Entre memorizar e ser criativo
O maestro italiano Aurelio Porfiri, pouco antes de partir de Macau após sete anos de docência em estabelecimentos de ensino locais, deixou-nos o seu testemunho, entre outros assuntos, sobre o estado da Educação.
Ao Ponto Final teceu rasgados elogios aos seus alunos, em contraste com a mediocridade de alguns professores, que se protegem uns aos outros. Ao Hoje Macau, embora referindo que os alunos chineses são mais disciplinados do que os ocidentais, deu a entender que a passividade é um obstáculo à sua capacidade criativa. A’O CLARIM atestou que os métodos de ensino vigentes na RAEM não favorecem muitas vezes o florescimento da criatividade e da inovação nos estudantes, que também têm medo de errar, por isso preferem ficar quietos e não agir.
Nesta edição, em entrevista, o reitor da Universidade de São José (USJ), padre Peter Stilwell, admite que há alunos provenientes das escolas secundárias do território que ingressam na vida académica e sentem dificuldades de aprendizagem por causa dos métodos de estudo a que estavam habituados e – sobretudo na USJ – pelo domínio insuficiente da língua inglesa.
«É preciso motivá-los a ser criativos e interactivos, porque muitas vezes têm uma atitude um pouco passiva – dizem-me os professores – na maneira de estar diante da leccionação. Penso que faz parte das limitações das escolas em geral aqui em Macau», refere.
Quem vive no território há mais de uma década, como é o meu caso, terá tendência para moldar o seu pensamento de acordo com alguma aculturação ao meio em que está inserido, de modo que ficará tentado a pôr “paninhos quentes” nas abordagens que faz sobre temas tão sensíveis, como, por exemplo, o sistema de ensino vigente nas escolas primárias e secundárias de matriz chinesa.
Todavia, se abordarmos o problema de forma séria, descortinamos algumas verdades incómodas, não só para a nossa maneira de pensarmos, como para quem não perfilha o “background” ocidental.
Exemplos
Pelo que fui observando nos meus anos de vivência na Ásia, cheguei à conclusão que a falta de criatividade e o medo de errar nos alunos que frequentam as escolas de matriz chinesa do ensino não superior em Macau são duas características transversais ao que acontece em Hong Kong, na China continental, no Japão, na Coreia do Sul e na Tailândia, entre outros países asiáticos.
A razão é simples: perder a face é uma questão cultural! Por isso, também é difícil vingar qualquer tipo de modelo ocidental neste tipo de escolas. Certamente será algo que não afecta a Escola Portuguesa de Macau e a School of the Nations, ambas de cariz internacional.
É também algo que não afecta o sistema de ensino não superior nas Filipinas, essencialmente por razão históricas, porque a influência ocidental remonta ao século XVI, sendo iniciada com a colonização espanhola, o que moldou sobremaneira a cultura e o pensamento dos nativos, sem esquecer a sua forma de escrever.
Já o Império do Meio, o Japão, a Coreia e a Tailândia (antigo Reino do Sião) foram nações que durante séculos estiveram isoladas do Ocidente, pois viam os ocidentais com desconfiança, impedindo assim qualquer espécie de influência vinda do outro lado do mundo. No caso da Tailândia, nunca foi colonizada por qualquer potência ocidental, daí ainda hoje primar o respeito que os mais novos devem ter pelos mais velhos, sendo esta uma prática cultivada nas escolas, razão pela qual é de mau tom adoptar qualquer atitude – diria – “desafiante”.
O caso de Macau
Embora tenha sido um território administrado por Portugal ao longo de quase quatro séculos e meio, a verdade é que a língua portuguesa nunca se impôs na comunidade chinesa de Macau. E quem conhece bem as especificidades dos caracteres chineses sabe muito bem que o método de ensino está voltado para a aprendizagem mecânica. Ou seja, para o trabalho de memória. Por isso, todas as outras situações tendem a ser vistas a partir desta perspectiva, descurando-se a criatividade e a acção.
Admito que seja difícil reverter a situação, mas se olharmos para os exemplos de responsáveis da Administração local com medo de tomar decisões, é preciso ter em mente o que realmente deve ser feito, porque muitos estudaram em escolas locais de matriz chinesa. É verdade que alguns prosseguiram os estudos académicos no estrangeiro, mas quando regressaram ao território não ultrapassaram, pelo menos na vida profissional, o espectro da não acção.
Trata-se, efectivamente, de algo que começou em tenra idade na escola, onde passaram parte da vida, ainda em fase de crescimento, sendo bastante susceptíveis aos valores incutidos pelo modelo educativo.
Não é minha pretensão afirmar que o modelo ocidental é fantástico e o asiático não presta, porque também noto haver muitas falhas no primeiro. Apenas sustento que o asiático diz respeito a países com personalidade própria em termos de identidade nacional, cultural e histórica. O ideal para Macau, como “cidade internacional”, seria aliar o que ambos os modelos têm de melhor por forma a tentar elevar ainda mais o nível educativo das crianças que frequentam as escolas chinesas. Até porque o futuro deste território passa inequivocamente por elas!
PEDRO DANIEL OLIVEIRA