Se quero ver a Torre Eiffel, vou a França!
Maria de Fátima Fernandes fixou-se em Portugal no ano da transferência de soberania de Macau para a República Popular da China, tinha 53 anos e estava quase a entrar em idade de pensar na reforma.
Nasceu na freguesia de São Lourenço e estudou na Escola de Santa Rosa de Lima e na Escola Comercial, antes de ter concorrido para o funcionalismo público. Ingressou nos Correios de Macau, mas por ali ficou «durante pouco tempo», como contou a’O CLARIM numa conversa à mesa. Não muito satisfeita com o que fazia nos Correios, decidiu concorrer para uma carreira na Conservatória dos Registos, tendo entrado e ali permanecido até rumar a Portugal. Era ainda a Conservatória apenas uma, reunindo todos os ramos dos registos. Estava localizada na embocadura da Rua do Campo de quem desce da Rua Nova à Guia.
Nos anos oitenta, por estar mais inclinada para os aspectos ligados às actividades económicas e comerciais, durante o processo de separação dos registos Comerciais, Prediais e de Automóveis, decidiu direccionar a carreira profissional para a nova Conservatória do Registo Comercial. Com a sua curiosidade em saber como funciona o mecanismo das empresas, dos capitais sociais e tudo ligado a este ramo, «a opção do Registo Comercial foi a melhor escolha», explicou Maria de Fátima. «Saber quem tinha que prédios, quem os vendia a quem, quem comprava aquele ou o outro carro, nunca foi do meu interesse…».
Durante o processo de integração dos funcionários públicos de Macau na Administração Pública de Portugal concorreu para o Registo Comercial na cidade do Porto. Mas, como alguns dos leitores se devem lembrar, este foi um processo complicado para todos os antigos funcionários da Administração Portuguesa de Macau, no que respeita a decisões pessoais. Deixarem para trás a sua terra, ou a terra onde tinham trabalhado toda a vida, não foi fácil. No caso de Maria de Fátima pesou o facto de ter uma das filhas quase em idade de entrar na Universidade. E como a filha queria vir estudar para Portugal, sabia que mais ano menos ano teria de vir para a Europa acompanhar a filha durante os estudos superiores. Por isso, e tendo a oportunidade de ser integrada, optou por vir mais cedo. Assim, teria tempo de organizar a vida em Portugal e manter os anos de serviço para efeitos de reforma.
Quando chegou foi integrada no Registo Predial, mas assim que abriu uma vaga para ajudante principal no Registo Comercial aproveitou para mudar para o registo que mais gostava e de onde, depois de algumas surpresas, acabou por se aposentar.
A sua ligação a Portugal era regular, mas como nos anos setenta e oitenta as viagens eram longas apenas aqui vinha de três em três anos com as filhas, que ao contrário da mãe vinham todos os anos porque sabiam que no futuro seria o país que as iria acolher para os estudos superiores. Nos anos em que a mãe não tinha licença especial (na época os funcionários públicos podiam requerer licença especial prolongada de três em três anos) vinham com o tio ou com a tia, ambos funcionários do Notário.
Maria de Fátima sempre teve familiares em Portugal. Dos períodos das licenças especiais guarda memórias das viagens que fez pela Europa. O tempo não era todo passado em Portugal, ia a França, a Inglaterra e a outros locais que com mais tempo tinha a oportunidade de visitar. Os restantes dias das férias eram passados a visitar o país do coração de lés-a-lés, com pausas para passar tempo com os primos Cascais no interior norte de Portugal.
Aposentou-se em 2010, depois de vários anos de peripécias e de papeladas trocadas. «Apesar de há muito ter o tempo necessário para me aposentar, havia chefias que iam sempre atrasando o processo» relembrou um pouco agastada.
Para pedir o ingresso pesou também o facto de faltarem apenas alguns meses para completar os trinta anos de serviço. No entanto, a entrada no Serviço Público em Portugal, em 1999, veio coincidir precisamente com o aumento do número de anos que o Governo de Portugal exigia para os funcionários se reformarem antecipadamente.
No momento da escolha teve duas opções, sendo que a de ficar em Macau nunca se colocou. «Ou solicitava a integração ou a desvinculação, ou mudava para a Austrália».
Como já referimos, o facto de ter uma das filhas quase a entrar na Universidade em Portugal, mesmo contando com os trinta e cinco anos que necessitava para a reforma completa, fez com que decidisse por Portugal. «Os cinco anos a mais seriam os anos que a minha filha necessitava para terminar o curso». Com o aumento dos anos necessários para a reforma foi apanhada numa situação que não tinha conhecimento e para a qual não estava preparada. Como pouco ou nada podia fazer, resignou-se e continuou a trabalhar até ter os anos necessários para se aposentar, o que aconteceu quando perfez os 35 anos de serviço.
Tem visitado Macau com regularidade, tendo participado em quase todos os Encontros das Comunidades Macaenses. Guarda com carinho a visita de 2010 quando teve a oportunidade de presenciar o “boom” do crescimento do território, a abertura dos mega-casinos do COTAI e outras infra-estruturas que faziam falta. No entanto, confessou que hoje está saturada do desenvolvimento desenfreado.
«É de mais! Já não aguento tanta construção e tanto movimento», desabafou Maria de Fátima no final da nossa conversa. «Se quero ver a Torre Eiffel, vou a França!».
João Santos Gomes