Refugiados: oportunidade para a Europa? (II)
O FMI diz que sim, num relatório de Janeiro que agora li: muitos países crescerão com o contributo dos refugiados, o que é uma pedra no charco para os que sentem mais o bolso do que o coração, em escolhas essenciais da vida.
A resposta política à crise dos refugiados tem a ver com tudo isso. E desde logo com a gestão dos níveis de tolerância ao estrangeiro, e com a sua linha vermelha que é a generalização dos episódios de xenofobia.
Mas, para alguns avisados demógrafos pelo menos, considerações outras vêm entroncar no discurso das lideranças: a Europa é hoje um continente em declínio demográfico, por razões que se conhecem e cuja mera invocação não deixa de colocar um grande ponto de interrogação nas escolhas feitas logo a seguir ao primeiro impulso do “baby boom”, no pós-guerra: declínio voluntário do número de filhos, preferência por carreiras em vez da fundação de famílias, nomeadamente pela insuficiência do salário de um só cônjuge, imposta pela rápida urbanização das populações rurais etc., etc.
Podem os refugiados, no plano do déficit demográfico, constituir, pelo menos, um paliativo a uma Europa que envelhece sozinha e sem filhos? De qualquer modo, o acréscimo de número de crianças torna-se agora um imperativo de sobrevivência à escala continental, tanto para apoiarem, na altura própria, os mais idosos, como para se quotizarem, assegurando a subsistência financeira dos diferentes sistemas de protecção social.
Europa: laboratório do extremismo ou do Islão
Este é um ponto que constitui o teste decisivo ao modo como os refugiados são e serão vistos na Europa, agora, no médio e no longo prazo.
Será o velho continente, a partir deste dado novo de gente oriunda de um Médio Oriente radicalizado, brutalizado, violentado, um laboratório do extremismo ou do Islão moderado?
Deixar-se-ão as sociedades europeias, compostas de gente pacífica e a viver num conforto acima do de outras partes do mundo, sequestrar por uma minoria que quererá protagonizar o jihad mais violento, como aconteceu no centro parisiense ou no aeroporto bruxelense?
Conseguirão minorias radicalizadas impor a sua lei a sociedades inteiras que se orgulham de outro percurso histórico, gerador de outros valores?
A resposta, óbvia para mim, tem que ser dada pelo vigor das instituições democráticas. Integrando, com sinceridade e generosidade gente pacífica – e punindo com severidade todos os outros.
Se as sociedades democráticas estão numa encruzilhada, ou vencem o desafio do seu aprofundamento ou perecem. Caindo nas mãos de mais uma geração de iluminados, como há um século, “génios” que chegam ao poder para decidir por todos nós, em vez de nós. Mesmo a guerra. Raramente a paz, a menos que esta lhes imposta pela derrota, milhares de concidadãos mortos, mais tarde.
A democracia é a coexistência positiva da pluralidade. E num continente que reúne as antigas metrópoles de antigos impérios coloniais, tal pluralidade não pode ser negada nem recusada, sob pena de se estar a defender ainda hoje, reactualizando-a, a tese sinistra da superioridade racial, expressa no “pesado fardo do homem branco”, a que o destino ou os deuses assinalaram a ingrata missão de iluminar as mentes e os corações dos outros povos, submersos na noite multi-milenar da ignorância.
E porque tal pluralidade não pode ser recusada, sempre me pareceu estreito e preconceituoso, para não dizer pior, o discurso das direitas europeias, de defesa de uma europeinidade pura, ainda por cima cortada às fatias pelos diversos nacionalismos, uns pelos vistos mais puros do que outros, como num grande bolo inglês.
Nas primeira e segunda guerra mundial, os fogões sobreaquecidos queimaram não só a cozinha, mas a casa toda…
Tal pluralidade cultural, étnica, religiosa, não significa para mim, nem nunca significou, um passar da esponja pelo génio de cada povo, pelas instituições que cada um criou no decurso de histórias nacionais feitas de grandeza… e de baixeza, como é próprio do caminho encetado por cada ser humano e cada comunidade.
O que a História Europeia Comparada e o conjunto das ciências sociais e humanas hoje permite compreender melhor, quase sem preconceitos políticos, nacionalistas ou ideológicos, é o percurso de cada povo europeu, nos seus condicionamentos múltiplos, desde a psicologia colectiva, ao peso das tradições, desde a natureza das lideranças às soluções impostas aos liderados.
É este desarmamento nacionalista, em muitos aspectos benquisto e necessário à paz, que as actuais correntes da direita europeia querem enterrar, recomeçando ciclos que foram fautores de sofrimento, luto e sangue, em duas das maiores tragédias da História Humana.
Prefiro sinceramente que Merkel e Hollande discutam a dívida grega do que, sob suas ordens, os respectivos exércitos voltem a dirimir, aos tiros e com bombas, a questão de saber a quem pertence a Alsácia Lorena…
É a sua vez, Mr Khan
O grande desafio da União Europeia não é hoje tanto o de criar sopas dos pobres e alojamentos provisórios para os refugiados, mas integrá-los verdadeiramente, num continente que os absorverá sem grandes dificuldades, se houver vontade política para isso, suficientemente motivadora das acções essenciais da sociedade civil.
E neste contexto parece interessante a eleição, por exemplo, do primeiro “mayor” muçulmano de uma grande capital europeia, Londres, o Senhor Sadiq Khan.
Tal eleição, como tive o ensejo de referir noutro jornal, abre a porta a um melhor entendimento das necessidades das minorias, o que não deixará de influenciar as estratégias mais apropriadas de integração.
De uma maneira mais geral, a chave do sucesso de qualquer política de integração reside na proximidade a tais comunidades de um voluntariado activo de base que ensine aos recém-chegados o uso de instituições e práticas sociais indispensáveis à cidadania. Porque é disso que se trata. De cidadania.
Carlos Frota
Universidade de São José