Opinião

Grupo Arriva e outros quotidianos.

  1. Ainda há quem tenha o descaramento de afirmar que a má-educação e a desconfiança é toda nossa. Não, não é. Até somos um povo bem educado. É vê-los, aos turistas, assim como não querem a coisa, a passarem à frente dos residentes nas filas dos transportes públicos sem que estes – mansos – lhes travem o passo. O cenário é bastante comum numa das mais concorridas paragens da Costa de Caparica, destino servido pelo consórcio britânico Arriva, subsidiário da Deutsche Bahn, empresa alemã especializada em transportes públicos, e agora dona da TST – Transportes Sul do Tejo. Aproveitariam os boches, com este negócio, para dar vazão aos autocarros usados lá da terra deles que à nossa chegaram com os ares condicionados avariados e a suspensões estouradas. Já os vi circular com o visor indicativo do destino avariado e, como alternativa, essa fundamental informação impressa (quando não é rabiscada a lapiseira) numa folha A4 plastificada afixada ao vidro da frente. E isto, para não falarmos da já crónica falta de pontualidade. Há dias éramos umas sessenta pessoas a aguardar durante uma hora e meia a chegada de um autocarro que é suposto passar de vinte em vinte minutos. Quando pergunto ao motorista qual a razão do atraso, este ironiza. «Só uma hora!? Olhe, e eu estou aqui há duas horas e meia!». Digo-lhe então, enquanto mostro o bilhete recarregável, «desta não vez não pago», e ele encolhe os ombros: «faça como quiser!». Bem o entendo. Como todos os utentes, também o motorista é vítima de uma péssima gestão que confortavelmente se esconde atrás de uma dita “eficiência germânica” que não admite contestações.

 

  1. As pessoas de hoje são como a fruta no supermercado. Apodrecem antes de amadurecerem. E não é um apodrecer visível. É um apodrecer de dentro para fora que mantém a aparência luzidia e apetitosa. Valha-nos a areia infinita do deserto onde se replicam as estrelas. Aliás, o universo repete-se em tudo: da íris do olho humano à espuma das ondas do mar, como bem o demonstra em forma de história singela o “I Origins”. Gostei tanto deste filme que até lhe perdoou a descarada publicidade à “Mentos” e acessórios outros que permitiu aos autores arrecadar os fundos necessários a uma produção daquelas.

 

  1. Desloco-me aos Correios e deparo com apenas dois funcionários ao balcão. “Mau Maria”, penso para com os meus botões, imaginando um longo período de espera. Não me engano: são 46 minutos de seca. Ao chegar a minha vez aproveito para perguntar ao empregado se os CTT não têm mais funcionários. «Sim, têm», responde, «só que estamos na hora do almoço». Olho para o relógio: são 15 horas e 30 minutos. «Almoço? A uma hora destas?», pergunto. «Sim», replica, singelo, o dedicado funcionário, «hoje os colegas foram almoçar mais tarde». Pois. Desde que os CTT deixaram de ser meros correios para serem tudo e mais alguma coisa, é isto. Entrementes, eis que surge esparramada num plasma a J. de S. a promover um livro seu homónimo. Bem, ao menos poupa-se no título. Aproveita a dita para nos dizer que além de jornalista é também mulher (obrigado pelo esclarecimento; nos dias de hoje nunca temos bem a certeza) e que “o jornalismo entrou em mim” quando tinha apenas 18 anos. Incrível. Não a sabia de morada aberta. Juro que não.

 

  1. Portugal entrou definitivamente em decadência a partir do momento em que os portugueses começaram a passear os cãezinhos pela trela e deixaram de pisar a relva dos jardins, deixando-a intacta e verdejante para os excrementos e o mijo dos canídeos de estimação.

 

  1. Curiosamente, Portugal é o país da Europa com mais sol ao longo de todo o ano e aquele que menos painéis solares tem. E também aquele onde, em cidades como Vila Real, se abrem valas para colocar as condutas que levarão o gás a casa dos cidadãos antes de resolver o primordialíssimo sistema de esgotos e de canalização, inexistentes ainda, como se sabe, em muitos locais.

 

  1. Em Portugal não temos o termo “corrida na praia”, por isso dizemos “beach run”. Não temos o termo “festa de pôr-do-sol”, por isso dizemos “sunset party”. Não temos o termo “zona de recreio”, por isso dizemos “fun zone”, ou “fan zone”, como já vi escrito. Não temos o termo “objectos eléctricos”, por isso dizemos “gadgets eléctricos”. E por aí adiante. Argumenta-se que é tudo uma questão de tamanho. O inglês é mais conciso, dizem. Pois é. Somos tão pequeninos que nem espaço temos para nós próprios. Na senda das preciosidades raras, eis mais alguns exemplos de como se pode ir aniquilando uma língua sem sair de casa. Primeiro exemplo: no final de um jogo de futebol, o comentador diz-nos: “Vamos agora fazer um ‘brakezinho’ na transmissão e já voltaremos para vos mostrar os golos da partida”. Segundo exemplo: na sala de espera de uma policlínica, está escrito o seguinte numa folha A4: “É favor retirar o ‘ticket’ e aguardar a sua vez”. Como perguntava um leitor do Diário de Notícias, chamando a atenção para o vergonhoso tratamento da língua na legendagem de muitos programas televisivos: “é dada preferência à incompetência congénita ou à obtida por especialização?”.

Joaquim Magalhães de Castro

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