MEMÓRIA PORTUGUESA NO NORDESTE DA ÍNDIA E NO BANGLADESH – 42

MEMÓRIA PORTUGUESA NO NORDESTE DA ÍNDIA E NO BANGLADESH – 42

Botelho, Henrique Roth, Grueber e D’Orville

Viajemos com Alexandre de Rhodes nas páginas do seu “Voyages et Missions”, no momento em que ele nos apresenta o padre António Botelho, vindo de Goa e com destino a Agra, “a 40 dias de caminho de Surate”, onde se encontrava o padre francês; esse Botelho “homem de grande mérito e influência” enviado como visitante e reitor do Colégio “que fica naquela vila, capital de todo o reino”. Acompanhavam-no os padres António Cesques e Henrique Busi, “ambos jovens, já sob as ordens de padres, com aptidões para aprender as línguas do país”. Rhodes menciona depois as cartas que receberia posteriormente em Roma dando-lhe conta dos frutos do labor missionário desses “três Padres no Reino de Mogor”. Fala ainda de um quarto missionário, o padre Torquato Parisiano, “um italiano, que veio disfarçado de comerciante inglês, e que ia para Suaken, um porto da Etiópia”.

Carlos Sommervogel ajudar-nos-á a completar o nosso conhecimento acerca do padre Cesques, de seu nome completo Antonio Ceschi di Santa Croce, nascido em Borgo Valsugana (Tirol), a 9 de Fevereiro de 1618, e desembarcado em Goa a 26 de Agosto de 1645, tendo falecido em Agra onze anos depois. Redondamente se equivoca, portanto, o padre Athanasius Kircher, na sua afamada “Ilustração da China”, quando afirma que o trabalho proselitista do tirolês no império mogol se prolongou durante três décadas. Na sua “Relação”, datada de 1649, o padre J. Marucci diz-nos que Botelho desempenhou durante dezasseis anos a função de capelão de um reputado terratenente de nacionalidade arménia – “provavelmente o pai de Mirza Zul-Qarnain”, aventa Hosten – com propriedades junto aos lagos salgados de Sambhar, a oito dezenas de quilómetros de Jaipur.

Num relatório em Latim, guardado numa vitrina do Museu Britânico, o padre António Botelho afirma ter visto várias estátuas, ou figuras esculpidas, junto ao túmulo de Akbar, no forte de Sikandra, e que entre elas constavam os bustos de vários padres jesuítas. Também o mercador e grande viajante francês Jean-Baptiste Tavernier garante ter presenciado pinturas semelhantes sobre o túmulo de Jahangir, perto de Agra. “Quando alguém chega a Agra pelo lado de Deli, depara com um grande mercado, perto do qual há um jardim onde Jahangir, pai de Shah Jahan, está enterrado. Sobre o portão desse jardim está uma pintura que representa o seu túmulo coberto por uma grande mortalha negra com muitas tochas de cera branca, e dois padres jesuítas nas extremidades. Surpreende-nos que Shah Jahan, contrariando a tradição dos maometanos, que consideram as imagens repugnantes, tenha permitido que a pintura permanecesse intacta, e isso deve-se certamente ao facto de o rei, seu pai, e ele próprio, terem aprendido dos jesuítas alguns princípios da matemática e da astrologia”.

Uma das glórias da missão de Agra, o padre alemão Henrique Roth, nascido em Dillingen, a 18 de Dezembro de 1620, viajou, em 1650, na companhia de Francisco Stoer, sob instruções do Geral da Sociedade e devidamente disfarçado, rumo à Etiópia com o objectivo de tentar saber do paradeiro do padre Torquato Parisiano. Encontramo-los, em 1651, em Esmirna, de onde prosseguiram, via Isfaão, até Goa. Aqui, Francisco Stoer foi enviado à capital da Etiópia onde, graças aos seus conhecimentos de cirurgia, caiu nas boas graças do imperador Fasilides, tendo morrido nesse reino em 1662. Roth, por sua vez, destinava-se inicialmente à ilha de Salsete, perto de Goa, “mas cedo o encontraremos como intérprete do embaixador português na corte de um pequeno príncipe local”. Estabelecer-se-á em Agra por volta de 1654, “assumindo o cargo de reitor do Colégio local, fundado em 1621”, ao mesmo tempo que era criada uma estação missionária em Patna, decisão anunciada um ano antes na “Litterae Annuae Cochin” (cartas ânuas). A ideia partiu do nababo de Patna, católico, “baptizado em Goa no vice-reinado de Ruy Lourenço de Távora”, que desafiara o superior dos jesuítas de Hugli a construir uma igreja na capital dos seus domínios. A respeito deste Colégio escreve o viajante e médico François Bernier: “os jesuítas têm aqui uma igreja e um colégio onde, em privado, ensinam os filhos de cerca de vinte e cinco ou trinta famílias cristãs, que ali se reuniram (não sei como) e se estabeleceram, graças à caridade daqueles padres e à doutrina cristã”. Por isso se estranha que Jean de Thévenot, viajante e linguista, de visita a Agra em 1666, fale em “vinte e cinco mil famílias cristãs em Agra”…

Violenta perseguição abalaria a comunidade cristã desta cidade durante o reinado de Shah Jahan (era Roth conhecido entre os portugueses como “padre Roa”, reitor do Colégio), tendo este monarca ordenado que fossem assassinados todos os missionários no momento da eucaristia dominical. Felizmente, os padres foram antecipadamente avisados da armadilha e puderam colocar-se em segurança, na companhia dos fiéis.

Bernier conheceu Roth em Agra, e reconhece a sua dívida para com ele pelo conhecimento sobre as crenças religiosas e filosóficas da Índia. Roth voltaria à Europa em 1662 com o padre Johann Grueber, e de imediato se dirigiu a Roma onde solicitou novo lote de missionários para o Oriente. Escreveria entretanto um relato sobre a comunidade cristã de Cabul, o “Inaudita de Reyno Caboul Christianorum, Poicnte Ethnicorum incognito hnctcnus”, pois deve tê-la visitado no decorrer da viagem terrestre. Hosten lembra-nos que durante a estada na Cidade Santa, Roth terá provavelmente conhecido o padre Balthazar Mendez de Loyola, “o único filho do Rei de Marrocos”, muçulmano convertido ao Catolicismo. O encontro terá motivado o neófito a ir missionar no Oriente, desígnio infelizmente interrompido com a sua morte, ocorrida ainda em território espanhol, em 1667, quando se preparava para partir para a Índia, tendo “todo o mundo católico” lamentado a sua perda.

Em 1664, temos Roth de regresso a Agra, onde se debruça sobre “os mistérios do sânscrito”, entre outros escritos, tendo a sua morte ocorrido “a 20 de Janeiro de 1667, segundo Sommervogel, ou a 20 de Junho de 1668, segundo os padres Thoelen, Guilhermy e Huonder”. Na sua pedra tumular está escrito o seguinte: “Aqi jaz Henrique Roa, falleceo 20 de Junho 1668”.

Associado a Henrique Roth esteve o padre Johann Grueber, presente em Macau no ano de 1659, de onde, graças aos seus conhecimentos matemáticos, seria enviado a Pequim. Em 1661 recebe ordens de Roma para regressar à Europa. Mas como todos os portos do Oriente estavam em posse dos holandeses, inacessíveis, portanto, aos homens do Padroado Português do Oriente, Grueber decide viajar por terra até à Europa. Acompanhá-lo-á o padre Albert d’Orville, um belga natural de Bruxelas. Após sessenta dias de jornada chegam a Lhasa, “cuja longitude e latitude determinaram com notável precisão”. Depois de um mês de permanência na cidade do Dalai Lama, prosseguem até ao Nepal onde obtêm do rajá de Katmandu autorização para pregar o Evangelho naquele reino. Pela segunda ocasião, quase quatro décadas depois do pioneiro João Cabral, missionários europeus trilham aquelas paragens, e também dessa vez, infelizmente, não houve oportunidade para inaugurar ali uma estação missionária: eram os dois padres esperados no Colégio de Agra, onde apenas Grueber chegaria pois Albert d’Orville caiu doente aquando da travessia do montanhoso reino de Morang (entre o Nepal e o Siquim), por volta do final de 1661, tendo falecido a 2 de Abril do ano seguinte. Informa Hosten, que o “o padre Felix, foi capaz de identificar seu nome recorrendo a um esboço dos epitáfios da Capela dos Mártires mantidos nos Arquivos da Missão de Agra”.

Joaquim Magalhães de Castro

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *