MYANMAR: D. CELSO BA SHWE, O BISPO CORAGEM

MYANMAR: D. CELSO BA SHWE, O BISPO CORAGEM

Em nome dos refugiados

A guerra civil em Myanmar parece ter atingido um ponto de viragem. Com a designada “Operação 1027”, iniciativa militar dos rebeldes das milícias étnicas aliados às Forças de Defesa Popular que emergiram entre a população birmanesa após o golpe de Estado de Fevereiro de 2021, foi atacado o exército do regime em várias partes do País, especialmente nos Estados Chin, Shan, Kayah e Rakhine. Tem vindo a infligir pesadas derrotas aos militares fiéis a Rangum, forçando-os a recuar, e agora controla – segundo observadores independentes – mais de cinquenta por cento do território do País. A situação é tal que o general Min Aung Hlaing, chefe da Junta Militar, teme o risco de uma desintegração da nação.

A cidade de Loikaw, capital do Estado de Kayah, no centro-leste de Myanmar, tem sido particularmente sujeita, pelo menos desde Novembro passado, a constantes ataques aéreos e bombardeamentos. E já há muito que nem os locais sagrados – sobretudo as igrejas – têm sido poupados. Pelo contrário, constituem até alvos privilegiados das operações militares. A catedral de Loikaw não foi excepção!

Por ter denunciado o ataque e ocupação por parte do exército birmanês ao centro pastoral católico anexo a essa catedral, onde pessoas deslocadas internamente procuraram refúgio durante meses a fio no âmbito da guerra civil em curso, o bispo dessa cidade, D. Celso Ba Shwe, encontra-se agora, também ele, na situação de refugiado. “Em três ocasiões, o exército birmanês tentou ocupar o complexo da catedral de Cristo Rei”, relatou à VATICAN NEWS. “Como bispo local, eu, juntamente com os padres, tentei convencer os dirigentes militares da importância dos locais religiosos e pedi-lhes que deixassem o local”. Em vez disso, a 26 de Novembro, os soldados dispararam deliberadamente vários projécteis de artilharia contra o centro comunitário, destruindo o telhado da capela. Por razões de segurança, os religiosos abandonaram as instalações, tendo estas sido ocupado pelo exército que as usa agora como base e abrigo.

Cerca de trezentas mil pessoas vivem em Kayah, o menor Estado de Myanmar, predominantemente cristão. Das 41 paróquias da diocese de Loikaw (com 93 mil fiéis), 21 foram seriamente afectadas. Sacerdotes e demais religiosos refugiaram-se no campo ou nas montanhas na companhia dos fiéis. Só no último mês, as organizações humanitárias estimam que mais de duzentos mil indivíduos passaram a estar na situação de refugiados. São já cerca de 2,5 milhões as pessoas em fuga desde o início da guerra civil.

D. Celso Ba Shwe descreveu a situação na região como dramática: “O exército birmanês utilizou armas pesadas, aviões de combate, veículos blindados e sistemas de defesa móveis. Como resultado, as pessoas, tanto nas cidades como no campo, estão a fugir em todas as direcções”.

Devido à intensificação do conflito armado em Novembro, mais de oitenta por cento da população urbana e rural no Estado de Kayah encontra-se deslocada. Entre os refugiados encontram-se idosos e doentes, pessoas com deficiência, mulheres e alguns jovens. O número aumenta constantemente. Todos procurarão novas paróquias católicas, ou outras instalações, mais distantes dos combates.

O complexo da catedral de Cristo Rei e o Centro Pastoral Diocesano adjacente em Loikaw permanecem ocupados pelo exército birmanês, que o utiliza como base militar. O bispo, os sacerdotes e os seus colaboradores, expulsos das suas residências habituais vivem agora como deslocados. Uns, em paróquias poupadas pelo conflito; outros, em centros de saúde ou casas religiosas, outros ainda, em tendas ou abrigos improvisados entre os fiéis espalhados pela mata. E foi assim que passaram o Natal, assolados por incertezas e dificuldades.

A ocupação da catedral, coração e símbolo da comunidade diocesana, poderia de facto causar desânimo e desespero na comunidade, mas foi precisamente em numa situação destas que o bispo Celso quis encorajar “o povo de Deus” com uma mensagem aos fiéis na carta pastoral que redigiu por ocasião do Natal, reafirmando a esperança que repousa na providência de Deus Pai: “Gostaria de recordar que uma diocese é parte do Povo de Deus, confiada a um bispo em colaboração com o presbitério. Não se trata apenas de um espaço geográfico, mas de uma comunidade que se reúne em torno do bispo em unidade com o presbitério. A principal dinâmica da comunidade é o anúncio do Evangelho e a celebração da Eucaristia. No nosso caso, a Igreja fundada por Cristo está viva e presente mesmo no sofrimento. É importante que todos permaneçamos unidos e construamos uma comunidade que atravessa este deserto, reunida em torno do Evangelho e da Eucaristia. Sabemos que Cristo, o Bom Pastor, cuida do rebanho pelo qual deu a vida”.

Citando João Crisóstomo, patriarca de Constantinopla, D. Celso sublinha: “Enquanto formos ovelhas seremos vitoriosos, e mesmo que estejamos rodeados de muitos lobos, iremos vencê-los. Mas se nos tornarmos lobos, seremos derrotados porque estaremos privados da ajuda do pastor. O pastor não alimenta lobos, mas ovelhas”.

Joaquim Magalhães de Castro

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