Hotéis de Charme para Macau

Opinião

Hotéis de Charme para Macau

Recentemente onde vivo, contra todas as opiniões e estudos de mercado, um meu conhecido de infância decidiu apostar no sector da hotelaria, tendo aberto um pequeno hotel com meia-dúzia de quartos perto da praia. Decidiu chamar-lhe Beach Hostel porque – segundo ele – não chega a ser um hotel. As más-línguas até dizem que mal se vêem as dunas.

Após mais de dois anos de dinheiro investido, reveses atrás de reveses, lá abriu portas e, desde então, tem aparecido tudo quanto é pseudo-famoso aqui do burgo para “ficar na fotografia”.

A verdade é que o jovem conseguiu abrir aquilo que todos diziam não ser possível, e como tem surgido em tudo quanto é revista e televisão há que aproveitar para estar “in”. Ele, paciente como sempre foi, nem se importa; e lá vai aguentando tanta falta de vergonha na cara, colocando-se todo sorridente ao lado do presidente da edilidade – que só lhe arranjou obstáculos – e do funcionário do Ambiente – que nunca lhe quis passar as licenças necessárias –, entre outros desenvergonhados que frequentam o hotel em dias de festa.

Desde que a unidade hoteleira foi inaugurada, tem estado sempre esgotada, principalmente com reservas de cidadãos estrangeiros. As mesmas más-línguas dizem que “os de fora” são mais dados a estas coisas dos hotéis com ar de natureza. Mas o que conta de verdade é o facto de já ter sido distinguido com o prémio de hotel ecológico europeu, apenas duas semanas depois de inaugurado.

Esta história fez-me lembrar Macau, que há muito não oferece opções de alojamento a preços acessíveis. Unidades hoteleiras, de cinco e mais estrelas, não faltam no território. No entanto, como é sabido, estas estrelas têm um preço elevado, ainda que a qualidade deixe muitas vezes a desejar. Falo por experiência própria.

Da última vez que estive em Macau fiquei alojado no COTAI. Sinceramente, fiquei pouco impressionado. Serviço profissional, sim!… mas totalmente impessoal. O nível do asseio e limpeza do quarto, e a qualidade do pequeno-almoço, entre outros aspectos, deixaram muito a desejar, apesar do quarto ter sido oferecido pelo departamento de relações públicas da unidade hoteleira.

A RAEM tem tantos edifícios, especialmente nas zonas mais antigas, dentro e fora das áreas históricas, que podiam ser transformados em pequenos hotéis de charme. Já não falo da Rua da Felicidade, onde há alguma oferta, mas na zona de San Kio, no Bairro Tamagnini Barbosa, no Lilau, ou mesmo nas vilas de Coloane e da Taipa. Se bem que nesta última seria mais complicado encontrar edifícios com estas características.

Principalmente na Península de Macau há muitos edifícios que facilmente – com um mínimo de investimento e havendo apoio e disponibilidade administrativa por parte do Governo – seriam em pouco tempo convertidos em pequenas unidades de alojamento de charme ou de baixo custo. E sem que fosse necessário estabelecer acordos com as grandes cadeias de hotelaria, sempre ávidas de lucro fácil e rápido. Seria, pois, uma forma dos jovens investidores entrarem num mercado que parece estar somente acessível aos filhos de multimilionários.

Esta tendência tem sido seguida em Portugal nos últimos anos, depois de ter vingado em Espanha na década de noventa e nos primeiros anos deste século. Entre 2000 e 2005, Espanha viu nascer mais de dez mil unidades hoteleiras de pequena dimensão, só nas duas maiores cidades, Madrid e Barcelona. Actualmente, à semelhança de Portugal, mas em menor escala, também em Espanha o pequeno alojamento está na moda. Muitas vezes, trata-se de casas de aldeia, com dois a cinco quartos, recuperadas por cidadãos estrangeiros, na sua maioria.

Em Portugal, nomeadamente em Lisboa e no Porto, o crescimento deste nicho de mercado foi tão acelerado e acentuado que o Governo viu-se obrigado a intervir. É que o denominado “Alojamento Local” estava a atingir números difíceis de gerir. As entidades competentes que regulam o sector não estavam a dar a resposta desejada, o que se reflectia na qualidade dos serviços prestados e no aumento do número de queixas por parte dos clientes e dos moradores das habitações vizinhas. Esta situação estava a denegrir a imagem do turismo nacional além-fronteiras.

Confesso que não estou a par do número de quartos de hotel que Macau oferece actualmente. Contudo, tendo em conta que o número de visitantes e as taxas de ocupação não páram de aumentar, é fácil concluir que são precisas mais soluções, para além da oferta dos grandes e luxuosos hotéis que ocupam as principais avenidas da Península e do antigo istmo entre a Taipa e Coloane. Se se aproveitar o legado histórico que foi sendo deixado por portugueses e chineses nos últimos 450 anos, há muito por onde escolher.

Volto a frisar que há edifícios com valor histórico que podem ser aproveitados, como, por exemplo, antigos armazéns, prédios que outrora serviram para acolher famílias de funcionários públicos, ou antigas moradias que infelizmente estão ao abandono ou em avançado estado de degradação.

Vi recentemente – penso que no Facebook – um “post” com a fachada de um pequeno prédio, na zona do Lou Lim Ieoc, que seria o exemplo ideal de uma unidade hoteleira de charme. Possivelmente, poderia vir a ter uns oito quartos, com vista para um jardim que todos bem conhecem, e sendo uma zona bastante central iria provavelmente atrair muitos interessados. Infelizmente, pelo “post” da autoria do jornalista Hugo Pinto, ficamos a saber que o edifício em questão teve um fim bem diferente: à semelhança de muitos outros, deu lugar a um novo prédio, sem qualquer valor acrescentado.

João Santos Gomes

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