O minarete-farol
Cientes da importância comercial do porto de Banten, os concorrentes europeus dos portugueses – ingleses, dinamarqueses e, de novo, holandeses – tudo fizeram para abrir feitoria. E com sucesso. Ironicamente, e apesar da nega inicial a Houtman, o país da VOC acabaria por sair triunfante. Numa batalha naval ocorrida a 27 de Dezembro de 1601, na baía de Banten, a denominada “Armada do Sul” de André Furtado de Mendonça, enviada de Goa com a missão de afastar os holandeses de Amboíno e de Sunda, e assim restaurar o poderio português, sucumbiria frente aos protestantes comandados por Walter Harmensz. O episódio é relatado pelo pastor luterano Michael Brüggeman, mais conhecido como Pontanus, no seu livro “Rerum et urbis Amstelodamensium Historia” (1611), fazendo-o acompanhar de uma ilustração evocativa com a seguinte legenda: “Volphardi Harminij adversus Lusitanos navale pralium”.
Ao longo de todo o século XVII mantiveram-se invariavelmente tensas as relações da VOC com os governantes locais da cidade, pois estes legitimamente se opunham à tentativa monopolista dos europeus do Norte. Só em 1756 cairia Banten, finalmente, sob o controlo da capitalista empresa, continuando o sultanato a manter o controlo da região interior até 1813, ano em que seria oficialmente abolido e transformado em residência preferencial dos funcionários da Companhia das Índias Orientais Holandesas.
Bem amuralhada, Banten fora projectada com preceitos importados de Java, em vez de espelhar os padrões locais sundaneses. Em 1596 – cinco anos antes da derrota que ditaria o fim da nossa presença regular, mas não definitiva – habitavam a cidade cerca de cem mil pessoas. O transporte fazia-se pelos rios e os canais eram atravessados por inúmeras pontes. Apenas os indonésios estavam autorizados a viver intramuros; aos estrangeiros esperava-os a parte exterior da muralha: muçulmanos a nordeste, não-muçulmanos a oeste. Entre estes haveria certamente bastantes portugueses.
Constato, ao visitar a actual Kota Banten, algum do fausto de outrora. O palácio de Surosowan – tradicional residência dos sultões – construído em 1552, agora em ruínas; e a impressionante Grande Mesquita. Este é o único edifício sobrevivente daquela época e motivo principal de visita para a esmagadora maioria dos forasteiros. No seu interior se presta homenagem ao sultão Maulana Hasanuddin (reinou de 1552 até 1570) e seus descendentes ali sepultados. Bem mantido, o complexo da Grande Mesquita engloba vários edifícios que reflectem uma mistura de estilos arquitectónicos locais e importados. No minarete, por exemplo, em forma de farol, é notória a influência portuguesa, de resto, também bem espelhada na torre de vigia e nos reservatórios artificiais. Graças a um eficiente sistema de drenagem, garantido estava o abastecimento de água a partir da região sul da cidade através de aquedutos e tubulações subterrâneas, e não me admiraria nada que nessa obra tivessem estado envolvidos técnicos portugueses.
Nas proximidades, no bairro de Kasunyatan, deparamos com uma das mais antigas mesquitas da Indonésia. Fundada entre 1570 e 1596, ali funcionou um importante centro de aprendizagem islâmico. Também o minarete deste edifício, merecedor do estatuto patrimonial durante a época colonial holandesa, denota estilo português. Trata-se de uma torre de tijolos caiados de branco, coberta com telhas de barro, com onze metros de altura e três andares. Assemelha-se este minarete ao de uma outra velha mesquita, a Pecinan Tinggi, também na zona histórica de Banten.
O palácio de Surosowan seria destruído pelos holandeses durante um conflito com o sultão Ageng Tirtayasa, em 1680. Ageng deu um enorme impulso à marinha do sultanato ao construir navios inspirados em modelos europeus. Foi ainda um grande dinamizador da actividade comercial com o restante arquipélago indonésio e, com a ajuda de portugueses, ingleses, dinamarqueses e chineses, levou o trato a destinos tão distantes como a Pérsia, a Índia, o Sião, o Tonquim, a China, as Filipinas e o Japão, reavivando assim a tradição javanesa do comércio de longa distância. Banten viveu nessa época um período de grande prosperidade e os seus domínios estender-se-iam até Landak, no oeste da ilha de Bornéu, e, na década de 1670, o sultão Ageng tomaria posse da área de Cirebon na sequência da guerra civil em Mataram. Ageng estabeleceu ainda relações comercias com as autoridades espanholas da cidade de Manila (onde se encontrava a sempre apetecida prata) e mandou cavar uma série de canais de irrigação destinados às plantações de coqueiros e de cana-de-açúcar, entre muitas outras iniciativas.
Além do palácio de Surosowan, há na velha Banten restos visíveis do palácio de Kaibon, residência oficial de Ratu Aisyah, rainha e mãe do sultão Syaifuddin. Mantêm-se quase intactas duas maciças portas de entrada, várias paredes de pedra vermelha e pedra de coral, e escadarias várias onde encontramos aquele que é, provavelmente, o elemento arquitectónico português mais visível nos edifícios indonésios: a semi-espiral.
Joaquim Magalhães de Castro