Papa Francisco em Macau
«Se dependesse de mim, estaria na China amanhã mesmo», terá dito o Papa Francisco a três leigos argentinos que o incitaram a visitar a RPC. No encontro estiveram ainda presentes o secretário de Estado do Vaticano, o cardeal D. Pietro Parolin, e o encarregado das Relações com os Estados, o bispo D. Dominique Mamberti.
E foi nessa tarde que o chefe da Igreja Católica decidiu convidar o Presidente Xi Jinping para uma visita a Roma, na medida em que também ficou assente que iria comunicar-lhe a vontade de visitar o país mais populoso do mundo.
Há claros sinais a indicar que é possível visitar a China, porque o Papa não tornaria algo público sem primeiro verificar, através dos apropriados canais de comunicação, se poderia ou não concretizar a sua intenção.
Outro sinal bastante importante de aproximação – a China e o Vaticano não têm relações diplomáticas desde 1951, após o Papa Pio XII excomungar dois bispos chineses rejeitados pela Santa Sé – aconteceu em Agosto último, quando Xi Jinping autorizou o Papa Francisco a sobrevoar o espaço aéreo chinês para chegar à Coreia do Sul.
Do lado da China não houve ainda resposta ao convite, o que parece ser um bom sinal. Depreendo que o Presidente Xi Jinping não tenha intenção de se deslocar ao Vaticano, especialmente quando o resto do mundo quase que se ajoelha perante a RPC.
Também duvido que o Papa Francisco vá a Pequim, porque a deslocação poderá trazer obstáculos imprevisíveis para a Igreja Católica no continente chinês. A alternativa mais viável para ambas as partes é realizar o encontro em local neutro, em Hong Kong ou Macau.
A primeira hipótese está descartada por razões óbvias, até porque imperam tempos pouco pacíficos na antiga colónia britânica, em virtude da Revolução Guarda-Chuva. Também o sentimento anti-Pequim de uma considerável franja da população da RAEHK deverá pesar na hora de se escolher o local mais indicado para a visita papal.
Resta Macau, que ao longo dos séculos tem vindo a fazer a ponte de culturas entre o Oriente e o Ocidente, num pequeno território onde a sociedade é bem mais tolerante.
Hong Kong e Macau são mesmo duas realidades completamente distintas, por isso não vale a pena pô-las no mesmo saco, como por vezes os ditos iluminados da sapiência política adoram fazer, e que só revelam um profundo desconhecimento da História de ambos os territórios.
Em suma: não tenho dúvidas que se o Papa Francisco visitar a China será em Macau, não no próximo mês, mas numa data posterior à vinda de Xi Jinping à RAEM.
A possível visita do Sumo Pontífice deve ainda ser aproveitada para ir às Ruínas de São Paulo, no local onde funcionou o Colégio e a Igreja de Mater Dei. Por aqui passaram jesuítas de grande craveira intelectual, tais como Matteo Ricci, Michele Ruggieri, Duarte de Sande e Tomás Pereira, entre outros que se serviram de Macau para porta de entrada para a China continental.
Quanto à razão pelo interesse nas Ruínas de São Paulo, o Papa Francisco é jesuíta e partilha o sonho de Matteo Ricci, no abrir de portas da Grande China ao Catolicismo.
Expectativa
Uma prova de que as conversações entre a China e o Vaticano estão a decorrer é o facto de, segundo o jornal Global Times, a Associação Patriótica Católica Chinesa (APCC) ter proposto à Santa Sé a possibilidade de rever em conjunto a nomeação dos bispos chineses.
Em cima da mesa estão várias hipóteses, entre as quais destaco aquela em que a APCC, dependente do Partido Comunista Chinês, possa eleger de forma preliminar os candidatos a um determinado bispado e seja o Papa a fazer a escolha definitiva depois da triagem.
A RPC não permite a nomeação do Vaticano, sob pena de considerar que a influência de outro Estado em altos cargos chineses é uma interferência nos assuntos internos do País.
Espera-se uma resposta do Vaticano no início de 2015 e o que ficar decidido pode impedir, ou não, o desejo do Sumo Pontífice em visitar a China, mas o Papa também poderá querer discutir pessoalmente com Xi Jinping os dossiês mais quentes que impedem a aproximação entre os dois Estados.
Convém tecer um paralelo com a decisão de Pequim para que o Chefe do Executivo de Hong Kong seja eleito por sufrágio universal directo em 2017, num modelo em que as candidaturas carecem de aprovação prévia de um comité de selecção onde a China tem o voto decisivo.
Quem conhecer a História da China, desde a Dinastia Qin, percebe que houve muitas rebeliões e consideráveis divisões territoriais ao longo dos séculos. O espectro de separatismo é ainda hoje evidente, por exemplo, na província de Xinjiang. Tratando-se de um país com uma vastíssima extensão territorial é compreensível e legítimo que o Poder Central tenha como preocupação essencial a integridade das suas fronteiras terrestres (e marítimas).
No entanto, a Igreja Católica não está ao serviço das nações ocidentais, mas sim de Deus. Há que construir uma base sólida de diálogo e de entendimento, sem descurar a milenar civilização chinesa. No fundo, tudo passa por recuperar a fórmula de Matteo Ricci, mas adaptá-la sempre aos tempos modernos.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA