Salvar as futuras gerações.
O nosso futuro começa a ser definido a cada dia que passa e para isso contribui tudo o que nos rodeia, tanto as pessoas como o próprio Ambiente.
Durante este período de permanência em Portugal, por motivos de saúde como os nossos leitores sabem, estamos instalados na minha terra natal, a Vila de Mira, no distrito de Coimbra. A terra que me viu crescer, onde estão as raízes do que me define.
Mira é vila com foral real desde 27 de Agosto de 1514, assinado pelo punho do Rei D. Manuel I, mas cuja personalidade mais marcante terá sido D. Pedro, que tinha recebido a terra a 12 de Julho de 1448 de D. Afonso V. Falamos do Infante D. Pedro, do grande vulto por detrás de toda a epopeia das Descobertas e que muitas vezes é esquecido em detrimento do seu irmão, o Infante D. Henrique (terceiro filho do Rei D. João I).
A verdade histórica que agora começa a surgir é que D. Pedro, que tem uma monumental estátua no centro de Mira, teve um papel mais relevante do que o próprio Navegador (Infante D. Henrique) em toda a logística e estratégia ligada à epopeia marítima. Muitos historiadores defendem que, sem ele, nada teria sido como foi…
A história desta terra há muito que está ligada ao mar e às suas lides. A Praia de Mira é local de pesca de Arte Xávega que, no meu modesto entender, deveria ser considerada património cultural da humanidade, pois está em risco de desaparecer. De Aveiro a Leiria, zona onde tradicionalmente se praticava este tipo de pesca, com barcos de madeira de proa elevada, metidos e retirados ao mar por junta de bois, já poucas são as “companhas” que usam os animais. A maioria recorre a meios mecânicos, como tractores, para tentar rentabilizar uma actividade que actualmente dá muito pouco (ou quase nenhum) lucro.
O único barco que ainda opera com as técnicas ancestrais na Praia de Mira fá-lo para que os turistas o possam ver durante o Verão. O prejuízo destes homens que teimam em não deixar morrer uma tradição é enorme. Sei-o porque muitos deles são meus amigos e familiares. Vão compensando as perdas com a pesca durante os meses de Inverno, em embarcações nos portos de Aveiro ou da Figueira da Foz.
A minha família, especialmente da parte da minha mãe, sempre foi muito ligada ao mar. A minha avó materna era natural da Praia de Mira – ainda hoje ali temos propriedades. Não conheci o meu bisavô, mas dele tenho fotos em traje de pescador, com calças pretas pelo joelho, camisa ao xadrez de manga arregaçada e garruço preto na cabeça. O meu avô paterno ainda chegou a ter uma junta de bois que ajudava na Arte Xávega, nos anos 30 e 40, e tanto ele como a minha avó, durante os anos 30, participaram nas grandes campanhas de reflorestação da zona dunar que se estendia por todo o litoral português de Aveiro à Figueira da Foz.
As dunas de Mira, ou a floresta de Mira, eram um deserto em que nada crescia e que ameaçava os campos de cultivo na zona da Vila de Mira e aldeias adjacentes, a cerca de dez quilómetros do mar. A plantação de toda esta zona florestal, levada a cabo durante dezenas de anos, foi essencial para a fixação definitiva das povoações e para o desenvolvimento da agricultura. Como também em Macau foi notícia em Outubro do ano passado, tudo isto desapareceu. Em menos de 24 horas o trabalho de quase cem anos ficou reduzido a cinzas e ainda hoje assim está sem que ninguém saiba ao certo o que se irá fazer para minorar os efeitos num futuro próximo.
Em Mira, como um pouco por todos os distritos que foram afectados pelos violentos incêndios, discute-se o que fazer. Há ideias mas nada avança de concreto e entretanto a situação vai-se arrastando. O que sobrou de toda esta imensa mata, um pulmão essencial para o Centro de Portugal, foram troncos de pinheiros mortos, à espera de alguém que os arranque. O piso, outrora coberto de musgo no Inverno e de camarinheiras nos meses de Verão, é uma imensidão negra de cinza em que nada nasce. É uma desolação total conduzir pelas estradas florestais que se estendem entre a Serra da Boa Viagem e a Barrinha de Mira. São quilómetros e quilómetros de negro pontuado por dunas desnudadas a deixar ver as areias brancas que os nossos antepassados tanto lutaram para tentar conter.
Temo – possivelmente não na minha geração, mas na da minha filha e dos meus netos – que problemas graves de saúde venham a surgir em resultado da ausência da mancha verde. A poluição que era filtrada pela vegetação irá certamente trazer problemas de saúde às gerações vindouras. Este é o grande problema que temos de tentar evitar. A cada dia que passa, em que se espera que ponham mãos à obra, como fizeram os nossos familiares na década de trinta, os efeitos nocivos serão cada vez maiores.
Na década de trinta não havia os geradores de poluição que hoje temos, como carros e indústrias poluentes, pelo que os anos que a floresta demorou a crescer não fizeram grande diferença na qualidade do ar que se respirava. Actualmente o mesmo não se pode dizer. Urge a necessidade de darmos as mãos, portugueses e não portugueses, em Portugal e espalhados pelo mundo, para fazer ver ao Governo e a quem tem a obrigação de dar a ordem para avançar. Este é um problema que não pode ficar esquecido.
Concordo que as vítimas precisam de ser apoiadas, mas mais do que as vítimas actuais devemos estar preocupados com as vítimas futuras. É toda uma geração que pode estar em risco de sofrer graves problemas ambientais e de saúde, o que trará encargos elevados aos futuros Governos.
João Santos Gomes