O CLARIM no 101º Aniversário das Aparições de Fátima

D. John Tong, Andrea Bocelli e um navegador solitário.

No passado dia 13 de Maio fez um ano que o Papa Francisco visitou Portugal e esteve em Fátima como peregrino. Este ano, no início das celebrações dos 101 anos das Aparições, não poderiam deixar passar em claro esse acontecimento. Mas, como sempre, o programa foi mais, muito mais, do que a lembrança da passagem do Sumo Pontífice pelo altar do mundo.

Para além do ambiente festivo, o facto da data ter recaído num fim-de-semana ajudou a que a multidão fosse maior. Não há números oficiais e esses são sempre discutíveis. Basta dizer que todos os parques de estacionamento, e são treze em redor das basílicas – cada um com capacidade para alguns milhares de veículos – estavam todos lotados antes do início da tarde do dia 12.

Desde que chegámos a Portugal já fomos por diversas vezes a Fátima, especialmente nos dias festivos. Faltámos no ano passado, na visita do Papa Francisco, por motivos de saúde e por recearmos levar a nossa filha para um ajuntamento tão grande. No entanto, este ano não foi muito diferente. Não estávamos à espera do mar de gente que inundou a Cova da Iria. O recinto do Santuário esteve a “rebentar pelas costuras”, como se costuma dizer na gíria.

As imagens televisivas impressionavam, dando especial relevo às velas que os peregrinos seguravam durante a celebração religiosa do dia 12, comummente apelidada por Procissão das Velas; ocasião em que a estátua de Nossa Senhora de Fátima é retirada da capelinha e transportada em ombros até ao altar da Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, onde fica a “presidir” às cerimónias religiosas até à Procissão do Adeus, no dia seguinte, quando regressa ao seu local original.

É habitual deslocarem-se grupos organizados de peregrinos dos mais variados cantos do mundo. Havia grupos de Timor-Leste, Japão, Malásia, Filipinas, Coreia do Sul, de diversos países da América Latina, Estados Unidos, e de alguns países de África, com forte incidência dos países lusófonos. Da Europa marcaram presença grupos de peregrinos de quase todos os países, especialmente do Leste Europeu. Oficialmente foram registados 140 grupos.

Para nós a maior surpresa foi o facto da cerimónia deste ano ter sido presidida por uma pessoa que conheço pessoalmente. Não privei muito com ela, mas tive a oportunidade de a encontrar algumas vezes durante os anos que vivi em Macau. Falo do cardeal D. John Tong, bispo-emérito da diocese de Hong Kong. Foi-me apresentado pelo seu padrinho de crisma, o muito saudoso e grande amigo D. Domingos Lam, durante uma visita que efectuei a Hong Kong. Na época, D. John Tong era ainda bispo-auxiliar. Na última vez que o vi já era bispo da diocese da ex-colónia britânica, depois de ter substituído o cardeal D. Joseph Zen. Foi pois com grande surpresa que ouvi o bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto, anunciar que as cerimónias seriam presididas por tão distinta pessoa.

O bispo D. John Tong estudou no Seminário de São José, em Macau, tendo sido ordenado padre pelo Papa Paulo VI, no Vaticano, para onde foi enviado com o objectivo de continuar os estudos, depois de seis anos a viver em Macau e após ter mudado para o Seminário em Hong Kong. Embora tenha nascido em Hong Kong, é filho de uma família chinesa, sendo que a mãe era natural de Macau e o pai de Cantão. A família refugiou-se em Macau depois de Hong Kong ter sido invadido pelos militares japoneses. Depois da guerra terminar, estando o jovem John Tong a viver em Cantão com familiares da parte do pai, a família reuniu-se nessa mesma cidade. Seria ali que iria viver momentos decisivos para a sua vocação, ao observar o trabalho dos missionários no apoio às vítimas da guerra civil chinesa.

Após a morte do pai, a mãe decidiu converter-se ao Cristianismo e toda a família seguiu o seu exemplo. Era professora e foi educada em Macau segundo os princípios do Catolicismo. Aliás, a ligação de D. John Tong ao antigo território português e à cultura e língua portuguesas continua ainda muito forte, e por isso fez questão de falar na língua de Camões durante as passagens da cerimónia em que participou.

A vinda do cardeal a Fátima prende-se com o facto do número de peregrinos asiáticos aumentar de ano para ano, pelo que a diocese de Leiria-Fátima entendeu ser necessário trazer um líder religioso dessa parte do mundo. «Tínhamos de trazer um bispo asiático a Fátima», pois este continente «é o eixo para onde o mundo cristão caminha», afirmou o bispo de Leiria-Fátima à Comunicação Social Portuguesa.

Em 2017, dos 9,4 milhões de peregrinos que estiveram no Santuário, cerca de 32 mil vieram do continente asiático.

As festividades do 13 de Maio encerraram de uma forma muito especial. Foi convidado o cantor lírico Andrea Bocelli para actuar logo após a Procissão do Adeus. Um modo diferente de presentear os peregrinos e de prestar homenagem a Nossa Senhora de Fátima.

Vivemos a cerimónia nocturna e a homilia do dia 13 com intensidade. Coincidência ou não, fomos presenteados com uma surpresa. Na noite anterior publiquei uma foto do Santuário durante a Procissão das Velas, para que quem ali não estivesse pudesse sentir o que estávamos a viver. Nesse mesmo instante recebi uma mensagem de um amigo que conheço, virtualmente, desde 2013, ano em que tomámos a decisão de deixar Macau e dar início à nossa viagem de veleiro. Estava também em Fátima, em peregrinação. Que outro local seria melhor para darmos um abraço e desta vez pessoalmente?

E assim foi, no dia 13, antes de nos dirigirmos ao Santuário, encontrámos o Ricardo Diniz, filho de uma pessoa muito conhecida em Macau, o jornalista João Paulo Diniz. O Ricardo é um afamado navegador solitário. A sua mais recente aventura consistiu em levar, no ano passado, uma imagem de Nossa Senhora de Fátima desde o Santuário até Peniche. Fez o percurso a pé, carregando a estatueta, que foi abençoada e levada de veleiro para o Brasil. Com enorme prazer pude finalmente dar-lhe um abraço e juntos fizemos o percurso a pé para o recinto do Santuário, partilhando experiências ligadas ao mar e à fé em Nossa Senhora de Fátima.

João Santos Gomes

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