Aborto, eutanásia e mudança de género são traição à natureza humana
A “lei natural”, um conceito com larga tradição na história da filosofia, dá o mote a um ciclo de palestras que se vão prolongar até ao início de Junho e que procuram analisar de forma crítica a relação entre o Homem, Deus e a Natureza. O padre Franz Gassner, director da Faculdade de Estudos Religiosos e Filosofia da Universidade de São José, é um dos palestrantes e vai procurar explicar porque razão é importante «ouvir a linguagem da Natureza e agir em concordância».
Em 1990, as autoridades de Nova Iorque confrontavam-se com um dilema. Com a cidade refém de quebras cada vez mais frequentes no abastecimento de água, a autarquia foi intimada a decidir se investia centenas de milhões de dólares num novo sistema de tratamento e filtragem de água ou se canalizava um montante significativamente mais pequeno para a protecção das florestas e dos lençóis freáticos que rodeiam a metrópole. Numa altura em que as preocupações ambientais ainda não estavam tão enraizadas como estão hoje, a autarquia arriscou e decidiu-se pela abordagem mais barata, mas também mais natural. Trinta anos depois, a água que chega à torneira dos nova-iorquinos tem uma qualidade muito superior à água que é consumida na maior parte das cidades norte-americanas.
O exemplo é avançado pelo padre Franz Gassner para procurar argumentar porque razão a lei natural e o jusnaturalismo – o direito fundamentado na Natureza, bom senso, racionalidade, equidade, igualdade, justiça e no pragmatismo – deve continuar a ser uma referência em termos filosóficos, morais e ontológicos. A chamada “lei natural” – um conceito com larga tradição na história da filosofia – dá, até ao início de Junho, o mote a uma série de palestras na Universidade de São José que se propõem analisar a relação entre o Homem, Deus e a Natureza.
O ciclo de palestras arrancou a 11 de Março, com Sonja Xia, doutorada em Teologia pela Universidade Católica de Louvaina, a abordar a questão da lei natural à luz do pensamento grego clássico e à luz da Doutrina Cristã. A 8 de Abril, Thomas Cai vai abordar o contributo dado por São Tomás de Aquino para o entendimento da relevância da lei natural e doze dias depois, a 20 de Abril, é a vez de Ian Alabanza se pronunciar sobre a ética da lei natural como uma referência em termos de comportamento humano.
Para o padre Franz Gassner, actual director da Faculdade de Estudos Religiosos e Filosofia da Universidade de São José, não é difícil perceber porque razão o comportamento humano se deve fundamentar numa atitude de compromisso para com a Natureza, até porque a Natureza é parte fundamental da identidade humana. «Agir de acordo com a lei natural significa, fundamentalmente, aceitar e agir de acordo com o plano de Deus espelhado na Natureza. Qualquer pessoa de boa vontade pode aceder a este plano através do uso da razão. Este plano, que se espelha na Natureza, também alimenta a identidade humana, o florescimento humano e o bem comum das sociedades. Por exemplo, uma empresa ou uma sociedade não podem ignorar a natureza humana no que diz respeito à necessidade de dormir ou de descansar. Se o fizer, sujeita-se a acidentes ou a desastres. E é por isso que existam regulamentos e leis para os pilotos, para os condutores de autocarros, que têm que ser monitorizadas e melhoradas tendo por base a Natureza e a lei natural e não pressupostos que vão contra ela», salienta o padre Gassner.
A 20 de Maio, no Auditório D. Bosco, situado no campus da Universidade de São José na Ilha Verde, Franz Gassner vai procurar, de resto, explicar porque razão é importante «ouvir a linguagem da Natureza e agir em concordância». O repto tem por base uma passagem de um discurso feito por Bento XVI em 2011, no Parlamento alemão, no qual o Papa emérito se pronunciou sobre a relação que o homem mantém com a Natureza, lembrando que a Terra tem a sua própria dignidade. É essa dignidade, sustenta o director da Faculdade de Estudos Religiosos e Filosofia da USJ, que é muitas vezes atropelada em prol do lucro fácil e de uma modernidade nem sempre com contornos bem definidos. «As sociedade modernas têm de voltar a aprender a ouvir a Natureza e a agir em concordância. De acordo com os cientistas, a pandemia evoluiu de forma tão rápida e com tanta agressividade também devido ao constante enfraquecimento da Natureza e à exploração da resiliência ambiental, em particular no que diz respeito à biodiversidade», defende o missionário da Congregação do Verbo Divino, em declarações a’O CLARIM.
«A protecção da biodiversidade é um passo fundamental no processo de aprender a ouvir a Natureza e a mudar as nossas práticas a todos os níveis. A sociedade “do descartável”, com o constante desperdício de recursos e de energia, ignora a Natureza e a lei natural», considera o sacerdote.
Mas o desperdício de energia e de recursos, sublinha ainda, é apenas um dos exemplos da indiferença a que as sociedades actuais votaram a voz da Natureza e a lei natural. Questões fracturantes como o abordo, a eutanásia ou a mudança de género, defende o padre Gassner, constituem uma traição à própria natureza humana. «De facto, são opções que são contrárias à natureza humana e à razão. São contrárias também à tradição e aos ensinamentos da Bíblia. Matar os inocentes e os mais fracos dos humanos no útero é um ataque incrivelmente injusto e cruel contra a natureza humana, contra o bem-estar humano e contra o bem-comum das sociedades. No final da vida, também somos aconselhados a ouvir a Natureza com mais cuidado. Qualquer humano tem o direito de morrer no fim do seu tempo natural, sem que a vida seja artificialmente prolongada seja por que via for, o que é algo contrário à natureza humana, à dignidade humana e também ao bem comum», remata.
Depois da intervenção do padre Franz Gassner, a Universidade de São José acolhe ainda duas outras palestras relativas ao tema. A 27 de Maio, Roberto Ceolin vai dissertar sobre a lei natural na tradição judaica e na tradição islâmica; e a 10 de Junho Tyler McNabb encerra o ciclo de intervenções com uma palestra intitulada “Lei Natural e Teoria do Comando Divino: Uma Síntese”.
As palestras decorrem no Auditório D. Bosco, são proferidas em língua inglesa e têm todas início às 19:00 horas.
Marco Carvalho