Já sabemos, há muito, que as preocupações quotidianas dos políticos e dos financeiros são quase sempre diferentes das dos comuns cidadãos e, em Portugal, esta situação não foge à regra. Por muito que uns tentem influenciar os outros, levando-os a atormentar-se com as suas inquietações, os portugueses estão tão fartos dos jogos de poder que influenciam as posições públicas, que duvidam cada vez mais de qualquer certeza.
Por outro lado, a Comunicação Social do País (salvo raras e honrosas excepções) está de tal modo associada aos interesses de uns e de outros que basta ler os títulos das primeiras páginas para se ter uma ideia daquilo que o articulista quer defender.
Há no entanto quem, independentemente da sua posição política, se manifeste pela verdade, sem medo de eventuais consequências.
“O Fundo Monetário Internacional (FMI) recomenda que o Governo aplique medidas de austeridade de 0,5 por cento do Produto Interno Bruto (PIB), cerca de 900 milhões de euros, no próximo ano, focando-se nos salários e pensões da função pública”. Após a saída desta recente notícia nos jornais portugueses o coro de alarmes da oposição clamou contra o Governo, acusando-o de não estar a ter em consideração os avisos do FMI.
Mas eis que, curiosamente, uma ilustre figura do PSD (Duarte Pacheco) veio à praça pública dizer: «Há dias em que o FMI diz que a austeridade e determinado tipo de cortes são maus para a economia e é necessário repensar parte do programa de ajustamento, que o ajustamento foi muito forte… há outros dias em que diz que o ajustamento não é suficiente e deve ser reforçado, ter medidas reforçadas. Esta incongruência do FMI está presente e não abona a favor da sua credibilidade». A oposição calou-se!
Mas será que alguém ainda perde tempo a avaliar as “projecções” do FMI sobre a economia portuguesa, depois do chorrilho de disparates que, a este propósito, esta instituição tem dito sobre Portugal? Parece que sim, nomeadamente aqueles que se esquecem das pensões miseráveis e dos cortes salariais que os nossos funcionários sofreram desde 2011 e que, só agora, começam a ser recompensados. Para serem aumentados? Não! Para, até ao fim de 2016, ficarem com o mesmo vencimento que tinham em 2009! É muito?
Aqui há dias uma deputada do Bloco de Esquerda fez uma afirmação acerca de um aumento de impostos sobre a propriedade imobiliária, que o Governo se preparava para incluir no Orçamento Geral do Estado para 2017.
“Aqui del rei”, gritou a oposição! “Estão a dar cabo da classe média,… Isto é um roubo,… etc.”
Embora não seja ainda público o texto dessa medida (só no próximo mês), já foram feitas afirmações, por parte de alguns responsáveis políticos, de que esse aumento de imposto se destina a famílias que possuam propriedades imobiliárias de valor superior a 1 milhão de euros. Sabendo-se que existem oito mil e 600 famílias nessas condições, pergunto: num país de dez milhões de habitantes, será isto a nossa chamada “classe média”? Se assim for, imagino a riqueza imobiliária que terá a “classe alta” portuguesa…
O que mais interessa para a maioria dos portugueses que tem casa própria (75%) é a nova lei que há quatro meses deixou de permitir que lhes tirassem a casa por dívidas aos impostos. Salvaram-se mil 210 famílias que vão pagando, à medida das suas possibilidades. Coitados dos que as perderam antes!
A oposição PSD/CDS considera que, com as medidas que o Governo adopta, o País deixou de ser atractivo para o investimento. No entanto, e muito recentemente, o CEO da Corticeira Amorim (uma das maiores fortunas portuguesas) declarava: «Acho que Portugal é o melhor país para investir na Europa. Não tenho nenhuma dúvida». Será que a falta de investimento em Portugal é consequência das políticas do Governo ou de causas que lhes transcendem?
Também o INE (Instituto Nacional de Estatística) publicou recentemente que no primeiro semestre deste ano o défice saldou-se em 2,8 por cento. “É muito! É muito!”, gritou a oposição! Esqueceram-se de salientar que em igual período do ano passado, quando a actual oposição era Governo, o défice foi de 4,6 por cento.
Nem tudo vai bem no nosso rectângulo. O português, ouve, lê e ajuíza sobre a informação contraditória que lhe chega, pela identificação das suas fontes e pelo nível do seu próprio bem-estar e conclui que, perante a disparidade de opiniões, tem dúvidas sobre qual é o capítulo da “Divina Comédia” de Dante que estamos a viver: o Inferno? O Purgatório? Ou o Céu?
LUIS BARREIRA