Efeméride: Vasco da Gama morreu na véspera do Natal de 1524

Teimosia que deu frutos

Vasco da Gama, porventura o mais conhecido navegador e explorador da Era dos Descobrimentos, que se destacou ao protagonizar a mais longa viagem oceânica até então realizada, “superior a uma volta completa ao mundo pelo Equador”, morreu em Cochim na véspera de Natal de 1524. No fim da sua vida exerceu, durante algum tempo, o cargo de Vice-Rei da Índia. Capacidade de comando e ferocidade têm sido as características mais apontadas ao descobridor do caminho marítimo que permitiu inundar o mercado europeu com as especiarias asiáticas. Alentejano de Sines, cedo ganhou a confiança de D. João II, que lhe incumbiu várias missões conduzidas por ele com sucesso, as mais relevantes já em pleno reinado do “Venturoso”. No mar, a teimosia do capitão-mor, que só o acaso não permitiu que seguisse a carreira eclesiástica, levou-o, em finais de 1497, a dobrar o Cabo ao qual Bartolomeu Dias tinha desvendado os segredos, abrindo a porta para o Índico e o mundo encantado de onde chegavam as apetecidas especiarias e outros produtos exóticos. Para o conseguir, Gama seguiu a filosofia do “antes morrer que ceder”, ou melhor, “antes a morte do que vida amortecida”, máximas que assentam na perfeição a alguém que é teimoso por natureza.

Curiosamente, o homem que apostou nas qualidades do almirante, o cognominado Príncipe Perfeito, estratega do Tratado das Tordesilhas, tudo fez para travar o acesso ao poder por parte da nobreza (da qual Gama fazia parte), que desde Aljubarrota perdera terreno. Essa nobreza solidificaria o poder e recuperaria os seus tradicionais privilégios no reinado de D. Manuel I. É este monarca que, a 7 de Julho de 1497, nas Cortes de Montemor-O-Novo, entrega a Vasco da Gama o comando da primeira expedição à Índia.

Pode-se dizer que há dois Gamas nas expedições à Índia. Na primeira, o navegador que veste a pele do diplomata comerciante. Na segunda, a de conquistador. Esta última foi a que a História registou. Se calhar por isso existe actualmente uma corrente detractora do descobridor do caminho marítimo para a Índia que tem como protagonista de proa o historiador indiano Sanjay Subrahmanyam. «Ele chama-lhe pirata. Pirata!? Como se pode reduzir um homem daqueles a pirata?», pergunta, indignado, Sérgio Gama, «agente de viagens de profissão e historiador amador», assumido descendente do almirante. É claro que o capitão da São Gabriel não era propriamente um menino de coro, «pois se o fosse não tinha chegado onde chegou». Era um homem de pulso. Só assim evitou tumultos a bordo ou deserções em massa entre a tripulação constituída por pescadores feitos marujos e degredados sem esperanças.

Gama «tinha uma missão que ia muito para além da pirataria». Missão que era suposto ser apenas diplomática e comercial, e que só não o foi «devido às torpezas dos muçulmanos que não queriam perder o seu estatuto de comerciantes privilegiados com a Índia». Não os censura por isso o nosso historiador ocasional. «Faziam o que lhe competia», diz. Na segunda expedição, outro era o caso. Estávamos perante um homem que fora humilhado e que procurava a vingança pessoal e o monopólio do comércio das especiarias para a Coroa Portuguesa.

Em 1998, ano do cinquentenário da Descoberta do Caminho Marítimo para Índia, um jornalista alertou o Presidente indiano, de visita aos Jerónimos, para a presença do túmulo do navegador, já que os anfitriões oficiais não pareciam dispostos a tal… É sabido que é norma protocolar os chefes de Estado estrangeiros colocarem uma coroa de flores no túmulo de Camões, que está no lado oposto ao do Vasco da Gama, mas Sérgio não descarta a hipótese do «esquecimento» dever-se ao tal complexo de que padecem os dirigentes nacionais.

Nesse mesmo ano, Sérgio Gama foi convidado pelo ICEP a ir a Los Angeles receber o Prémio de Viajante do Ano, atribuído ao navegador português, durante o congresso anual da American Society of Travel Agents (ASTA), um organismo que reúne agentes de viagem de todo o mundo. Discursou perante quatro mil pessoas e, no dia seguinte, o cônsul da União Indiana em São Francisco pediu à presidente do ICEP que ele lhe fosse apresentado, pois «teria imenso prazer em conhecer um descendente de Vasco da Gama». O facto confirma que não existe a animosidade que tanto se fala. «O sentimento geral entre os indianos é de estima, curiosidade e respeito, e não de desprezo», diz Sérgio.

Vasco da Gama na sua primeira viagem levava como oferta para o samorim de Calicute coral, mel, açúcar, azeite, barretes e bacias de metal. Esse seu gesto reflectia a profunda ignorância europeia em relação às civilizações bem mais avançadas do Próximo e Extremo Oriente.

Joaquim Magalhães de Castro

 

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