Mudanças subtis, mas com impacto

Mudanças subtis, mas com impacto

Tentamos, sempre que possível, acompanhar o que se passa em Macau a nível social e político. A esta distância, e com a natural diferença horária, nem sempre é fácil. Se as novas tecnologias vieram trazer uma maior facilidade de acesso a todo o tipo de informação, trouxeram também a habilidade de nos confundir com todo o tipo de publicações e página sociais que muitas vezes veiculam informação que, apesar de não ser errónea, não é completamente verdadeira, sendo normalmente partidária desta ou daquela causa.

Infelizmente, recorrer à Comunicação Social de Portugal para ter acesso ao que se vai passando em Macau não é uma opção credível. Geralmente, Macau só é mencionado pela Comunicação Social quando alguém de relevo visita Portugal.

No passado mês de Dezembro, aquando da efeméride da Transferência de Soberania, o território lá se tornou moda novamente – pelo menos por parte dos jornalistas – e fomos vendo e ouvindo falar de Macau e dos portugueses que por lá ficaram.

Hoje, olhando à distância, recordei-me que há precisamente dez anos ouvi o mesmo rol de disparates sair da boca dos mesmíssimos jornalistas que novamente foram enviados para a RAEM, com o objectivo de cobrir as cerimónias para as televisões, rádios e jornais de Portugal. Como os nossos leitores bem sabem, é que assim que colocam os pés em Macau tornam-se especialistas e conhecedores de tudo e mais alguma coisa.

Raramente vejo televisão em Portugal, tirando os desenhos animados que sou “obrigado” a ver por causa da Maria. No entanto, antes, durante e depois das celebrações, assisti a alguns programas sobre o tema em vários canais de informação, muitas vezes com recurso à Internet e às páginas do Facebook, confesso!

Quanto aos jornais, também confesso que nem sequer me dei ao trabalho de os ler, pois pelo que ia vendo e ouvindo pouco ou nada de novo tinham para transmitir. Na realidade, Macau continua a estar no imaginário longínquo dos portugueses que nunca em terras da Ásia aportaram, o que dá azo às mais variadas especulações. Quando algum novo conhecido sabe que vivi em Macau as perguntas são sempre as mesmas: Ainda se fala Português? Como se entendiam com os chineses? Só existem casinos, não é? E outros lugares comuns que depois vão sendo ampliados pelos enviados especiais, que pela insistência das dúvidas de quem os vê, ouve ou lê, se vêem na obrigação de abordar os mesmos temas. Findo o trabalho retornam a Portugal com as mesmas constatações de que só se fala Chinês e que os chineses não nos entendem. Ah, e que em Macau, para além dos casinos, há pastéis de nata, uns restaurantes portugueses e Portugueses em lugares de destaque… Custa pois fazer entender a todas estas alminhas que Macau é muito mais do que isto, pois as entrevistas são sempre feitas aos mesmos, os quais repetem até à exaustão as mesmas ideias, acabando os jornalistas por tirar sempre as mesmas conclusões.

Eu, pessoalmente, ainda vou tendo o prazer de rever alguns amigos na televisão e constatar que estão todos de boa saúde. Mas de facto seria interessante ouvir o que outras pessoas têm a dizer. Afinal de contas, estão sempre a chegar e a partir portugueses de Macau, que obviamente também fazem as suas análises acerca do território. Falo de pessoas mais novas, sem qualquer ligação às denominadas famílias tradicionais.

Pelo que vou acompanhando na Comunicação Social de Macau, essencialmente na imprensa escrita, vão surgindo novas vozes com uma visão completamente diferente do que é Macau e do que querem para uma terra que também é sua. Mesmo os macaenses (sejam eles de ascendência portuguesa, mestiça, ou apenas chinesa) que nasceram em Macau e neste momento estão a estudar ou a trabalhar em Portugal têm uma visão sem paralelo do pequeno enclave.

 

Interesses

menos claros?

 

Se no meu entender, Macau é aquele pequeno pedaço de terra que um dia foi português e como tal devia preservar, na sua essência, a salutar convivência entre o Oriente e o Ocidente, já os mais jovens olham para Macau como parte da Grande China, tendo um papel importante a desempenhar no Grande Delta do Rio das Pérolas.

Claro está que a integração regional é inevitável e Pequim tem dados passos largos nesse sentido, indo ao encontro do desejo das gerações mais recentes. Não nos cabe a nós criticar ou dizer se está certo ou errado, é apenas o inevitável avanço geracional. No entanto, vários passos vêm a ser dados há vários anos, com o paulatino esvaziamento de certas competências. Se por um lado Pequim afirma que Macau tem um papel importante no campo da língua portuguesa, não deixa de ser surpreendente que se esteja a desviar competências de algumas instituições tradicionais de Macau. O aeroporto, por exemplo, com a sua marca lusitana, nunca foi do agrado de Pequim. Contudo, Portugal teimou – e bem, na minha opinião – em o construir, inaugurar e deixá-lo operacional antes de 1999. Isto para que o território se mantivesse “economicamente independente”. Mais recentemente a ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau veio tirar protagonismo ao aeroporto da RAEM, uma vez que diariamente há dezenas de autocarros a transportar passageiros de Macau e Zhuhai para o aeroporto de Hong Kong. Aliás, não me surpreende que um dia se venha a construir uma ligação ferroviária quando o projecto do metro estiver a funcionar em pleno. A verdade é que o aeroporto de Macau nunca teve o cariz internacional que era esperado, e à escala regional há outras opções bem mais práticas e com possibilidades de crescimento para os lados de Guangzhou.

Para quem vive em Macau esta realidade pouco ou nada afecta o dia-a-dia, dado que Hong Kong está a uma hora de distância, mas para quem observa de Portugal a subtileza das alterações, com a construção de infraestruturas autorizadas por Pequim, parece trazer interesses menos claros.

No caso do aeroporto de Macau, apesar de me parecer desnecessário, até entendo se no final das contas acabar por ser desactivado. Se virmos bem, o terreno que ocupa até poderia ser usado para outros fins bem mais sociais….

João Santos Gomes

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