«O impulso para a solidariedade tem de vir da própria sociedade»
Fundado na década de 40 do século passado, o mais antigo clube rotário de Macau foi um dos oito que no início da semana fizeram um apelo público à doação de sangue. No auge da pandemia, o organismo estendeu o braço a trabalhadoras migrantes com filhos recém-nascidos, está a ajudar a reconstruir uma escola no Nepal, a erradicar a poliomielite no Paquistão e a promover projectos de agricultura sustentável na Guatemala, sempre fiel ao princípio de que servir o outro é o mais importante. João Francisco Pinto, presidente do Rotary Club of Macau, em entrevista a’O CLARIM.
CL– O Rotary Club of Macau fez esta semana um apelo à dádiva de sangue. Esta é uma iniciativa que o Movimento Rotário tem vindo a promover em conjunto com o Centro de Transfusão de Sangue já há bastantes anos, mas agora com uma importância ainda mais significativa, uma vez que Macau se depara com a falta de um tipo específico de sangue…
JOÃO FRANCISCO PINTO– Os números mostram que há uma descida no número de dadores caucasianos e há também uma descida no número de dadores do tipo de sangue RH- [RH Negativo] e, portanto, há um apelo por parte dos oito clubes – a iniciativa não é organizada só pelo nosso clube, são os oito clubes que a organizam – para que haja uma mobilização de possíveis dadores, para que participem activamente e façam uma doação deste tipo de sangue, que é particularmente escasso entre as populações asiáticas. No ano passado não foi possível realizar este evento, porque a iniciativa coincidiu precisamente com o pico da epidemia em Macau. Aquilo que aconteceu foi que membros dos vários clubes foram individualmente doar sangue. A iniciativa foi lançada em 2001 pelo antigo presidente do Rotary Club of Macau, o Doutor Alfredo Ritchie. Na altura ele era presidente do clube e, enquanto médico, entendeu que fazia sentido uma iniciativa desta natureza.
CL– Esta é uma das iniciativas que o Rotary Club of Macau promove. Não é de todo a única…
J.F.P.– O Movimento Rotário é uma organização de carácter humanitário internacional. Tem cerca de um milhão e duzentos mil membros em todo o mundo e é um movimento com 116 anos. Não é propriamente algo novo. O clube ao qual eu pertenço – o Rotary Club of Macau – é o mais antigo de Macau. Tem agora 74 anos e é, nesta região do mundo, o segundo clube mais antigo. O mais antigo está em Hong Kong. Os clubes rotários desenvolvem, essencialmente, projectos humanitários em várias áreas de acção muito específicas: a saúde, a educação, o ambiente. No total, o Movimento Rotário identificou oito áreas de acção. Em relação aos projectos que nós já desenvolvemos este ano, participámos num projecto denominado “Global Grant”, um projecto internacional que reúne vários clubes espalhados pelo mundo que contribuem para uma causa comum. Estivemos envolvidos num projecto desta natureza, na Guatemala. Associámo-nos a um clube da cidade de Sammamish, no Estado norte-americano de Washington. É um projecto que está a ser realizado na América Central e que se destina a apoiar a população de uma aldeia com um plano de agricultura sustentável que permita à aldeia ser auto-suficiente e colocar os seus produtos nos mercados. Fizemos uma doação para este projecto. Também fizemos uma doação para apoiar a reconstrução de uma escola em Pokhara, no Nepal. Esta escola foi destruída pelo terramoto que afectou o País há uns anos. As obras estão praticamente prontas e as instalações ainda não foram inauguradas porque não há aulas no Nepal por causa do Covid-19. Foi um projecto que desenvolvemos logo no início do ano, colocámo-nos em contacto com eles, no sentido de acompanharmos o processo e há até planos para depois continuarmos a apoiar uma iniciativa, nesta escola do Nepal, de natureza educativa.
CL– Promovem também projectos direccionados para Macau…
J.F.P.– Em Macau, promovemos, em Agosto, uma iniciativa em cooperação com a Cáritas. Participámos no “World Clean Up Day”, em Setembro. Levámos um grupo de estudantes da Escola São Paulo para a Taipa Velha, para apanhar o lixo das ruas daquela zona, reciclar latas, vidros, plásticos, papel e deitar fora aquilo que não era reciclável. Isto foi feito na Taipa Velha e ao redor da Escola São Paulo, na Rampa dos Cavaleiros. Conduzimos depois uma iniciativa de angariação de fundos para o “The Rotary Foundation End Polio Fund”. Juntámos cerca de oitenta pessoas e isto resultou num donativo de cerca de três mil e 500 dólares norte-americanos, com a característica de que a Fundação Bill Gates por cada dólar que é doado por um Rotary Club, acrescenta dois. Esta nossa doação de três mil e 500 dólares norte-americanos multiplicou-se por três, ou seja, estamos a falar de dez mil e 500 dólares. Participámos também num outro projecto, juntamente com outro clube aqui de Macau, o Clube da Penha, na produção de microfilmes por estudantes sobre questões ligadas à saúde. Doámos algum dinheiro para este projecto. Promovemos ainda uma festa de Natal para pessoas com necessidades especiais: para os utentes da Fu Hong, da Associação dos Pais com Crianças Deficientes e dos Special Olympics. Juntámos 270 pessoas de quatro associações que apoiam pessoas com dificuldades numa festa de Natal, que é uma forma de lhes dar um palco para eles poderem brilhar, no sentido em que são eles próprios a montar as suas próprias performances e, depois, oferecemos-lhes um lanche. Esta é uma iniciativa que já vínhamos a desenvolver há muitos anos, mas tinha uma dimensão muito maior. Nos anos anteriores eram cerca de seiscentas pessoas, mas por causa da pandemia tivemos de reduzir a dimensão dos nossos projectos. Em Janeiro, no dia em que se assinalou o primeiro aniversário da identificação do primeiro caso de Covid em Macau, realizámos um seminário sob os efeitos psicológicos do Covid-19 na população. Reunimos um psicólogo, um psicoterapeuta, o Augusto Nogueira, presidente da ARTM, para falar sobre os efeitos da pandemia nas pessoas com dependência e tivemos também a Fátima Santos Ferreira para falar sobre o impacto que a pandemia teve sobre as pessoas com deficiência mental que são apoiadas pela Fu Hong e que estiveram durante algum tempo sem apoio, uma vez que os centros estiveram fechados. Vamos organizar agora esta campanha de doação de sangue e, em Março, vamos ter também uma iniciativa conjunta com o Movimento Rotário de Hong Kong, um concerto “online” de angariação de fundos para uma associação da área da assistência social. Em Hong Kong será escolhida uma associação e, em Macau, o apoio reverte a favor do Berço da Esperança.
CL– Em Macau, no ano passado, surgiu um novo clube rotário. Apesar de ser um movimento com mais de um século, continua a ser atractivo?
J.F.P.– Eu penso que sim. Regista-se um crescimento dos membros dos clubes a nível mundial, há uma multiplicação de clubes, há mais clubes, sobretudo aqui nesta região. Referia-se à criação do Macau Oriental Pearl, que é o clube mais recente em Macau, mas em Hong Kong também foram criados novos clubes nos últimos meses. Isto tem que ver com a percepção que existe de que há muito trabalho a fazer a nível de apoio humanitário e é preciso desenvolver esse trabalho, até porque os Estados e os Governos não chegam para tudo e o impulso para a solidariedade tem de vir da própria sociedade. O Rotary Club tem um lema: “Service Above Self” – servir é mais importante do que nos próprios – e penso que as pessoas adquirem gradualmente esta consciência da necessidade de servir e procuram integrar-se em organizações que têm essas características.
CL– A pandemia obrigou, de certa forma, o próprio Movimento Rotário a reinventar-se…
J.F.P.– Há muitos projectos na área da saúde que foram direccionados para a prevenção do Covid-19. No nosso caso, em concreto, tivemos um seminário, tivemos uma acção em conjunto com a Cáritas de doação de fraldas e leite em pó para os filhos recém-nascidos de trabalhadoras migrantes que perderam o emprego. Em Hong Kong houve muitas acções de doação de máscaras. Durante o mandato do anterior presidente, colaborámos num projecto com um clube da cidade de Bérgamo, em Itália, de doação para a aquisição de equipamentos de protecção individual. É óbvio que a situação em Macau estabilizou muito rapidamente e nós tivemos a oportunidade de retomar as nossas actividades normais, mas ainda há poucos dias eu ouvia uma mensagem do presidente do Rotary International a propósito do aniversário do movimento, que celebrou agora, durante o mês de Fevereiro, 116 anos, e em que ele, basicamente, dizia que ao longo do seu mandato – que é também de um ano e que vai até ao fim deste ano rotário, até 1 de Junho – não tinha saído de casa, mas que ainda assim tinha conseguido participar em mais reuniões e fazer mais trabalho do que aquilo que teria feito se pudesse andar a visitar projectos e clubes em todo o mundo. Isto aconteceu com a esmagadora maioria dos Clubes Rotários, que passaram a ter uma presença virtual: reúnem “online”, criam e desenvolvem os seus projectos de uma forma diferente daquilo que faziam. Houve, de facto, uma reinvenção. O movimento alterou a sua forma de trabalhar.
Marco Carvalho