JAVA MENOR – 17

JAVA MENOR – 17

Os perserosde Gresik

Por orientação directa de Afonso de Albuquerque, “o conquistador de Malaca”, as viagens efectuadas na Insulíndia obedeceriam a um determinado e rigoroso padrão de comportamento dos portugueses em relação à população local. Era a aplicação do método “viver e deixar viver” que não excluía formas de cooperação e parceria, diferindo radicalmente da política monopolista posteriormente adoptada pela VOC e subsequente regime colonial holandês.

Nos mares de Nusantara, nenhum navio estrangeiro foi apreendido pelos portugueses, nenhum porto atacado, nenhum homem de negócios estrangeiro, independentemente da sua religião, impedido de mercadejar. Entre os portugueses, apenas o feitor era autorizado a desembarcar, na companhia do escrivão e quatro intermediários. O comportamento dos comerciantes estrangeiros que os acompanhavam era vigiado e os superiores hierárquicos davam o exemplo. Os costumes e tradições locais eram invioláveis e, por conseguinte, deviam ser escrupulosamente respeitados. Este não era certamente código de conduta de quem ansiava conquistar ou colonizar, antes claro objectivo de integrar-se de forma harmoniosa nas redes de comércio existentes, tudo isso em nome do sucesso do empreendimento e até da própria sobrevivência da cidade de Malaca.

Assim, a viagem inaugural dos portugueses às “Ilhas das Especiarias” não foi de modo algum dominada por objectivos políticos e militares, e muito menos monopolistas, e tal postura seria determinante no pensamento e actuação dos governadores portugueses posteriores.

Na passagem do século XVI para o século XVII, cidades costeiras como Japara e Agracim (Gresik), nos arredores de Surabaya, atraiam numerosos mercadores estrangeiros. À semelhança dos chineses, gujaratis e “casados”, os portugueses depressa se imiscuíram na sociedade e política locais, e viriam a desempenhar um papel determinante enquanto intermediários entre a Corte e os comerciantes da terra. Centro internacional do trato das especiarias, Gresik (na realidade, o conjunto de três portos: Gresik, Jaratan e Sidayu) chegava a ser frequentada anualmente por mais de um milhar de navios, com uma capacidade de transporte que variava entre as vinte e as duzentas toneladas. A maioria desses navios era constituída pelos tradicionais “paraus” indonésios e malaios, que navegavam com ventos alísios até ao Estreito de Malaca, Samatra, Bornéu, Patani e norte do Sião, e, aproveitando as monções ocidentais, até Sunda, Banda, Malucas do Norte, Buton, Buru, Kei, Aru e Mindanau.

Os chineses (sempre presentes nas cidades costeiras) forneciam, entre outros produtos, quantidades significativas de porcelana e seda, incluindo a seda crua tecida por mulheres javanesas em Gresik e depois reexportada. Graças aos mercadores gujaratis e portugueses, chegavam a Gresik produtos indianos que iriam mudar o modo de vestir dos indonésios, fossem eles hindus ou muçulmanos. Além disso, também o gado criado na ilha vizinha de Madura alcançara o mercado de Gresik, tal como prosperava a criação de cavalos.

Viviam nessa época em Gresik entre 150 a duzentos “topasses” – os “portugueses negros” – à frente do lucrativo negócio de especiarias. Financiavam as compras começando por transaccionar têxteis, arroz e outros alimentos comprados aos capitães javaneses (os nakoda) e destinados a Banda e a Amboíno. Ali, esses bens essenciais eram trocados por cravinho, noz-moscada e maçã. O parceiro javanês recebia um terço dos lucros e dois terços iam para os comerciantes portugueses. A título de curiosidade, note-se que o nosso termo “parceiro” passaria para o Bahasa Indonésio como “persero”, no sentido de negócio. Quem viaja pelo arquipélago certamente notará a presença desta palavra em inúmeros edifícios comerciais. Os topasses também compravam directamente aos negociantes de Banda, cujas kora-kora, antes do bloqueio holandês de 1615, vinham regularmente a Gresik para vender especiarias e abastecer-se de têxteis, arroz, sal e produtos chineses.

Da grandeza da Gresik de outros tempos, mais propriamente do ducado de Sidayu, restam a memória oral colectiva e as ruínas do palácio do oitavo regente, Raden Adipati Soeryo Diningrat, localizadas na vila de Mriyunan, junto a um complexo escolar. Tão só umas quantas paredes, portões e escadas com alguns elementos característicos da arquitectura portuguesa, caso do bastante comum motivo decorativo em semi-espiral. No lado oeste da praça ergue-se a grande mesquita Kanjeng Sepuh Sidayu, e, mesmo ao lado, o mercado da cidade. De outro teor, embora da mesma época, temos o Benteng Lodewijk, baluarte holandês cujo acesso se faz de barco a partir da aldeia de Mengare.

DESTAQUE:

A viagem inaugural dos portugueses às ‘Ilhas das Especiarias’ não foi de modo algum dominada por objectivos políticos e militares, e muito menos monopolistas, e tal postura seria determinante no pensamento e actuação dos governadores portugueses posteriores

Joaquim Magalhães de Castro

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