O Nascimento da Luz do Mundo
Terá Jesus Cristo nascido de facto no dia de Natal? O mais provável é que não! Mas se não, então porque é que celebramos o nascimento de Cristo no dia 25 de Dezembro. A resposta mais simples, é que o importante é celebrarmos o nascimento de Cristo independentemente da data ser ou não a correcta. Também os ingleses celebram todos os anos no segundo sábado de Junho o aniversário da rainha de Inglaterra, o conhecido “Trooping the Colour”, mas a rainha nasceu no dia 21 de Abril. A razão? Como sempre na Grã-Bretanha, a culpa é do tempo; para celebrações públicas é preciso ter bom tempo e em Junho a probabilidade de chuva é menor do que em Abril. O facto da comemoração não ser no dia exacto do aniversário da rainha não dilui o seu significado; o que se comemora é o facto do nascimento e não propriamente a data.
No caso de Cristo, a data do seu nascimento é totalmente desconhecida e os textos que temos não nos oferecem dados suficientes para o cálculo da data. Na verdade, nem mesmo o ano do nascimento de Cristo é conhecido com total certeza. A questão que se põe então é porque é que celebramos o Natal neste dia em particular e não em outro. A resposta encontrá-la-emos na antiga Roma pagã.
Roma era uma sociedade profundamente religiosa e todos os aspectos da vida, tanto privada como pública, estavam intimamente ligados à prática religiosa. A própria vida da urbe estava organizada à volta de grandes festivais religiosos, como por exemplo as Saturnalia.
AS SATURNALIA E O NATAL DO DEUS SOL
As Saturnalia eram festivais religiosos em honra do deus Saturno que se celebravam todos os anos em Roma por volta do Solstício de Inverno. A duração destes festivais foi-se alterando com o decorrer do tempo, mas por volta dos finais da República costumavam durar mais ou menos uma semana. O primeiro dia das Saturnalia caia ante diem xvi Kalendas Ianuarias, ou seja, 16 dias antes do dia 1 de Janeiro, mas tentar calcular com precisão que dia era esse não é tarefa fácil, sobretudo antes da reforma do calendário romano levada a cabo por Júlio César no ano 45 a.C.
Já de acordo com o calendário Juliano, as Saturnalia começavam no dia 17 de Dezembro e acabavam no dia 23 do mesmo mês. Este grande festival era composto de festivais menores como sejam as Sigiliaria que decorriam no dia 19 de Dezembro quando os romanos davam presentes aos filhos, familiares, amigos, e até mesmo a certos escravos.
Outro festival religioso que decorria na mesma época que as Saturnalia era o Natalis Solis, ou seja o nascimento do deus Sol. No calendário Juliano esta festividade caía no dia 25 de Dezembro depois do fim das Saturnalia. Na sua origem o natal do deus Sol celebrar-se-ia no dia a seguir ao Solstício de Inverno quando os dias começam a crescer outra vez. O crescimento dos dias a seguir ao Solstício de Inverno anuncia o renascimento da natureza na Primavera e o retorno das colheitas no Verão. Sem o Sol a vida seria totalmente impossível e como tal, visto como fonte de vida, o Sol foi divinizado pelos povos antigos.
Para podermos admitir que o dia 25 de Dezembro possa ter sido o dia a seguir ao Solstício de Inverno, quando este ocorre da noite de 21 para 22 de Dezembro, temos que supor que antes da reforma juliana do calendário romano, em algum momento, o Solstício de inverno deve ter caído no dia 24 de Dezembro. Esta possibilidade não é de todo desprovida de sentido na medida em que o calendário romano sofreu muitas alterações antes da reforma de Júlio César, na maior parte dos casos através da adição de dias a certos meses para ajustar o calendário ao calendário solar. Assim a festividade do natal do deus Sol ter-se-á fixado e mantido no dia 25 de Dezembro ainda que a data do Solstício se tenha vindo a alterar posteriormente.
CRISTO, A NOVA LUZ DO MUNDO
A primeira noticia que temos do nascimento de Cristo a ser celebrado no dia 25 de Dezembro é nos dada pelo “Calendário de 343”, um manuscrito iluminado do Séc. IV.
O édito de Milão concedeu liberdade de culto aos cristãos no ano de 313, e a medida que a velha religião pagã e os seus deuses desapareciam para dar lugar à nova religião, que acabaria por se transformar na religião de Estado no ano de 380, o nascimento de Cristo substituiu o nascimento do deus Sol. Mas como é que o nascimento de Cristo veio a substituir esta festividade pagã em particular? Cristo como a verdadeira luz do mundo e como a verdadeira fonte de vida veio a ser identificado com o velho deus Sol especialmente pelos novos convertidos do paganismo.
A PALAVRA NATAL
A palavra portuguesa Natal, como também a italiana Natale derivam do Latim natalis (dies) “dia do nascimento” através do acusativo natalem, enquanto que a palavra castelhana Navidad deriva do Latim nativitas “nascimento”.
Também o antigo Inglês tem uma palavra derivada de nativitas, a palavra Nātiuiteð. Já a palavra mais comum para Natal em Inglês é Christmas que deriva do anglo-saxão Crīstesmæsse e que quer dizer Missa de Cristo. Na Inglaterra pagã do Séc. X, quando Santo Agostinho da Cantuária foi enviado para evangelizar aquelas ilhas, celebrava-se por alturas do Solstício de Inverno um festival pagão em honra de Odin chamado gēola. Na noite de 24 para 25 de Dezembro festejava-se a Mōdraniht, ou Noite-Mãe; como o Natal era celebrado nessa mesma noite com uma missa, o nome da festividade que substituiu a Mōdraniht tomou o nome da missa.
Muito embora não saibamos o dia em que Cristo nasceu, sabendo que Cristo ἦν τὸ φῶς τὸ ἀληθινόν, ὃ φωτίζει πάντα ἄνθρωπον, ἐρχόμενον εἰς τὸν κόσμον (Jo1:9) «era a verdadeira luz do mundo que ilumina todo o homem que vem ao mundo» parece ser razão suficiente para substituir o aniversário do Sol pelo aniversário de Cristo.
Roberto Ceolin
Universidade de São José