforços, dificuldades e inconvenientes que a vida pode trazer a qualquer um.
CL – E a pena de morte? É uma forma de eutanásia?
P.S.B. – Há uma grande diferença entre ambas. O “Catecismo da Igreja Católica” faz menção à pena de morte e dá-nos um ensinamento muito claro sobre o direito do Estado em proteger as pessoas após uma decisão judicial, se esta determinar que alguém constitui grande ameaça ao bem-estar da comunidade. João Paulo II e Bento XVI [assim como o Papa Francisco] desafiaram esta posição e, obviamente, há uma boa oportunidade para o diálogo. Não pomos os dois assuntos no mesmo saco porque são diferentes. O mesmo acontece quando lidamos com o aborto e com a eutanásia. As pessoas gostam de pôr tudo no mesmo saco, quando não estão.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA