Boa gastronomia, já!
É sempre um grande prazer quando me sento à mesa de algum restaurante português em Macau e fico com o sentimento de que valeu a pena a quantia que paguei pelo que comi. Infelizmente, a sensação que ultimamente tenho, na generalidade, é que os preços estão cada vez mais altos e a qualidade do serviço, ou do que me chega à mesa, tem decaído a olhos vistos.
Alguns proprietários com quem tenho falado ao longo dos últimos dois/três anos escudam-se – cumulativamente ou não – no aumento das rendas (para quem não é dono do espaço), na subida do preço dos géneros alimentícios, na dificuldade em obter mão-de-obra importada ou no facto dos produtos confeccionados – galinhas, batatas, vegetais, carnes e marisco, entre outros – serem muitas vezes provenientes da China continental, razão pela qual o paladar é substancialmente diferente do que encontramos em Portugal.
Se há que dar a mão à palmatória sobre algumas dificuldades que afectam particularmente os seus restaurantes também entendo que numa ou noutra situação mais não fazem do que atirar areia para os olhos.
Há dias fui jantar com dois amigos ao Clube Militar, por altura do “Festival de Gastronomia e Vinhos de Portugal”, organizado pela vetusta agremiação, e tive oportunidade de provar vários pratos do “chef” convidado, José Júlio Vintém, assistido pelo “chef” Francisco Pires.
De imediato, destacou-se o paladar tipicamente português do que fui saboreando e por isso pensei que até tivessem trazido alguns ingredientes de Portugal para abrilhantar os pratos, visto serem conhecidas as disparidades de sabores, por exemplo, entre a batata portuguesa e a chinesa. Debalde, pois foi tudo confeccionado com produtos, ou ingredientes, da Ásia.
Percebi então que o segredo passou por respeitar os pontos de cozedura, por não saltar etapas na confecção dos alimentos, por utilizar ervas aromáticas e empregar técnicas simples, mas eficazes, que emprestassem aquele sabor tipicamente português aos pratos. Ou seja, o sucesso assentou num misto de exigência e disciplina.
É certo que nenhum restaurante de cozinha portuguesa em Macau pode actualmente ter a pretensão de se equiparar ao que de melhor existe em Portugal. Contudo, os que há não deixam de ser embaixadores do melhor que temos para oferecer ao mundo: a gastronomia.
E quando prestam um mau serviço, seja porque o cozinheiro chinês, ou filipino, é mal pago e está pouco motivado para dar o seu melhor, seja porque o Gabinete de Recursos Humanos constitui um grande entrave ao recrutamento de mão-de-obra importada, que é bastante necessária para atender às especificidades e exigências de um restaurante do género, é toda a imagem de Portugal, ou da comunidade aqui sedeada, que fica em causa.
Para atalhar, é inconcebível – já para não dizer imoral – que qualquer restaurante dito português sirva batatas fritas previamente congeladas, porque a nossa gastronomia tradicional não tem nada disso.
Se é para dar menos trabalho aos cozinheiros ou para rentabilizar o negócio estão a dar um terrível exemplo! E não serve de desculpa o facto das batatas virem da China, como também é inconcebível que utilizem boa batata para fazer puré, mas que não servem para fritos.
Há, pois, que fazer a triagem ao tipo de batata chinesa que mais se adequa ao paladar da gastronomia portuguesa e – consoante as receitas – usar os temperos de forma adequada, bem como os pontos de cozedura ou de fritura.
Tendo em mente que Macau importa cada vez mais produtos portugueses e que a maior parte da nossa culinária vive à base do refogado, é ainda necessário um bom azeite – e não qualquer um – sendo também primordial a utilização da flor de sal.
Por outro lado, olhando para certo tipo de restaurantes asiáticos a operar no território, dos quais não escapam os chineses, por vezes com gastronomia aquém do desejável, mas com vasta mão-de-obra proveniente da China continental, noto haver grande disparidade de tratamento em relação a muitos restaurantes portugueses, o que soa a autêntica discriminação.
Apenas uma nota: Quando me refiro a restaurantes, incluo também os estabelecimentos de comida, porque se a designação é diferente, o funcionamento dos respectivos espaços é bastante idêntico.
Nota alta
O “Café Lisboa”, na Taipa, tem dado ao longo dos anos um excelente exemplo na relação preço, atendimento e qualidade gastronómica. O “Café Xina”, de Afonso Carrão Pereira, que teve o “Afonso III”, mas foi obrigado a mudar de local por causa do preço exorbitante das rendas, é o melhor exemplo que encontro na vertente preço, excelente paladar e quantidade do que serve aos clientes.
Também o “Miramar”, em Coloane, prima pelo bom serviço e pela relação entre a qualidade e a quantidade das doses. Por fim, nota bastante positiva para “A Baía”, de Constantino José, embora quem lá vá perceba de imediato que a casa se debata com falta de mão-de-obra importada para colmatar as especificidades do negócio.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA