Java Menor – 6

O sultanato de Sunda

Antes de prosseguirmos a nossa viagem pela bela ilha de Java, evoquemos aqui a importância de alguns viajantes portugueses cuja actividade seria fundamental para o conhecimento da área geográfica envolvente. Datado de 1502, o chamado “Planisfério Anónimo Português” foi adquirido, “por doze ducados de ouro”, por Alberto Cantino (que lhe daria o nome), comerciante e agente secreto de Hercules d’Este, duque de Ferrara, e depois enviado de Lisboa para essa cidade em Novembro do mesmo ano. Um tal documento, agregador de todas as novas informações geográficas da época, teria profundo impacto na Europa. Logo surgiriam uma série de mapas nele inspirados, caso do de Nicolau Cavério (1505) e o de Johann Ruysch (1507). Em 1511 (ou 1512) pilotava a caravela de Simão Afonso Bisagudo – parte integrante da frota de António de Abreu e Francisco Serrão que partira à descoberta das “Ilhas das Especiarias” – um tal Francisco Rodrigues. A ele se deve o “Livro de Geografia Oriental” e o primeiro acto cartográfico da Ásia do Sueste Insular – um conjunto de cartas náuticas e de desenhos panorâmicos de uma precisão nunca antes alcançada. Ali estavam representadas a Península Malaia e a costa norte e nordeste de Samatra, as ilhas de Linga e Bangka, e toda a zona costeira de Java, Bali e das Malucas.

Rodrigues seria também o primeiro europeu a redigir roteiros referentes à navegação da Ásia do Sueste aos Mares do Sul da China e de Malaca a Cantão. É dele, na realidade, o primevo atlas do mundo moderno. Seguir-se-iam as não menos importantes obras de Duarte Barbosa e de Tomé Pires, autores das primeiras geografias globais do Oriente, amplamente divulgadas na época. Falamos do “Livro de Duarte Barbosa e d’A Suma Oriental”, a base de toda a informação doravante transmitida à Europa. Como exemplo dessa transmissão de conhecimento temos o mapa publicado nas “Décadas da Ásia”, de João de Barros, com as cidades de “Bantem”, “Djakarta”, “Surabaya”, entre outras, muito bem explícitas. Acreditava-se então que a ilha de Java se encontrava dividida por um gigantesco canal, daí a diferenciação entre Java Maior e Java Menor. Quanto a Banten, existem, na Academia de Ciências de Lisboa, duas belas gravuras elaboradas com base nos desenhos efectuados pelos jesuítas portugueses destacados no arquipélago. Uma delas mostra-nos uma embarcação de guerra local, o kora-kora; e a outra, vários indivíduos a jogarem takraw (voleibol de pé), desporto ainda hoje bastante popular em grande parte do Sudeste Asiático.

Na mesma altura em que o recém-nomeado capitão de Ternate D. Jorge de Meneses rumava às ilhas de Maluco, para Sunda era despachado Francisco de Sá, cuja malograda expedição sofreria uma baixa antes mesmo de chegar a Banten. Em Linga, onde fizera aguada, afastar-se-ia do resto da flotilha a fusta Santa Clara, comandada por Gonçalo Vaz de Coutinho, celebrizado mais tarde como notório corsário dos Estreitos. Mais a sul, à entrada do Estreito de Palimbão, brava tormenta dispersou o comboio naval, e foi na sequência desse incidente que acabaram chacinados os treze homens do bergantim referidos pelo cronista João de Barros. Não tiveram muito melhor sorte as restantes embarcações. Uma galeota e a nau de Duarte Coelho foram arribar “a outras ilhas mais a leste”, talvez Bali e Lombok, de onde regressaram para buscar refúgio no porto de Panarukan, não muito longe de Surabaia. Da caravela Anunciada nunca mais se soube o paradeiro. Desacompanhado ao largo de Banten, em Dezembro de 1526, Francisco de Sá preferiu não arriscar, prosseguindo ao longo da costa até atingir Java Oriental. Invernaria em Panarukan, onde já estava Duarte Coelho e onde se reuniriam os restantes navios. Nesse porto teve até a oportunidade de juntar à frota dois outros navios: a nau Santiago, comandada por João Moreno, “que Jorge Cabral mandara a Java por vitualhas”, e a fusta Santa Catarina de Álvaro Borges, que escoltava um junco da Coroa a caminho das ilhas Malucas. Entretanto, reapareceria a fusta de Gonçalo Vaz Coutinho, e assim se constituiria uma armada de seis embarcações e uma nau capitânia.

Dado que a primeira tentativa de desembarcar em Banten não surtira efeito, Francisco de Sá regressaria a Sunda para plantar um novo padrão no local anterior, e, “como um animal agonizante que lambe as feridas”, seguir a linha costeira até ao boqueirão de Sunda onde deixaria um outro marco, num ilhéu situado no extremo oeste da ilha. Nem de um nem do outro há hoje quaisquer vestígios, embora deste último se saiba que se mantinha de pé ainda em 1540.

Joaquim Magalhães de Castro

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