A Padroeira da Polónia
Este mês o Papa Francisco empreenderá uma viagem apostólica à Polónia, uma das mais importantes nações católicas do mundo, berço do Papa São João Paulo II e alfobre de santos e figuras emblemáticas da Igreja Católica. Hoje falaremos da Virgem de Czestochowa, mais conhecida como a Mãe de Deus, mas a quem os polacos tratam e veneram como uma verdadeira Rainha, a sua Virgem Negra de Jasna Gora. Este ícone é a mais venerada das imagens santas na Polónia, como relíquia mas também como símbolo nacional.
A imagem milagrosa de Jasna Gora encerra em si uma história multissecular, mais antiga que a própria Polónia, a cuja história está intimamente ligada. Segundo a lenda, depois da Crucifixão de Jesus, Maria, Sua Mãe, mudou-se para casa de João, o mais jovem dos Apóstolos e futuro Evangelista. Maria terá levado alguns pertences, entre os quais uma mesa que Jesus fizera anos antes na oficina de São José. Conta-se nessa lenda que, mais tarde, algumas mulheres piedosas de Jerusalém terão pedido a Lucas, um pintor (e futuro Evangelista) que pintasse a Virgem Maria. Lucas assim o fez, sobre a parte superior da dita mesa, enquanto ouvia Maria narrar-lhe a vida do Filho, que inspirariam a obra pictórica e depois também o seu Evangelho.
A lenda da imagem
A pintura icónica terá permanecido nos arredores de Jerusalém durante mais de dois séculos, até à sua descoberta, em 326, por Santa Helena, mãe do imperador Constantino e paulatina pesquisadora de objectos ligados à vida e morte de Jesus. O ícone, a par de outras relíquias, seguiu assim para Constantinopla, onde o filho de Helena erigiria uma igreja para recolher e guardar a imagem e render culto, no que o povo cristão cumpriu sem hesitação. A mesma imagem seria séculos depois exibida nas ruas perante os ataques dos muçulmanos, depois dos séculos VII e VIII. Taumatúrgica, protegeu a população que lhe prestou veneração, aumentando o seu culto. Sobreviveu às perseguições iconoclastas de Leão III, o Isáurico, graças à astúcia da imperatriz Irene, sua mulher, que escondera o ícone no próprio palácio real. Até ao séc. XIII esteve em Constantinopla, mas depois, à custa de servir como parte de dotes imperiais, foi parar à Rússia, dai indo fixar-se na actual Polónia, que então fazia parte daquele reino dos czares.
Um príncipe polaco, Ladislau, depois santo, tomaria depois posse da imagem, encerrando-a no seu palácio de Belz, em lugar especial. Mas nem ali a imagem esteve a salvo, pois num ataque dos tártaros ao castelo, uma flecha destes acabaria cravada na garganta da Virgem pintada no ícone. Esta lacuna na pintura permanece até hoje, recordando o momento e sobrevivendo, curiosamente, a todas as tentativas de restauro que se fez à imagem.
Até Czestochowa
Ladislau tomou em determinação a salvaguarda da imagem, protegendo-a dos sucessivos ataques dos tártaros, mudando o ícone para a sua cidade natal de Opole. A caminho desta parou em Czestochowa, onde decidiu pernoitar. De manhã, ao querer retomar o caminho, os cavalos que transportavam o ícone recusaram-se a andar, decidindo o príncipe que a imagem ficaria na localidade, em Jasna Gora (“colina luminosa”, em Polaco), na igreja da Assunção. Estava-se no da 26 de Agosto de 1382, dia da festa desta invocação mariana. Ladislau determinou ainda que a imagem ficasse custodiada por santos homens, pelo que confiou aos Monges Paulinos a sua guarda e culto no mosteiro em Jasna Gora. Assim tem sido até hoje, diga-se. A veneração dos monges é de facto admirável, rendendo-lhe diariamente homenagem e culto, tratando-a como uma Rainha, com música e render da imagem rigorosamente cumpridos todos os dias do ano. Até hoje!
Mas tal não significa que a imagem tenha estado sempre em paz e segurança. Os Hussitas, um movimento cristão contestatário e pré-reformista, ameaçaram a integridade do ícone no séc. XV, saqueando o mosteiro dos Paulinos em 1430, roubando vários objectos sumptuosos e a imagem da Virgem Negra. Mais uma vez os cavalos que levavam a imagem se imobilizaram. Os hereges, porém, recordando o milagre idêntico com São Ladislau, logo arremessaram a imagem para o chão, partindo-a em três partes. Além de desferirem golpes de espada, que cortaram a imagem, como se vê no rosto. Um deles, ao preparar-se para o terceiro golpe, caiu fulminado por terra, morto. Estes golpes, como a anterior lacuna na imagem, ficariam sempre saliente e visíveis, mesmo com as tentativas de restauro.
Imagem heróica, digna de maravilhas
Uma autêntica sobrevivente esta imagem. Em 1655, doze mil suecos cercaram o mosteiro, defendido por apenas trezentos homens, além dos monges. O número não logrou vencer, mas sim a fé e determinação dos que defenderam o santuário. A protecção da Virgem valeu-lhe a homenagem e gratidão simbólica dos homens: o rei João II Casimiro da Polónia coroaria a Virgem como Rainha da Polónia em 1656, a 1 de Abril. Em 1920 o exército russo que invadia a Polónia retirou-se de Varsóvia, a 14 de Setembro, um dia depois da aparição da imagem numa nuvem sobre a cidade: o Milagre do Vístula. O fervor da devoção nacional do povo polaco à Mãe de Deus de Czestochowa anima a nação desde sempre, como sucederia na Segunda Guerra Mundial, novamente. Na ocupação nazi, uma das ordens expressas de Hitler foi a proibição de peregrinações na Polónia, pois era-lhes reconhecido o valor e estímulo e fortaleza que conferiam aos polacos, em particular à Virgem Negra. Em demonstração do seu amor pela Virgem e confiança na sua protecção, mais de meio milhão de polacos visitaram secretamente o santuário durante a Guerra, contra as ordens e perseguição dos nazis. Em 1945 a Polónia foi libertada: uma das primeiras manifestações de regozijo dos polacos foi visitar e orar diante da imagem de Jasna Gora. Assim o fizeram mais de 1,5 milhões de polacos, em expressão de gratidão filial.
Durante cerca de quarenta anos a Polónia submergiria no regime soviético, anti-religioso. Todos os anos, todavia, centenas de milhar de polacos visitaram e oraram no santuário, desafiando as patrulhas do exército polaco e russo. Ao longo do ano, mas em especial nas festas marianas mais importantes, a devoção e oblação filial dos polacos cumpria-se diante da imagem milagrosa da Virgem Negra. “Sou morena mas bela”, como reza o Cântico dos Cânticos, assim é a Virgem Negra de Czestochowa. Antiga, bela, protectora, Mãe de Deus e da Polónia, nos bons e nos maus momentos, uma Rainha, taumatúrgica e intemporal. Um dos seus maiores devotos foi precisamente São João Paulo II, que inúmeras vezes a visitou e reverenciou, como a uma Mãe…
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa