Olhando em Redor

Nova Revolução Cultural

No meu tempo de criança, quando residia em Portugal, tive a oportunidade de assistir à série “Os novos heróis de Shaolin”, que passou na RTP entre 1986 e 1987. Apesar de ser uma produção de Hong Kong, o enredo transportou-me para uma China imaginária (porque nada dela conhecia), onde na flor da minha inocência a solidariedade e cumplicidade entre pessoas com ideais comuns levaria a um “mundo melhor”, numa luta do bem contra o mal.

Embora sem ter consciência disso, pois estava longe de saber que o meu destino seria viver no continente asiático, sei agora que terá sido por tamanha infelicidade que não houve continuidade neste tipo de “aculturação” televisiva sobre o Império do Meio.

O que entrava lá em casa era, essencialmente, desenhos animados japoneses, americanos e produções franco-japonesas, entre as quais, “Conan, o rapaz do futuro”, “He-Man”, “Ulysses 31”, “Era Uma Vez… o Espaço” e “Tartarugas Ninja”, sem esquecer as séries americanas “Battlestar Galactica”, Espaço 1999”, “Buck Rogers no Século 25”, “MacGyver”, “Soldados da Fortuna” e “O Justiceiro” (do famoso Kitt), entre outras.

A poderosa indústria de Hollywood moldou sobremaneira a minha forma de pensar desde a infância até à idade adulta, ao impregnar-me com estereótipos desajustados da realidade. Um claro exemplo foi saber que houve uma guerra no Vietname e pensar que os Estados Unidos saíram vencedores, quiçá pelo que me ficara gravado na memória sobre os filmes “Rambo II” e “Bom Dia, Vietnam”, magistralmente interpretados por Sylvester Stallone e Robbie Williams, respectivamente.

Todavia, descobri mais tarde que os soldados americanos tiveram uma humilhante derrota no Vietname (e foram os principais responsáveis pelo florescimento do maior centro de prostituição no mundo, em Pattaya, Tailândia).

Quando vi pela primeira vez “Rambo II” e “Bom Dia, Vietnam”, tinha entre 14 e 16 anos, pouco conhecia o mundo e nada sabia da China… a não ser pelo que visionava nuns filmes de “kung-fu”, em cassete “Beta”, que um amigo ex-imigrante na África do Sul me emprestava de vez em quando.

 

Volte-face

A República Popular da China é hoje uma importantíssima potência mundial com grande peso na Comunidade Internacional. Lidera muitos sectores à escala planetária e tem o seu programa espacial, inclusivamente com missões tripuladas, sendo o terceiro país a levar uma sonda à Lua, depois da ex-União Soviética e dos Estados Unidos.

Atingido este desiderato com reconhecido sucesso, falta à China dar-se a conhecer ao mundo na vertente cultural, o que numa primeira instância só pode ser conseguido através da poderosíssima indústria cinematográfica e da televisão.

Neste âmbito, não é descabido se se fundar uma espécie de Hollywood algures em Pequim ou Xangai, com mega produções financiadas por capitais nacionais para servir o mercado internacional, sobre as quais o resto do mundo terá a oportunidade de conhecer vários aspectos ainda desconhecidos da milenar civilização chinesa.

Neste projecto convinha não descurar as películas de teor contemporâneo, tendo como protagonistas actores ocidentais, alguns conhecidos do grande público. Por fim, seria primordial se a China criasse os seus próprios heróis, alguns deles ocidentalizados, por forma a jogar uma grande cartada de afirmação mundial. Até porque já todos conhecemos o Homem Aranha, o Batman, o Super-Homem, o Iron Man…

Aliada a toda esta megalomania com pernas para andar, Pequim não deve nunca descurar a promoção da sua identidade cultural, através da divulgação do que melhor tem na arte, na música e noutras vertentes culturais. A razão é simples: estando o público mundial melhor consciencializado sobre a China, certamente estará mais interessado em descobrir o seu lado mais cultural.

Trata-se, afinal, de se dar a conhecer com toda a legitimidade, sem impor ditames económicos, o que em último recurso vai trazer-lhe ainda mais dividendos no exterior, por exemplo, em detrimento da desconfiança sobre a RPC que ainda paira na cabeça de muitos ocidentais (e não só) a viver no outro lado do planeta.

Uma nota: O filme “The Bombing”, mega produção chinesa sobre a II Guerra Mundial, tendo Bruce Willis como estrela de cartaz, deve ser aproveitado pela China para se posicionar na vanguarda da indústria cinematográfica. Assim tenha o ensejo de fazer boa arte!

 

Macau

Macau deverá ficar descartada de qualquer papel primordial que tenha em vista o estabelecimento de uma indústria cinematográfica chinesa a pensar no mundo. A razão é simples: a ilha da Montanha está voltada para outros empreendimentos e a RAEM não só luta com falta de espaço, como tem grande défice de sensibilidade cultural (salvo algumas excepções).

Cumulativamente, será descabido sediar no território uma hipotética associação cultural dos países Lusófonos, à imagem do Fórum Macau para as vertentes económica e cultural.

Apresento duas razões de monta: 1 – A cultura nunca pode ser usada como “soft power” pela China, sob pena de estar a perder tempo com o que é importante. 2 – A liderança na cultura deve ser estritamente gizada e supervisionada pelo Governo Central, em Pequim. Macau pode e deve, isso sim, partilhar responsabilidades na promoção cultural com a lusofonia.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

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