Uma singular mensagem da Páscoa
Poderá pensar-se que o título desta crónica está já atrasado, mas ver-se-á rapidamente que não… Aposto!… como dirão os que nunca apostam em nada.
Pois surpreendi-me há dias quando vi e ouvi um vídeo com a mensagem pascal aos seus concidadãos de David Cameron, o Primeiro-Ministro de Sua Majestade a Rainha do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.
Sem ambiguidades, o chefe do Governo de Londres assumiu que os fundamentos históricos do seu país fazem-no um país cristão, não apenas no plano sociológico, mas no plano da vivência da Fé, sendo pois natural que comungasse com todos os crentes a alegria da Ressurreição de Cristo. Isto mesmo. Nem mais, nem menos (cálculo político – pensei eu – música pré-eleitoral para os sectores mais conservadores… Mas que o disse, disse!).
Quando vi e ouvi tal declaração inicial, imaginei logo as vozes do secularismo cego da continental Europa, de França sobretudo, a que anda a pregar há dois ou três séculos as virtudes do Racionalismo, na suposição de que ser ateu é ser inteligente. É a única maneira de ser inteligente…
Pois com a minha – não – inteligência prossigo, porque ouvi mais. Ouvi a defesa da acção social da Igreja (Anglicana que seja, não me incomoda um segundo, pois a concorrência no fazer bem é uma coisa óptima !); e do modo como muitos dos seus concidadãos britânicos se identificam com a Igreja, para forjar laços de uma solidariedade autêntica, o único cimento de sociedades vivas e bem integradas.
E – habilidade das habilidades – não senti a menor beliscadura ao principio da liberdade religiosa e ao respeito devido a outros crentes, de outras crenças.
A História não se escolhe, há que assumi-la, como as pessoas assumem a família ou o apelido que igualmente não escolheram.
As raízes da Grã-Bretanha estão no Cristianismo, disse Cameron. E depois?
Depois, o Reino Unido repudia a perseguição dos cristãos do Médio Oriente e exprime solidariedade concreta com eles. E o chefe do Governo de Londres descreveu acções a tomar ou já tomadas, no quadro da ajuda internacional aos refugiados dos diversos conflitos do Médio Oriente e de África.
Por esta atitude, direi como os deputados de Westminster: “yeehh!”
E – campanha eleitoral ou não – ocorre-me o vocábulo decência para qualificar esta atitude. A contra corrente…
A memória que resta
Uma noite, quando estudante em Coimbra, tinha eu dezoito ou dezanove anos, fui ver ao Teatro Gil Vicente uma peça de teatro japonês, o celebérrimo teatro noh.
Não percebi patavina. E saí desesperado de aborrecimento dessas três horas de tortura, com a certeza de que fingir de intelectual tinha os seus custos.
Se a liturgia da Semana Santa fosse apenas espectáculo cénico, estou certo de que seria uma outra edição do teatro noh.
Mas acontece que cada gesto e cada palavra, cada cântico e cada cor dos trajos dos “actores” desse grande drama litúrgico da Paixão e Morte de Cristo está carregado de significado.
Daí o silêncio do recolhimento, impregnando de uma densidade muito espacial as naves da grande basílica.
Revejo o Papa deitado no chão, perante a cruz, numa atitude de absoluta anulação pessoal. Diante dele o grande mistério que é o cerne mesmo da Fé.
Mas foi fora da basílica, numa das prisões de Roma, que o sentido da mensagem foi mais chocante: a cerimónia do lava-pés.
Ver o Papa prostrado perante pessoas condenadas por diversos crimes, reeditando o mais humilde dos gestos, o de servir sem esperar recompensa, é talvez dos momentos mais fortes, em termos humanos, sublinhando a contradição insanável entre a tradicional magnificência do seu cargo e a humildade ligada ao sentido mais verdadeiro da sua missão.
As cerimónias da Semana Santa são, em cada ano que passa, uma magnífica lição de política… ao contrário. Porque recordam a finitude do homem e de tudo o que ele produz. A transitoriedade do caminho de cada um. A vacuidade das glorias que acabam todas da mesma maneira.
De uma improvável peça de teatro noh, as cerimónias litúrgicas da Semana Santa convertem-se afinal numa magnífica lição de vida.
A geografia dos conflitos
A geografia do ódio e do horror, com os cristãos decapitados em terras que proclamam a fraternidade.
Vejo-me a regressar ao passado dos bancos da escola e a apontar com o dedo, agora nos mapas da Internet, não já os países e as capitais, como antigamente quando andava a soletrar o mundo, mas mais sinistramente os lugares dos conflitos por esse planeta fora.
As regiões, os países, as vilórias e povoados onde se mata e se morre… pelas mais variadas razões… todas justificáveis, naturalmente: do ponto de vista de quem as justifica!
E à medida que avanço nessa viagem virtual, tropeço com as peculiaridades de um mundo bizarro: fronteiras que não deviam existir e existem; povos que não deviam estar separados e estão; etnias que se guerrearam no passado e hoje constituem nações bem integradas; e outras exactamente o seu oposto… etc. etc.
Mas há uma mensagem para mim óbvia: a Terra Santa para muitos, o Médio Oriente, precisa de agentes da paz e da reconciliação, cujos antecessores não tiveram aliás carreiras pacíficas.
Falei de alguns deles noutro jornal, há dias: morreram crivados de balas pelos extremistas de todos os campos.
Se a História é uma grande doente, crónica, rabugenta e má, é preciso encontrar médicos e terapêutica. Já!
Carlos Frota
Universidade de São José