Os tigres e as moscas
A percepção sobre as coisas passa muitas vezes ao lado das pessoas, seja porque a memória é curta ou porque não estão em Macau há tempo suficiente para conhecer as diferenças entre o passado e o presente.
Tenho notado que neste pequeno território muito tem sido feito para dignificar a vida humana, sendo parte desse trabalho repartido pelo Governo e pela Assembleia Legislativa.
Um flagrante exemplo está relacionado com a Lei N.º 6/2008 sobre o “Combate ao crime de tráfico de pessoas”, porque após a entrada em vigor desta norma legal deixaram de existir bordeis a céu aberto em vários pontos da cidade, dois dos quais na traseira do Hotel Lisboa e na Rua de Xangai (em zona contígua aos hotéis Landmark e Emperor).
Apesar de progressos vários, a vida em sociedade tornou-se mais penosa, ou não tivessem as oligarquias bastas vezes a complacência não só dos três anteriores Executivos da RAEM, como também da maioria dos deputados da Assembleia Legislativa. Pequim mudou muito desde a meia-noite do dia 19 de Dezembro de 1999, data em que passou a vigorar a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau.
Em suma, as mentalidades caciquistas deste pequeno território teimam em não amar a pátria, pois ao olharem para o próprio umbigo sem qualquer tipo de veleidades nada mais fazem do que delapidar o pouco que nos resta de apego a esta terra que, queiramos ou não, tem sido o garante da unidade entre povos, além de constituir a ponte (muitas vezes desaproveitada) entre o Oriente e o Ocidente.
Não tenho dúvida que a Mãe-Pátria, complacente com as infantilidades da sua bebé – leia-se, Macau – tem feito da paciência a sua melhor virtude para incutir alguma disciplina a quem ainda está em fase de crescimento. Também como qualquer estremada mãe, em tempo oportuno a RPC saberá puxar-lhe as orelhas de modo a zelar pela estabilidade do lar.
Apesar da postura adoptada pela mãe, a bebé tem sido uma grande marota que, de partida em partida, parece não olhar para o braço acolhedor da progenitora. Trocando a coisa por miúdos, é facto inequívoco que há corrupção no seio da Administração Pública. Tal já existia durante a Administração Portuguesa, tal continuou após a passagem de testemunho.
Se os tempos eram outros, agora são diferentes, pois a consciencialização das sociedades a favor de políticas mais justas, fruto dos acontecimentos globais com impactos em muitos países, tornou completamente inconcebível, para não dizer aberrante, que meros bandalhos sem escrúpulos minem a vida de sociedades que têm tudo para ser bastante mais prósperas.
No caso de Macau, face à confortável almofada proveniente das reservas cambiais, não sei se as injustificáveis dificuldades que têm afectado a população das classes média e baixa, afinal o grosso da sociedade, estão relacionadas com a incompetência, com a má governação, com a corrupção ou com a interligação entre algumas destas variantes.
Sei, porém, que é extremamente nefasto para a estabilidade social que persistam assimetrias tão gritantes, o que também me faz pensar numa outra vertente: não haverá em Macau melhores líderes que consigam levar por diante este território que tem tudo para ser um grande exemplo para a República Popular da China?
Devido ao exponencial encaixe financeiro resultante da indústria do Jogo, o Governo da RAEM ainda não conseguiu resolver os problemas estruturais que prejudicam a vida da população de forma tão persistente, como são os casos da rede de transportes públicos, da poluição atmosférica, da Saúde e do sector imobiliário (público e privado), entre outros.
Referi há pouco: “é facto inequívoco que há corrupção no seio da Administração Pública”, razão pela qual têm sido veiculados na Comunicação Social casos a envolver funcionários públicos que são encaminhados pelo Comissariado Contra a Corrupção para o Ministério Público.
Para quem muito critica o Poder Central de ingerência nos assuntos internos da RAEM, fica aqui bem patente que não têm havido interferências ou pressões à margem da Lei Básica, porque se vigorasse por aqui a política anti-corrupção, tal como existe na RPC, estou certo que Macau não andaria apenas a combater as moscas.
Nesta linha de ideias, pergunto: Para além dos tigres do sector privado, haveria feras a cair em desgraça no sector público? Deixo a resposta à consideração do prezado leitor.
Frustração
A vida de jornalista é tão ingrata, como gratificante. Ingrata porque por vezes sabe mais do que era suposto saber, pelo menos na óptica do(s) visado(s). E gratificante porque em situações muito específicas, pela sua intervenção, tem o condão de mudar o rumo dos acontecimentos para melhor, assim tenha arte e engenho para tal.
Em jeito de conclusão, sem estar a tecer qualquer tipo de crítica a camaradas de profissão, não tenho a faculdade de mudar a sociedade, pois não habita em mim a veleidade de me posicionar ao nível do supra-conhecimento. No entanto, é muitas vezes frustrante saber que Macau podia ser bastante melhor, não fosse a condição humana aqui predominante ser tão desprovida – na sua generalidade – de valores apregoados pelo Catolicismo, pelo Budismo e pelo Confucionismo.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA