Alguns perigos da minha “viagem dominicana” – 3
Primeiro perigo: um acontecimento infeliz e perigoso. Algumas semanas antes de irmos para Madrid (Junho de 1958), tínhamos agendada uma excursão ou um passeio de dia inteiro. Um irmão e eu fugimos da excursão e fomos, como pudemos, para as nossas respectivas cidades – Papatrigo e El Oso –, que ficavam a cerca de 24 quilómetros de Ávila. Tínhamos tudo planeado. Voltávamos à noite e tínhamos dois irmãos à nossa espera: um abria o portão principal e o outro uma janela do estudantado. Infelizmente, fomos vistos por um irmão cooperador que, no dia seguinte, contou aos Padres, depois do almoço. O Mestre dos Estudantes, de alma delicada e bondosa, padre Luis López, castigou-nos com um retiro ligeiro de três dias apenas. Graças a Deus, não nos expulsou! Foi muito errado: devíamos ter pensado nas possíveis consequências. Foi então que percebi porque é que a minha mãe não estava tão contente com a minha visita proibida, embora – como de costume – não tenha dito nada e se tenha limitado a preparar um bom almoço. A minha mãe adorava o silêncio, sobretudo quando alguém estava inclinado a criticar: “Só vivemos quatro dias; não quero ficar mal com ninguém”.
Segundo perigo: adiar a minha ordenação diaconal. Antes de aceitar ser ordenado diácono, tive uma dúvida aparentemente séria sobre a minha vocação e decidi adiar a minha ordenação diaconal: Perguntei ao meu confessor, um padre secular espanhol, e a dois padres dominicanos. Disseram-me: “Depende de ti”. Fizemos o retiro comunitário em Setembro de 1961. Consultei o meu professor de Homilética, um homem santo, o padre Domingos. No final do retiro, tive a certeza de que tinha de continuar: naquele momento, estava tão feliz, tão escandalosamente feliz. Qual era o meu principal problema? Esta pergunta: Quem queria que eu fosse dominicano, a minha mãe ou eu? Estava totalmente convencido de que era eu e a minha mãe. Mais uma nota. Foi em Washington que tive verdadeiros encontros com mulheres. (Compreensivelmente, não era assim em Ávila e em Madrid, onde então vivíamos como monges). O Senhor era bom para mim: Eu gostava de mulheres jovens, claro, mas não de nenhuma em particular!
Terceiro perigo: um padre que duvida? Como padre, nunca tive uma dúvida séria sobre a minha vocação, mas certamente poderia ter sido menos pecador e mais um bom religioso. Depois do Concílio Vaticano II (1962-1965), muitos padres e religiosos abandonaram a sua vocação. Aparentemente, muitos de nós tornaram-se demasiado laxistas: em vez de seguir o imperativo do Concílio de abrir as janelas da Igreja ao mundo, muitos católicos tornaram-se não só no mundo, mas do mundo. Também eu me tornei mundano e um pouco descuidado com a minha vocação dominicana, que sempre amei. A certa altura, tive demasiada actividade. Como perguntei ao Capítulo Provincial em 1997, em Valladolid: “Marta, Marta, ou Fausto, Fausto, onde vais?”.
Quarto perigo: o perigo de partir! No “aggiornamento” (interpretações certas e erradas) pós-Vaticano II, por que razão não me fui embora, como muitos padres diocesanos e religiosos? Por que continuei, à semelhança dos dois co-noviços que foram comigo estudar para Washington DC? Deus sabe. Estou muito grato a Deus, à sua infinita misericórdia, por me ter mantido dominicano, e normalmente um padre dominicano alegre. Penso que continuo a ser dominicano, não por ser melhor do que aqueles que partiram: certamente que não. Fiquei graças à misericórdia de Deus, à ajuda da Mãe Maria e às orações de outras pessoas santas, sobretudo da minha mãe. Sou um miserável pecador; mas tentei seriamente ser fiel – mesmo nos meus anos super-activos e perigosos – à minha Missa diária, à recitação diária do Ofício Divino e do Rosário de Maria, e à minha confissão regular. Estou convencido, além disso, que Deus teve de fazer pequenos milagres, com algumas carícias em tempos difíceis (estou certo disso) para me manter dominicano.
Para além das dificuldades e obstáculos normais do caminho da minha vida dominicana, há um que limitou a minha pregação e a minha escrita: o facto de as fazer não na minha língua materna – o Espanhol –, mas numa que aprendi de alguma forma depois dos 21 anos de idade – o Inglês. Deveria ter-me esforçado mais para aprender melhor Tagalo e um pouco de Cantonense. Provavelmente este obstáculo e a distância contínua das minhas raízes, dos meus pais e da minha família, constituem parte da minha cruz de luz.
Quinto perigo: Por que fiquei em Macau mais de catorze anos? Deus sabe. Certamente, graças à misericordiosa Providência de Deus. Por que não fui tentado – nem uma única vez – a voltar de Macau para Manila? O bom Deus não permitiu que eu questionasse a minha estadia e tentasse regressar ao pasto aparentemente mais verde da Universidade de Santo Tomás (Manila). Nunca tive qualquer dúvida. Considero uma graça de Deus a felicidade e a alegria que vivi nas Filipinas, nomeadamente na Universidade de Santo Tomás e com os meus irmãos em San Juan City (Metro Manila). Também sou feliz em Macau, num ambiente muito diferente. Afinal de contas, o que dá sentido à vida é a verdadeira felicidade que advém da prática das virtudes e dos nossos votos, seguindo assim o Virtuoso.
Pe. Fausto Gomez, OP