Laos – As Montanhas do Calaminhã – 6

Uma biodiversidade em sério risco

O território do Laos compreende 235 mil quilómetros quadrados e faz fronteira com a Tailândia, o Camboja, o Vietname, a China e Myanmar. Cerca de 70 por cento do País é constituído por montanhas e florestas, e dois terços da sua área encontra-se densamente arborizada. A maior parte da população concentra-se nos vales que ladeiam os cursos de água.

O maior rio, o Mekong, ou Nam Khong, percorre toda a extensão do País. Abastece férteis planícies e constitui uma privilegiada via de comunicação. Apesar da destruição do arvoredo na parte leste do País, junto ao denominado trilho de Ho Chi Min, provocada pelos herbicidas, desfolhantes e bombas aí lançadas durante a guerra do Vietname, o ecossistema laosiano, no seu todo, é um dos mais bem preservados do Sudeste Asiático.

Em contrapartida, no que se refere à investigação zoológica e botânica, o Laos é, juntamente com o Camboja, um dos países menos estudados em todo o mundo. Em 1993 o Governo conferiu protecção legal a dezassete áreas de biodiversidade, num total de 24 mil e 600 quilómetros quadrados, um pouco mais do que dez por cento da superfície terrestre do País. A maioria dessa área concentra-se no Sul, que detém maior percentagem de floresta do que o Norte. A maior reserva natural do Laos, Nakai-Nam Theun, cobre uma área de três mil 710 quilómetros quadrados e é o habitat do recentemente descoberto boi Vu Quang.

Como na maioria dos países em vias de desenvolvimento, um dos maiores obstáculos que se coloca ao Meio Ambiente tem a ver com a corrupção que medra livremente entre muitos daqueles que estão encarregados de fazer cumprir a legislação. É assim que o abate ilegal de árvores e o contrabando de espécies animais exóticas continua a desenrolar-se impunemente. Organizações ambientalistas aqui sediadas – tais como a WWF, a IUCN e a Wild Conservation Society – lançam gritos de alerta acerca da precariedade do ecossistema deste pequeno país. A principal ameaça situa-se precisamente junto às suas linhas fronteiriças.

 

PERMISSIDADE FRONTEIRIÇA

Delimitado a oeste e a sul pelo Myanmar, Camboja e pela Tailândia, e a leste e a norte pelo Vietname e a China, o Laos está sujeito a todo o tipo de tráfico ilegal. Seja ópio, pedras preciosas, madeira ou espécies animais ameaçadas de extinção.

O melhoramento substancial das condições da estrada número 8, que liga a província central laosiana de Bolikhamsai à província vietnamita de Ha Tinh, e a abertura de um posto fronteiriço entre os dois países, veio facilitar e incrementar a venda e tráfico de vastas quantidades de madeira. O Laos surgia assim como vendedor e contrabandista, enquanto ao Vietname cabia o papel de comprador e negociador, quando não o de ladrão, já que muita da vida selvagem laosiana que desaparecia a olhos vistos todos os anos era obra de caçadores furtivos vietnamitas que buscavam as suas presas do outro lado da fronteira.

Nada mais, nada menos do que cinco empresas madeireiras vietnamitas operavam abertamente nas províncias de Bolikhmasai e de Khammoumane, lado a lado com outras tantas empresas do Laos. Camiões carregados de toros recentemente derrubados tinham-se tornado comuns na Estrada 8. Eram eles os principais clientes do posto fronteiriço de Nam Paho-Cau Treo, também utilizado por turistas e homens de negócio.

Paralelamente a todo este alarmante processo de desflorestação, assistia-se ao aumento da caça clandestina e captura de espécies animais raras que eram enviadas como produtos de “exportação” para os mercados lucrativos do Vietname, China e outros destinos internacionais.

«Estima-se que mais de 400 pangolins são contrabandeados diariamente entre o Vietname e a China», afirmava James Compton, responsável pelo programa indochinês da WWF (World Wide Natural Fondation). «Se tivermos em conta que o preço mínimo de venda se situa na casa dos trinta dólares americanos por quilo e que cada animal pesa em média quatro quilos, veremos que um total de mil e 600 quilogramas diários de carne rende 48 mil dólares». Um negócio bem lucrativo, como se pode constatar.

O ambientalista recordava ainda que tendo em conta a fraca densidade florestal do Vietname (menos de 20% da superfície total, embora as figuras oficiais sejam mais optimistas) esses animais só podiam ser originários de países como o Laos ou o Camboja, onde a floresta e bem mais densa. «A China é o principal destino de todos estes animais», assegurava James Compton. «É conhecida a sua apetência por este género de produtos. Um determinado tipo de tartaruga, nativa da cordilheira Anamita, por exemplo, vale no mercado local mais de 600 dólares o quilo». Atraídos por preços exorbitantes como estes, elementos das tribos locais não hesitavam em abater tudo o que mexia em terra ou voasse no céu. Mesmo sabendo que estavam a violar as leis de protecção da vida selvagem, que tanto o Laos como o Vietname assinaram, mas cuja consolidação e aplicação efectiva esbarrara com o estado depauperado e de subnutrição das populações locais, com os salários baixos dos agentes de autoridade e com os altíssimos índices de corrupção registados em toda esta região.

Para comprovar tal permissividade bastava fazer uma visita ao mercado central de Vientiane onde se encontrava de tudo: desde primatas-bebés (cuja captura obrigava necessariamente ao abate da mãe-macaca) e todo um leque de pássaros vendidos como animais de estimação, a chifres de veados gigantes, serows (espécie de cabra selvagem), saolas (espécie de antílope asiático raríssimo), dentes de urso, testículos secos de tigre, etc… A maioria destas espécies eram únicas no planeta e o seu habitat limitava-se, exclusivamente, às florestas profundas da cordilheira Anamita, que se estende ao longo da fronteira vietnamita.

«O mais grave é que são cada vez mais os estrangeiros a comprar semelhantes produtos para os levarem para casa como lembrança e muitos deles nem sequer se dão conta que estão a encorajar os caçadores furtivos e a violar a lei do Laos», dizia por sua vez William Robichaud, coordenador do WWF.

«Temos dados que permitem concluir que existem redes organizadas, especializadas no tráfico de espécies como o pangolim, a tartaruga e de diferentes pássaros”, notava James Compton.

 

TRÁFICO DE ANIMAIS SELVAGENS

Quanto ao tráfico de espécies como o tigre, o urso ou outros grandes mamíferos que habitavam as florestas adjacentes à fronteira do Vietname, admitiam ambos não saber como se processava. Presumiam que seriam transportados, pela calada da noite, por trilhos clandestinos e através dos rios. Entre estes mamíferos encontrava-se o elefante, cuja população se encontrava em declínio acentuado. Poucos dados existem sobre a seu número actual. Sabe-se que os bombardeamentos da extensão da guerra do Vietname ao Laos dizimaram uma boa parte deles. No entanto, a possibilidade da sua sobrevivência seria elevada, devido à fraca densidade populacional do Pais e abundância de zonas florestais. Em locais como Myanmar, Sri Lanka ou Índia a situação dos paquidermes era bem mais reconfortante, já que estes se encontravam ao serviço do homem, o que não acontece hoje, como acontecia outrora, no Laos.

No que se refere ao combate aos caçadores e madeireiros clandestinos, as autoridades do Laos mostravam serviço. Recentemente, como noticiava o Vientiane Times, “foram descobertas na província de Sayaboury 1020 metros cúbicos de árvores abatidas ilegalmente”. Segundo o mesmo periódico, a policia detivera então “187 prevaricadores” e apreendera seis mil 930 toros de madeira e “dez quilos de animais”. O apontamento terminava dizendo que “durante a operação os oficiais educaram os faltosos e multaram-nos no valor de 110 milhães de kips (moeda local)”.

A realidade económica da actual situação seria difícil de alterar, pois os contrabandistas e negociantes vietnamitas olhavam ainda para o Laos como uma fonte inesgotável de animais selvagens, enquanto os aldeões nacionais continuariam a vender as suas presas a quem oferecesse mais. Era comum ouvi-los dizer: “Se os vietnamitas não quisessem comprar, não caçaríamos as quantidades que caçamos”.

A única forma de pôr termo a todo este processo seria criar condições para que os aldeões e as diferentes etnias das zonas montanhosas do Laos não tivessem de depender da caça clandestina para melhorar a sua condição económica. Como dizia uma residente da capital entrevistada pelo Vientiane Times, sem papas na língua e em jeito de desabafo que não deixa de ser uma denúncia: “Gosto de comer animais selvagens pois é algo que fiz toda a minha vida. Cresci num pequena aldeia onde era habitual caçarmos pássaros, javalis e cães selvagens. Nessa altura havia-os em abundância. Estou segura que os aldeões de agora preferiam não caçar, mas fazem-no porque tem falta de alimentos, precisam de dar de comer à família. Por essa razão penso que é difícil proteger as espécies selvagens. Por outro lado, os caçadores são atraídos pelos preços elevados que conseguem com a venda desses animais. Esta actividade envolve muita, mas mesmo muita gente, incluindo polícias, soldados e funcionários do Estado”.

É preciso ter em conta, no entanto, que a maioria da gente do Laos vive pouco acima do nível de subsistência, consumindo comparativamente muito menos das seus recursos naturais do que os congéneres do dito “mundo desenvolvido”.

Joaquim Magalhães de Castro

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