Máquina de lavar, margueritas, chegadas e partidas

A nossa estada na ilha de Curaçao está a chegar ao fim, mas ao contrário do que estava planeado não iremos continuar rumo à Colômbia ou Panamá. A “rota” irá passar por outras paragens que nada têm a ver com a ideia inicial da viagem. Tal será explicado na próxima crónica.

Agora, após este interregno de quase um mês, é altura de fazer um rescaldo do muito que se passou por estas bandas. No que diz respeito ao barco, o motor está a funcionar sem quaisquer problemas relacionados com o sistema de gasóleo. Fica apenas a questão dos pistons para ser resolvida numa próxima oportunidade. O veleiro está pronto a zarpar.

Temos utilizado o motor frequentemente para ajudar a carregar as baterias, não porque seja estritamente necessário, mas porque não queremos que esteja sem funcionar durante muito tempo. Ligado, a carburar, temos a oportunidade de ver se algo está menos bem. No caso de detectarmos algum problema podemos resolvê-lo atempadamente, sem grandes surpresas. Os motores a gasóleo “não gostam” de grandes períodos de inactividade.

Outra das razões prende-se com o facto de, finalmente, ter-mos comprado uma máquina de lavar roupa. Um luxo a bordo que custou pouco mais de mil patacas e que vem dar uma grande ajuda numa das tarefas mais pesadas para a componente feminina da tripulação. A pequena máquina (top loader), fabricada na China – é quase na totalidade em plástico – lava apenas quatro quilos de cada vez, funciona somente com água fria e não tem centrifugação. É uma grande ajuda, tendo terminado a lavagem da roupa à mão. É a inveja de grande parte dos nossos vizinhos porque máquina de lavar roupa a bordo é um luxo reservado para os barcos que custam milhões.

Com uma gestão inteligente da água doce conseguimos fazer duas lavagens com apenas vinte litros de água, o que contribui para um baixo consumo desse bem tão essencial que é a água potável. Especialmente agora que o nosso dessalinizador deixou de funcionar pois precisa de novas membranas de osmose inversa. Quanto ao consumo eléctrico, gasta cerca de dez amperes por lavagem. Como só a utilizamos durante o dia, os painéis solares e o gerador eólico são suficientes para produzir tal quantidade. Se o motor do barco estiver a funcionar, nem se nota o consumo da máquina.

Também há muito que planeávamos adquirir uma liquidificadora. Como o nosso barco funciona a 110v, queríamos adquirir uma de estilo americano. Na minha opinião funcionam melhor e são mais potentes do que as que normalmente usamos com 220v. A máquina de fazer margueritas, como lhe chama a NaE, foi adquirida ao mesmo tempo que a máquina de lavar. Acreditem que se soubéssemos da sua utilidade já a teríamos comprado há mais tempo. Agora, com um pouco de gelo (também produzido no nosso frigorífico), umas frutas e água, fazemos os melhores e mais saudáveis batidos. Para desfrutar o pôr-do-sol nada melhor do que uma “marguerita” ou caipirinha…

Os últimos dias foram passados a ver uns amigos a chegar e outros a partir. Parte da tripulação do catamaran El Caracol já regressou de Portugal e está a iniciar os trabalhos de preparação para retomar a viagem que iniciou em 2015. Ao ancoradouro chegou outro veleiro português, do professor José Viegas e da sua mulher brasileira, Helena. De permeio foram a Bonaire para conhecer a ilha durante alguns dias. No regresso ancoraram mesmo ao nosso lado para contentamento da Maria que se relaciona com a Helena como se esta fosse sua avó.

Quanto à vida em terra e aos contactos com a comunidade portuguesa nada de novo foi adiantado e o encontro que se tentou organizar ficou suspenso. Espero que as sementes que ajudámos a semear dêem algum fruto no futuro. Este grupo de portugueses e luso-descendentes precisa de coesão. Se não forem eles a trabalhar para isso, ninguém irá ser capaz de os unir. Os membros da comunidade com quem falámos, alguns deles com cargos importantes na comunidade de Curaçao e mesmo no Governo, mostram-se interessados em que a comunidade de origem portuguesa se una e se organize para manter viva a cultura e o legado luso. No entanto, é preciso que alguém se chegue à frente e dê a cara.

Para ilustrar a dificuldade de unir as comunidades, pois o problema não é exclusivo aos portugueses, a luso-descendente que é directora dos Serviços de Imigração referiu o facto de existirem 22 partidos políticos numa ilha que tem pouco mais de cem mil votantes. Quando a comunidade na sua totalidade não se consegue congregar em redor de dois ou três líderes, como seria normal no caso de campanhas eleitorais, como será possível avançar para uma coesão em termos culturais?

A conversa que tivemos fez-me recordar em muito a realidade de Macau, onde a comunidade portuguesa, em que se inclui a comunidade macaense, nunca conseguiu encontrar um líder, espelhando essa diversidade também nas eleições. Na realidade, até hoje, não foi possível eleger um deputado que fosse o representante da nossa comunidade.

A consecutiva eleição de José Pereira Coutinho pouco ou nada tem a ver com o apoio da comunidade lusa de Macau. Pereira Coutinho sempre conseguiu a eleição para o hemiciclo com o grande apoio da comunidade chinesa, além, claro está, de alguns sectores da comunidade macaense, nomeadamente das famílias mais modestas que vivem em Macau há muitas gerações. Neste e noutros aspectos, como a preservação do creolo local, Curaçao partilha muitas similaridades com Macau, mesmo estando do outro lado do mundo.

JOÃO SANTOS GOMES

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